Civismo: "no meu tempo... era diferente..." :: Por Fátima Almeida
Fátima Almeida airam22_fafa@hotmail.com
Foto: Imagens Google/montagem byfafah
Muitos jovens criticam quando estabelecemos comparações entre o mundo atual e o mundo em que já vivemos, principalmente quando usamos expressões muito comuns como “no meu tempo...” ou “antigamente...” mas as diferenças existem, seja em nome do progresso, da evolução ou do descaso mesmo. Claro que algumas coisas evoluíram e hoje servem para facilitar a nossa vida, mas a inversão de valores é gritante, isso não se pode negar e ao nos aproximarmos da data em que comemoramos a Independência, não podemos deixar de lembrar alguns episódios que tanto significaram para nós.
Civismo era coisa que aprendíamos em casa e na escola era estimulado e desenvolvido, através de normas estruturais e de aulas de uma matéria há muito esquecida: Educação Moral e Cívica.
Ainda muito pequena, estudando na Escola Santa Rita, lá em Ventura, cantávamos o Hino Nacional e o Hino à Bandeira demonstrando um respeito e um orgulho que nem dá para adjetivar.
Em meados de 1966, fui morar em Alagoinhas e por alguns “poréns” (Ops! Acho que não existe essa palavra!) como proximidade de casa, a dificuldade financeira que papai atravessava naquele período e o problema de encontrar vagas em meio ao ano letivo, fui estudar no Educandário Senhora Santana. Era um colégio ruim? De forma alguma, mas tinha um ponto negativo: era misto e eu até então só estudara em escolas para meninas, como convinha às mocinhas de família, mesmo pobres, como eu. Mas seria por pouco tempo e nesse pouco tempo pude viver a emoção do meu primeiro desfile cívico. O meu maior problema era ser muito pequena e ter que desfilar na famosa “rabadinha”, como chamávamos os últimos, do último pelotão da escola. Como sempre, com muito jeitinho e persistência consegui convencer uma professora cuja filha tinha a minha altura, que seríamos mais úteis em outros lugares. Assim as duas mais baixinhas da escola saíram da “rabadinha” para carregar a faixa de apresentação do Educandário, feito que se repetiu também na Festa da Primavera, daquele e do ano seguinte.
No início de 1968, graças à generosidade da minha prima Mary que conseguiu aprovação em um concurso para promotor de justiça e pôde então custear meus estudos, fui matriculada na 3ª série ginasial do Colégio e Orfanato São Francisco, administrado por Irmãs Franciscanas dignas e merecedoras de pertencerem à Ordem. Foi amor à primeira visita.
Fazia parte da nossa rotina diária, formação em fileiras por série, no espaço anterior às salas de aula, onde a cada dia cantávamos um Hino Cívico. Sabíamos todos. Nas datas comemorativas, essa formação era feita no enorme pátio do Colégio, com três mastros onde eram respeitosa e solenemente hasteadas as Bandeiras do Brasil, da Bahia e de Alagoinhas. Os Símbolos Nacionais eram reverenciados e resguardados de qualquer ato de desrespeito, pois representavam a nossa Pátria, o nosso País! E como não lembrar a querida Professora Laura? Numa dessas ocasiões especiais ela nos pediu que levássemos poesias que falassem do Brasil. O tempo era curto. Tínhamos uma tarde e uma noite para realizar a tarefa. Andei procurando em casa algo que me agradasse, sem muita sorte. Decidi que não entregaria o trabalho. Perderia os dois pontos, mas não me fariam diferença, sequer precisava deles. À noite, já fazendo as minhas orações para dormir, a consciência, aquele “sininho” que toca quando fazemos algo errado ou deixamos de cumprir com alguma obrigação, me tirou o sono. Aquela voz falou mais uma vez: “você está sendo irresponsável! Se não encontrou pronto, faça você mesma.” E no dia seguinte, apresentei o meu humilde escrito à Professora, pedindo desculpas por não ter encontrado coisa melhor. Alguns dias depois, houve o hasteamento das Bandeiras comemorando a Semana da Pátria. Todos reunidos, enfileirados e a voz de Laura no Megafone, me fez tremer. Eu estava sendo convidada a ler o meu texto, em frente a todos os alunos e professores. Um calafrio me percorreu a “espinha”, mas eu fui e enquanto lia, ouvia o Hino Nacional e as Bandeiras começaram a subir. Não consegui ver mais ninguém ao meu redor. A emoção do momento foi forte demais. Amo o nosso Hino e o considero o mais lindo do mundo seguido de perto apenas pela Marselhesa e pelo Hino dos Estados Unidos e quando disse a última palavra, não suportava mais as lágrimas. Era a primeira vez que era aplaudida daquela forma. Pelo menos posso me dizer de um dia de glória, que tive... Eu tinha 16 anos. Eis o meu humilde escrito:
BRASIL
Brasil, estas terras
De montes e serras
De mil maravilhas
Gigante! Possante!
