O maior risco para a empresa familiar pode ser o próprio fundador
Em muitas empresas familiares brasileiras, especialmente de pequeno e médio porte (PMEs), o fundador ocupa um papel central e, muitas vezes, solitário.
A concentração das decisões, mesmo que tenha feito sentido no início da trajetória, pode se tornar um entrave com o passar dos anos.
A realidade é que muitos fundadores acabam se isolando. Da equipe, do mercado e até das próprias limitações.
E quando esse isolamento se instala, surgem sinais silenciosos, mas perigosos: decisões centralizadoras, resistência a mudanças, dificuldade em lidar com sucessores e, consequentemente, perda de competitividade.
Com ampla experiência no ambiente corporativo, atuando como Advisor à frente da MORCONE, auxiliando e orientando empresas, especialmente empresas familiares brasileiras, a se estruturarem para chegar aos 100 anos.
Carlos Moreira trata sobre o conselho consultivo como uma ponte estratégica, não apenas para conectar o fundador à empresa, mas para propor novos caminhos de governança, cultura organizacional e visão de futuro.
Fundador isolado: uma realidade mais comum do que se imagina
Segundo o artigo “O desafio do fundador de se tornar um conselheiro mesmo tendo um perfil centralizador”, é comum que o fundador, com o passar do tempo, acumule responsabilidades de forma excessiva.
A empresa cresce, mas o modelo de gestão não evolui na mesma velocidade. O resultado é um fundador sobrecarregado, tomado por decisões operacionais, que se vê sem tempo (ou disposição) para pensar no futuro do negócio.
Esse comportamento afeta diretamente a cultura organizacional, que se molda ao redor da figura do fundador e cria um ambiente dependente, com pouca autonomia, poucas trocas e raras inovações.
Em outras palavras: o fundador não apenas se isola, mas também isola o negócio de seu próprio potencial.
O conselho consultivo como ponte e não como ruptura
Ao contrário do que muitos pensam, implantar um conselho consultivo não significa abrir mão do controle ou romper com a história da empresa.
Na verdade, significa criar um espaço estruturado para escuta qualificada, trocas estratégicas e decisões baseadas em dados, e não apenas em intuição.
Recentemente, foi tratado no artigo Fundador, herdeiros ou números: quem lidera a empresa familiar?, que um bom conselho consultivo é aquele que respeita o legado do fundador, mas não se prende a ele.
É uma instância que traz perspectiva externa e ajuda a enfrentar os desafios que, dentro da operação, ficam invisíveis.
O conselho consultivo amplia o campo de visão, faz perguntas difíceis e promove o amadurecimento das lideranças, inclusive do próprio fundador.
Governança em empresas familiares: uma urgência silenciosa
O tema governança em empresas familiares ainda é tratado com certo receio por muitos gestores.
Por vezes, associam o termo à burocracia ou à perda de autonomia. Mas a governança, quando bem implementada, é exatamente o oposto disso: ela oferece clareza, segurança e continuidade.
No artigo Sucessão empresarial: por que o improviso ainda é o maior inimigo das empresas familiares?, foi abordada como a ausência de governança favorece o improviso em momentos decisivos, como a sucessão, crises de mercado ou reestruturações.
Empresas com conselhos consultivos bem estruturados estão mais preparadas para lidar com essas transições. Isso porque o conselho introduz práticas que reforçam a resiliência do negócio:
- Prestação de contas com regularidade;
- Tomada de decisões em colegiado;
- Planejamento estratégico contínuo;
- Avaliação sistemática de desempenho.
Dados que reforçam o impacto positivo do conselho consultivo
Segundo a Pesquisa Global de Empresas Familiares 2023, realizada pela PwC em parceria com a Family Business Network International (FBN), apenas 62% das empresas brasileiras (e 65% globalmente) possuem estruturas formais de governança, como acordos de acionistas e protocolos familiares.
