Novembro Azul alerta contra doenças e comportamentos que mais matam os homens
Campanha voltada inicialmente para combater o câncer de próstata passa a alertar para os cuidados com a saúde mental, adoção de hábitos saudáveis e superação da cultura machista
O motivo da preocupação aparece em dados como a de uma pesquisa realizada por cientistas americanos e publicada em maio deste ano pela revista científica britânica The Lancet Public Health. Com base em dados de 2021 da Carga Global de Doenças (GBD 2021), eles compararam as estimativas de anos de vida perdidos em razão das 20 principais causas de doenças e lesões graves. O estudo concluiu que os homens tiveram estas taxas mais altas para condições causadas pela mortalidade em 13 das 20 causas estudadas, incluindo Covid-19, cânceres de pulmão e garganta, acidentes de trânsito, cirrose, infarto, AVC e doenças pulmonares. E boa parte destes casos têm acometido homens em idades mais jovens.
Para o professor André Luiz Baião Campos, do Programa de Integração do Ensino à Saúde da Família (Piesf) e do Ambulatório de Clínica Médica do curso de Medicina da Universidade Tiradentes (Unit), a saúde da população masculina tem particularidades que merecem atenção e mobilização, o que exige que todas estas causas sejam trabalhadas com enfoque em prevenção e cuidado. Uma destas particularidades está nos tabus e comportamentos ainda arraigados na sociedade.
“Pelo machismo, a prevenção de doenças masculinas é muitas vezes dificultada. Há preconceitos e estigmas que cercam a saúde do homem. Uma imagem de invencibilidade, força, coragem de se expor a riscos é reforçada desde a criação de meninos em contraposição a valorização do autocuidado que é mais ensinado às meninas”, diz André, tomando como exemplo o que acontece em relação aos transtornos mentais. “Homens, muitas vezes, evitam buscar ajuda para cuidar da saúde mental por medo de serem vistos como ‘fracos’. A depressão, a ansiedade e o estresse crônico afetam milhões de homens, mas muitos não procuram tratamento com psicólogos e psiquiatras”, frisa.
Tanto as causas externas quanto as doenças crônicas, que tendem a adoecer e causar mortes de homens ao longo da vida, são fortemente influenciadas por fatores como o estilo de vida, a desigualdade social, as más condições de trabalho e a própria cultura machista, que resultam em comportamentos como má alimentação, abuso de álcool, consumo do tabaco, padrões de comportamento violento e resistência frente a medidas de proteção e autocuidado. “Essa rotina adoecedora é construída socialmente, seja no trabalho, no trânsito ou na vida doméstica. A exposição a esses fatores de risco, além das questões genéticas, fazem com que a mortalidade seja maior entre os homens”, aponta Baião.
Mudança de foco
Um dos maiores desafios da conscientização sobre a saúde do homem foi a valorização excessiva da temática do câncer de próstata, que provocou mais de 17 mil óbitos no Brasil em 2023 (segundo dados do Ministério da Saúde), e a ênfase no toque retal como estratégia de detecção da doença, o que é um dos maiores motivos de piadas e atitudes preconceituosas. Estudos científicos e revisões já feiras por diversas Sociedades Médicas comprovaram que o rastreamento em massa por toque retal não é suficiente para impactar em mortalidade.
O professor André Baião exorta que o chamado para os homens ‘fazerem o toque retal ou o exame PSA’, como ainda aparece em muitas peças de divulgação, não deve ser generalizado nem enfatizado nas campanhas atuais. “Ao invés disso, o alerta e o chamado aos homens deve ser para vencer a resistência à mudança do estilo de vida, para a prevenção e o rastreio de doenças cardiovasculares, à cultura da paz e superação do machismo que leva a exposição, tanto a doenças transmissíveis como às crônicas. Também se deve aproveitar o Novembro Azul para uma reflexão sobre saúde no trabalho e saúde mental”, afirma, destacando que os homens devem ser mais incentivados a adotar práticas como manter uma dieta equilibrada, fazer exercícios regularmente, controlar o colesterol e a pressão arterial, além de evitar o cigarro e o consumo excessivo de álcool.
Por conta do Novembro Azul, instituições mobilizam seus locais e estruturas para ações de promoção e conscientização da população masculina quanto aos cuidados com a própria saúde. O Sistema Único de Saúde (SUS) promove consultas e ações coletivas nas Unidades Básicas de Saúde, além de aumentar a oferta de vacinações, avaliações, testes rápidos e exames 100% gratuitos e de acesso universal. Farmácias, clínicas privadas e redes de laboratórios realizam parcerias para oferecer exames a preços acessíveis ou até gratuitos durante a campanha, além dos programas de conscientização oferecidos por grandes empresas a seus colaboradores, incentivando a realização de exames preventivos e palestras sobre autocuidado.