Que fauna! Que ilhas!
Brasil seus rios
Seus mares bravios
Seus campos e flores
Suas cores, Brasil!
Brasil das florestas
Dos pássaros em festa
Fazendo seresta
Cantando Brasil!
Brasil terra mãe
De grandes heróis
Que filhos daqui
Lutaram por nós
Brasil de Caxias
Milhões de Marias
Estradas e vias
Belos arrebóis
Brasil sol ardente
Brasil Tiradentes
Seu povo, sua gente
Brasil Independente
Somos todos, Brasil
A essa época, os desfiles contavam com todos os estabelecimentos de ensino locais. No dia 7 de Setembro, impreterivelmente às 08h, todos deveriam estar concentrados em frente à Prefeitura Municipal onde teríamos a cerimônia de hasteamento da Bandeira. O desfile propriamente dito, só começava a partir daí. Como era definida a ordem das saídas, não tenho a menor idéia, mas em determinado ponto da Praça Rui Barbosa havia um palanque onde as autoridades e seus convidados aguardavam cada Colégio e no final escolheriam um Vencedor que lograria um prêmio concedido pela Prefeitura. A disputa era ferrenha e muitas vezes desigual, mas a determinação e o orgulho com que empunhávamos as baquetas eram muito maiores, especialmente quando aconteciam as evoluções, bem diferentes das que hoje temos notícia. Não podíamos errar. Não tínhamos um toque somente e muito menos era essa charanga de torcida de futebol que eu tenho ouvido. Eram toques marciais variados e diferentes em cada banda. Os ensaios eram secretos até as vésperas do evento, assim os “adversários” não teriam chance de nos superarem na quantidade de toques. Até nisso havia disputa. Certa vez, já às vésperas do desfile, fazíamos o último ensaio na rua e quando executávamos um dobrado, encontramos um colégio rival que vinha no sentido contrário. Foi fantástico! Não podíamos parar, nem queríamos. Era um “Encontro”, tínhamos que resistir e alguns minutos depois, vibramos muito, embora os dedos clamassem por curativos. O encontro era a passagem de um colégio por dentro da formação do outro e o desafio era cada um manter o seu toque sem atravessar o ritmo. Graças ao nosso bom desempenho, ganhávamos bons prêmios como aquelas viagens pelas cidades históricas que citei em outro capítulo.
Como não dizer que “no meu tempo” era diferente? Tinha emoção. Sentíamos prazer em representar o Colégio que estudávamos, em homenagear o Brasil. Aí vem a desculpa que o país está assim ou assado, que não se tem mais orgulho de ser brasileiro. Não sei por quê. O Brasil é todo esse mundão de belezas naturais: praias belíssimas, ilhas paradisíacas, cânions, grutas, morros, desertos, florestas, animais e flores que desabrocham com a chegada da primavera. O Brasil é o coração do mundo e Pátria do Evangelho, como nos disse Chico Xavier.
Hoje não vou recitar um texto meu, mas deixo para os que generosamente se dignam ler os meus humildes escritos a tarefa de declamar este belo poema de Olavo Bilac.
A PÁTRIA
Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!
Criança! Não verás nenhum país como este!
Olha que céu! Que mar! Que rios! Que floresta!
A Natureza, aqui, perpetuamente em festa,
É um seio de mãe a transbordar carinhos.
Vê que vida há no chão! Vê que vida há nos ninhos,
Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos!
Vê que luz, que calor, que multidão de insetos!
Vê que grande extensão de matas, onde impera
Fecunda e luminosa, a eterna primavera!
Boa terra! Jamais negou a quem trabalha
O pão que mata a fome, o teto que agasalha...
Quem com o seu suor a fecunda e umedece,
Vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece!
Criança! Não verás país nenhum como este:
Imita na grandeza a terra em que nasceste!
Olavo Bilac
O BRASIL SOMOS TODOS NÓS!
Fátima Almeida airam22_fafa@hotmail.com