A tempestade perfeita no consignado privado :: Por Marcio Rocha
Marcio Rocha*

O crédito consignado, conhecido por sua segurança e previsibilidade, está vivendo um momento paradoxal. Na tentativa de democratizar o acesso ao crédito via desconto em folha para trabalhadores da iniciativa privada, o sistema abriu as portas para uma crise dupla: juros explosivos e falhas operacionais que distorcem os índices de inadimplência.
De um lado, os números assustam. Em apenas um mês, os juros saltaram de 44% para 59,1% ao ano. Em um país com renda média apertada, esse patamar torna o consignado tão caro quanto o rotativo do cartão para parte da população. E o pior: isso ocorre justamente em um modelo que deveria ser mais barato por envolver débito direto no salário.
Mas o problema não se limita ao custo. Do outro lado da equação está uma falência operacional silenciosa, que coloca milhões de trabalhadores em risco de negativação mesmo quando pagam corretamente. São erros técnicos na integração entre empresas, bancos e o sistema eSocial. Em muitos casos, o trabalhador tem o valor descontado em folha, mas esse dinheiro simplesmente não chega ao banco. Resultado: ele aparece como inadimplente.
O impacto é tão sério que, segundo estimativas do setor, a inadimplência nas primeiras parcelas dos contratos de consignado privado já atinge até 18% em algumas instituições. Trata-se de um número alarmante para uma modalidade considerada de baixo risco. E o mais grave: boa parte desses registros negativos não representa inadimplência real, mas sim falhas nos repasses e nos sistemas.
Não se trata de calote, e sim de erro de processo. No entanto, o mercado reage como se fosse inadimplência autêntica. Instituições financeiras reajustam juros para cima, os bancos endurecem regras e os trabalhadores são penalizados injustamente com restrição de crédito e nome sujo. É o tipo de distorção que compromete a confiança em toda a engrenagem.
O governo federal tenta reagir com a imposição de multas às empresas que atrasarem repasses. Mas ainda é pouco. O que está em jogo é a credibilidade de um instrumento essencial para o consumo popular e para a dinamização da economia interna. Se o consignado perde sua função social de oferecer crédito com custo previsível, torna-se apenas mais um produto bancário com taxas abusivas.
A promessa de estabilidade pode vir com as novas regras de portabilidade, refinanciamento e o uso do FGTS como garantia. Mas isso só surtirá efeito se vier acompanhado de um robusto plano de modernização dos sistemas e de proteção ao consumidor. O trabalhador não pode pagar pela desorganização alheia.
Mais do que juros altos ou falhas técnicas, o que está em risco é a confiança no próprio modelo. Um crédito que nasce para ser seguro, mas se comporta como instável, está fadado à rejeição.
É hora de arrumar a casa. Enquanto isso, o consignado privado, ao invés de solução, virou problema.
*Marcio Rocha é jornalista formado pela UNIT, radialista formado pela UFS e economista formado pela Estácio, especialista em jornalismo econômico e empresarial, especialista em Empreendedorismo pela Universitat de Barcelona, MBA em Assessoria Executiva pela Uninter, com experiência de 23 anos na comunicação sergipana, em rádio, impresso, televisão, online e assessoria de imprensa.