Além disso, a composição dos conselhos dessas empresas demonstra que ESG (em português Meio Ambiente, Social e Governança) e DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão) são baixas prioridades, com apenas 12% dos conselhos brasileiros sendo diversificados e um terço composto apenas por membros da família.
Essa composição reflete o passado, não o presente ou o futuro, e a pesquisa sugere que as empresas familiares precisam se transformar e aumentar sua exposição, tornando seus esforços visíveis e comunicando-os claramente a todos os stakeholders.
Além disso, vale ressaltar que conselhos atuantes contribuem para a consolidação de uma cultura organizacional mais madura, em que os líderes deixam de ser figuras isoladas e se tornam referências colaborativas. Essa mudança é essencial para que a empresa evolua junto ao mercado, sem perder sua identidade.
O que os conselhos enxergam que o fundador não vê?
Quando um negócio é liderado exclusivamente pelo fundador por muitos anos, algumas armadilhas se tornam inevitáveis. Veja alguns exemplos:
1. Rejeição de novas ideias
O apego a modelos já validados pode criar resistência a mudanças necessárias, principalmente aquelas que envolvem inovação digital, novas estruturas societárias ou reestruturação de processos.
2. Subestimação de riscos
Os fundadores, muitas vezes, tomam decisões com base em experiências passadas, o que pode gerar uma falsa sensação de controle sobre riscos futuros.
3. Dificuldade de preparar sucessores
Sem uma estrutura clara de governança, o fundador tem dificuldade em delegar e formar novos líderes, o que compromete a longevidade do negócio.
O conselho consultivo atua como radar e termômetro: identifica riscos e oportunidades, muitas vezes ocultos, e propõe caminhos que equilibram razão e legado.
Como quebrar o ciclo de isolamento do fundador?
A seguir, alguns passos práticos para iniciar esse processo com segurança:
Comece com uma escuta estruturada
O primeiro passo é entender quais áreas da empresa mais precisam de apoio externo. Não se trata de abrir a gestão, mas de ampliar a escuta.
Escolha conselheiros com experiência e isenção
Perfis com histórico em finanças, gestão, estratégia ou mercado setorial são ideais para começar. O importante é que tragam visões diferentes das que já circulam internamente.
Estabeleça rituais de governança
Reuniões mensais com pauta clara, atas registradas e acompanhamento de KPIs ajudam a construir uma governança consistente, sem grandes rupturas.
Promova a cultura do contraditório
Nem toda crítica é oposição. Um bom conselho ajuda a colocar em pauta temas difíceis, muitas vezes ignorados por conveniência ou receio.
O conselho consultivo como agenda da longevidade empresarial
Ao longo da minha jornada, tenho acompanhado dezenas de empresas familiares em suas jornadas rumo à profissionalização.
Em todos os casos, o conselho consultivo foi um divisor de águas que rompeu o isolamento do fundador, fortaleceu a gestão e estruturou a cultura organizacional para resistir ao tempo e às mudanças de mercado.
Sempre gosto de destacar que:
“A função do conselho consultivo não é competir com o fundador, mas sim criar condições para que o legado dele se perpetue de forma saudável e estratégica.”
Do fundador centralizador ao líder que compartilha
Quebrar o muro entre o fundador e o negócio não significa abandonar a história construída, mas, sim, garantir que ela continue relevante, atualizada e sustentável.
O conselho consultivo é o instrumento certo para isso: promove o diálogo, estimula decisões maduras e evita que o fundador se torne o maior obstáculo ao crescimento que ele próprio sonhou construir.
Empresas familiares podem, e devem, se preparar para durar 100 anos. E o conselho consultivo é um dos primeiros passos nessa direção. Está preparado para implementar essa estrutura em seu negócio? Vamos conversar.
Carlos Moreira - Há mais de 35 anos atuando em diversas empresas nacionais e multinacionais como Manager, CEO (Diretor Presidente), CFO (Diretor Financeiro e Controladoria), CCO (Diretor Comercial e de Marketing). e Conselheiro Administrativo.