Mitos Folclóricos e Assombrações :: Por Fátima Almeida
Fátima Almeida airam22_fafa@hotmail.com
Imagem Google ? do filme MORTE E VIDA SEVERINA
Em minha Ventura, não era diferente. Muitas vezes perdi o sono ao ouvir cantos de pássaros e gritos de animais que me intrigavam. A viuvinha, que passava as noites lamentando a perda do marido:- “meu amado foi, foi, foi e não voltou.” O pica-pau, batendo na madeira, a coruja rasga-mortalha, que segundo a lenda, quando passava sobre uma casa anunciava a morte de alguém, piados que me diziam ser de cobras perigosas que podiam estar por perto e uma infinidade de sons noturnos me mantinham em alerta, mas nada era comparado ao pavor que eu sentia, quando na madrugada, batiam à nossa porta, para comprar aviamentos para funeral.
Como a nossa era a única casa comercial nas proximidades, na hora que o “suplicante partia” começavam a providenciar a urna funerária, popularmente chamada de “caixão de defunto”. Papai acordava e solícito, os atendia para vender os tais “aviamentos”. Apavorante também era ouvir o serrote e o martelo do marceneiro, anunciando o “passamento”. Enquanto familiares, amigos e curiosos bebiam o defunto, as mulheres rezavam terços, ladainhas e cantos que em outras comunidades eram substituídos pela famosa incelença. E o sino? Deus! Era terrível. Tinha “toques” fúnebres distintos para “anjos” e “pecadores”. Tudo isso, muitas vezes chegava até os meus ouvidos e aí era que o medo dominava.
Mas ainda havia algo pior: acordar na madrugada com vozes e passos apressados de homens que conduziam “mortos” enrolados em redes, ao cemitério local. Vinham de muito longe, me disse papai. Certa vez, achei de esgueirar- me numa brechinha da janela para vê-los. Pensem na cena: Uma tenebrosa noite de inverno. Em meio à escuridão total surgiam tochas que iluminavam o caminho para um cortejo, no mínimo, bizarro. Homens enlameados correndo, falando muito alto, conduzindo um corpo sem vida, enrolado como um charuto, pendurado a uma vara firme onde de dois em dois se revezavam para descansar os ombros.
Curiosidade cara! Fiquei em choque por um bom tempo, mas o que me intrigava mesmo era o horário. Em minha fantasia, aquilo devia ser um ritual de magia negra. Mais tarde pude constatar esse costume lendo Morte e Vida Severina, onde João Cabral de Melo Neto, soberbamente o descreve.
E assim eram as altas horas em Ventura, mas não pensem que acabou, voltarei para contar mais “histórias extraordinárias". Aguardem!
Por Fátima Almeida escrito em 18/07/2011
Fátima Almeida airam22_fafa@hotmail.com
Notas:
As Incelenças, também denominadas Incelências constituem uma forma de expressão musical típica da Região Nordeste do Brasil. É uma coletânea de pequenos cânticos executados especialmente em virtude de falecimentos.
Apresentam uma estrutura rítmica bastante simples e compõem-se sempre de doze estrofes - o número dos apóstolos de Cristo, idênticas à primeira exceto pela marcação numeral no início de cada uma. A execução de tais cantigas é feita sem acompanhamento instrumental, sendo, geralmente, iniciada por uma ou mais vozes femininas, que cantam os primeiros versos de cada estrofe e às quais se segue um coro em uníssono, entoando os demais.
Acredita-se que uma vez iniciada a execução das incelenças não podem ser interrompidas, nem mudados seus executantes, sob pena de a alma do falecido não alcançar a salvação.
Canta-se "Uma incelença..." para a primeira, "Duas incelenças..." para a segunda, e assim sucessivamente até se cantarem doze, conforme se pode observar nesta conhecida incelença:
Em se tratando do velório de crianças, as estrofes se repetem apenas nove vezes.
Uma incelença entrou no paraíso
Uma incelença entrou no paraíso
Adeus, irmãos, até o dia do juízo
Adeus, irmãos, até o dia do juízo
(...)
Doze incelenças entrou no paraíso
Doze incelenças entrou no paraíso
Adeus, irmãos, até o dia do juízo
Adeus, irmãos, até o dia do juízo
O objetivo principal do ritual da Sentinela seria o de "convencer" a alma do falecido - que permaneceria entre os convivas até o fim da celebração - a seguir ao destino que lhe é reservado. Este ritual, que, segundo a crença marca a cisão definitiva entre o corpo e a alma do falecido, tem como ápice o canto da Incelença de Despedida ou de saída, onde os familiares despedem-se de seu ente querido desejando-lhe um bom destino.
Fonte: Wikipédia
Tocha - Pedaço de bambu, trabalhado no seu interior para servir de depósito para combustível (querosene) e com pavio de tecido ou algodão, usado para iluminar.