FORA TEMER!? :: Por José Lima Santana
José Lima Santana(*) jlsantana@bol.com.br
Quinta-feira. 1º de setembro. Primeiro dia da Semana da Pátria. Tempo de verde-amarelo. O azul e o branco ficam em segundo plano. O que valem mesmo são as cores majoritárias da Bandeira Brasileira: o verde das nossas matas, o amarelo do nosso ouro. As matas estão sumindo. Motosserras, queimadas... Fauna e flora arruinadas. Índios dizimados. Ouro? Levaram muito do nosso ouro. Não somente os portugueses, no passado. Hoje também. Continuam levando o nosso ouro, a nossa grana, o nosso suor, o nosso sangue. Que não levem a nossa alma, o nosso ânimo, a nossa fé, a nossa esperança! Ainda nos resta um resto de esperança. Que este resto não seja lavado a jato. Isto é, não caia na “Lava-jato”.
Mas, também, aquela quinta-feira era o primeiro dia da existência de um presidente que já existia apenas mais ou menos. Um presidente apenas mais ou menos era mesmo uma piada. Presidente é ou não é. Não pode ser meio termo. Nem pode temer nada. E uma presidenta, pode? Arrancada da bicicleta sem poder dar novas pedaladas. Vôte!!! Eh, Brasil que parece não ter jeito...! Aloprados e “coxinhas”. Bichos do mesmo zoológico. Muda só um pouquinho a plumagem. São bichos de pena. Que não têm pena do povo. De lado a lado. Um horror! O poder. O poder. O poder. Todos o ambicionam. Todos lutam por ele. Ao preço de quê? Ora, a qualquer custo, a qualquer preço. Com golpe ou sem golpe. Quanto ao povo, tadinho do povo. Sofre, geme, endivida-se, se lasca, se ferra mesmo. O povo? Existe apenas para povoar. E já é muita coisa. Porém, por ora, deixemos o povo para lá. Afinal, ele está sempre “para lá”, como tatu enfiado na toca.
Passavam das 16 horas. De repente, uma gritaria. Um ajuntamento. Um rufar de tambores, ou melhor, de umas improvisadas caixas de repique. Palavras de ordem. Meninos e meninas. Estudantada. Nas árvores do imenso pátio, passarinhos espantavam-se. Levantavam voos. Há no país muita gente voando. Gente de asas curtas. Gente de asas longas. E fortes.
A estudantada não era tão grande assim, mas fazia um barulhão danado. A caminhada circundou prédios internos. Arrastou-se como uma cobra humana. Multicor. Uniforme e desuniforme. Como são as pessoas. Como são os movimentos sociais. Quaisquer que sejam. Sonhos. Alienações. Protestos. Tudo junto. A cara do Brasil. A cara suja do Brasil. A cara limpa do Brasil. Ah, onde irá parar a ficha limpa? A lei. Na cesta. No bolso. Sabe Deus onde. E os supostos “bêbados” que fizeram a lei, estarão, por acaso, nalgum botequim entre aperitivos e acepipes? Quem haverá de saber? Nem um ministro espumando o sabe.
Mundo grande. Mundo perdido? Não. Apenas um mundo em ebulição.
A passeata barulhenta gritou: “Acorda! Puxa a corda!”. Quem estaria a dormir? Haveria algum enforcamento? A corda sempre arrebenta no lado dos mais fracos. A garotada, agitada, induzida ou conduzida, ciente ou consciente, berrava a plenos pulmões: “Contra o golpe! Que ela volte!”. Gritos estridentes. Berros consistentes? Os manifestantes pararam diante do carro de um professor. Era o mestre Miko Moro, um nissei. Olhinhos arregalados. Cabelos pretos. Jovem. Porte quase atlético. Sorriso manhoso. Ele sorria quase sem sorrir direito. Os estudantes, os que eram seus alunos, adoravam-no. Ele mantinha uma relação de grande empatia com todos. Ou quase. Havia sempre uns do contra. Do contra tudo.
“Vem pra luta, professor!”. O professor Miko Moro sorriu. Parecia o sorriso da Mona Lisa. Enigmático. Mais uma vez, o grito de ordem: “Vem pra luta, professor!”. O professor nissei era tido como um cara de bem com a vida, um gozador contumaz. Ele desceu do carro e perguntou a um seu aluno: “O que está acontecendo?”. E o aluno: “É a luta, professor. A luta contra o presidente golpista. Contra todos os golpistas. A luta pelo respeito à democracia”.
Uma revoada de pombos. Voos rasantes. Uma aluna de cabelos de arapuá aproximou-se do professor Miko Moro. Cheirava a fumaça. A uma fumaça diferente. Outros cheiravam à mesma fumaça. A garota: “Professor, sai do casulo! Vem pra luta, e fica fulo!”. O professor nissei de porte quase atlético sorriu mais uma vez aquele sorriso da Mona Lisa.
“Sair do casulo”. O professor não era borboleta, nem outro tipo qualquer de bicho que gostava de esconder-se. Não. Ele só não concordava com os aloprados de vermelho. Nem com os “coxinhas” elitizados, os de azul ou de qualquer outra cor. Os antagonismos deixam suas marcas nas ruas. Nos debates. Nas redes sociais. Nas pessoas.
De repente, o bordão daquele momento causou o deslocamento do ar. Em uníssono, as vozes se levantaram. “Fora Temer! Fora Temer! Fora Temer!”.
O jovem professor nissei, gozador de mão cheia, indagou, mandando ver: “Por que vocês dizem ‘Fora Temer!?’. Não precisa dizer mais. Ele já está lá fora. Na China”.
Silêncio por um instante. Logo, porém, a turba continuou a marcha, o protesto, as palavras de ordem. “Fora! Fora! Fora!”.
O professor nissei entrou no carro. Botou um CD para tocar. Raul Seixas. “Eu sou a mosca que pousou na sua sopa...”. Naquela quinta-feira, a noite foi-se chegando de mansinho... Noite escura. De breu. No prato dos pobres há pouca sopa e muitas moscas.
E somente agora eu me dei conta que alguém passou a mão na minha carteira. Puxa!
(*) DIÁCONO. ADVOGADO. PROFESSOR DA UFS. MEMBRO DA ASL, DA ASLJ E DO IHGSE.
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