Auditoria do TCU aponta falhas na governança climática e propõe atualizações em políticas ambientais
Fiscalização destaca que não há continuidade dos planos estratégicos e falta transparência na aplicação de recursos financeiros destinados ao combate às mudanças climáticas
Ministro Vital do Rêgo - Foto: TCU
O Tribunal de Contas da União (TCU) identificou, sob a relatoria do ministro Vital do Rêgo, falhas na governança federal voltada para o enfrentamento da crise climática. A auditoria, realizada entre agosto de 2023 e junho de 2024, avaliou a estrutura de políticas públicas e a gestão de recursos financeiros destinados ao tema, alertando para a necessidade de uma coordenação mais eficiente entre governo federal, estados e sociedade civil.
A fiscalização do TCU destacou, ainda, que não há continuidade de instrumentos de planejamento, como o Plano Clima, de 2008, e o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA), de 2016. Ambos foram abandonados ao longo dos anos, o que prejudicou a capacidade do País de implementar medidas efetivas contra o aquecimento global. Além disso, a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), instituída em 2009, foi considerada desatualizada em relação a compromissos internacionais assumidos posteriormente pelo País, a exemplo do Acordo de Paris.
Para o relator da fiscalização, o cenário climático é alarmante.
“Se de um lado vivenciamos recordes consecutivos de aumento de temperatura, de outro, observamos a frequência crescente com que eventos climáticos extremos, de alta intensidade, passaram a ocorrer”, alertou o ministro Vital do Rêgo. Entre os eventos que têm causado impactos severos em todos os continentes, o ministro-relator citou as grandes inundações, calor extremo, secas e incêndios florestais, “com consequências devastadoras para a vida, para o patrimônio e para a segurança alimentar das populações”.
Recursos financeiros e falta de transparência
Outro ponto sensível abordado pela auditoria foi a gestão dos recursos financeiros para a agenda climática. O TCU detectou que as despesas não são amplamente identificadas no Orçamento-Geral da União (OGU). Da mesma forma, há limitações na transparência quanto aos recursos de fundos internacionais disponíveis para financiamento de projetos no País.
Segundo relatório, o programa de enfrentamento da emergência climática do Plano Plurianual (PPA) prevê o montante de R$ 45,7 bilhões para o período de 2024 a 2027. Já as contribuições disponibilizadas ao país por meio dos fundos internacionais alcançaram o total de US$ 1,847 bilhão no biênio 2018-2019.
Comparativo de recursos para enfrentamento da emergência climática no Brasil
- Montante do Plano Plurianual (PPA) 2024-2027
Total destinado: R$ 45,7 bilhões
Período: 2024 a 2027
- Contribuições Internacionais 2018-2019
Total disponibilizado: US$ 1.847 bilhão
Período: Biênio 2018-2019
Falta de centralização das decisões e falha de articulação
A auditoria constatou que é necessário ter uma coordenação mais eficiente entre governo federal, estados e sociedade civil. Ao decorrer da fiscalização, o TCU realizou pesquisa eletrônica com representantes de entes subnacionais. Segundo revela o relatório da unidade técnica, a mobilização do governo federal para tratar da agenda climática tem melhorado nos últimos anos, mas ainda carece de efetividade.
A fiscalização identificou, ainda, falhas na articulação vertical, evidenciando a insuficiência na interação entre o governo federal e os entes subnacionais. Nesse contexto, foi analisada a interação com atores não-governamentais, tais como o terceiro setor e o setor privado, ressaltando que essa comunicação necessita ser aprimorada para assegurar maior efetividade na execução das políticas públicas.
O ministro-relator acrescentou em se voto que, depois de a fase de execução da auditoria ter sido concluída, houve a publicação do Decreto 12.040/2024, que atualizou a estrutura do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima. Esse comitê passou a contar com três novas câmaras: Câmara de Participação Social, Câmara de Articulação Interfederativa e Câmara de Assessoramento Científico.
Para o ministro-relator, “a criação de instâncias e fóruns de articulação é apenas o passo inicial”, mas é preciso ir além, com definição de papeis e responsáveis. O ministro ressalta que, embora esses mecanismos sejam um avanço, é essencial definir claramente os papéis e responsabilidades de cada ator envolvido. Sem essa definição, as instâncias de articulação podem não se traduzir em ações concretas, limitando a efetividade das políticas climáticas.
Recomendações e próximos passos
Diante dos resultados apresentados pelo relator Vital do Rêgo, os ministros do TCU recomendaram ações estratégicas voltadas para o aprimoramento das políticas de mudança climática no Brasil. Ao Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) foi recomendado que:
- Institua um novo Plano Nacional de Mudança do Clima por meio de um instrumento normativo adequado para garantir a efetiva atribuição de responsabilidades aos órgãos e entidades envolvidas na implementação do plano.
- Estabeleça uma sistemática de monitoramento, avaliação e revisão do novo Plano Clima.
Submeta à Casa Civil uma proposta de atualização da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC).
- Articule a integração entre governo federal, estados, Distrito Federal e municípios por meio da Câmara de Articulação Interfederativa.
- Avalie a estrutura e o funcionamento do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC).
Além disso, o Tribunal recomendou ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) que tome ciência do desequilíbrio na paridade entre representantes do setor público e da sociedade civil no Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC). O Tribunal também fez recomendações ao Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), solicitando:
- Desenvolver uma metodologia de marcação dos gastos climáticos no orçamento geral da União, abrangendo tanto os gastos primários quanto os secundários, com impactos positivos e negativos.
- Criar um painel eletrônico que apresente a execução orçamentária dos gastos climáticos federais de forma temática, permitindo maior transparência e acompanhamento público.
Ao Ministério da Fazenda, foi recomendada a criação de um mecanismo de divulgação dos financiamentos disponíveis por meio do Fundo Verde para o Clima, Fundo Global para o Meio Ambiente e Fundo de Investimento Climático.
ClimateScanner
O ClimateScanner é uma iniciativa global, coordenada pelo TCU com o apoio de um grupo executivo composto por dezoito Instituições Superiores de Controle (ISC), no âmbito da Organização Internacional das Instituições Superiores de Controle (Intosai). O projeto visa avaliar as ações governamentais relacionadas à mudança climática em mais de cem países, focando em três eixos: financiamento, governança e políticas públicas de adaptação e mitigação. Em 2023, o Brasil participou do teste piloto, cujos resultados preliminares revelaram fragilidades na atuação do governo federal, o que ajudou a definir o escopo das auditorias atuais.
Para o presidente do TCU e da Intosai, ministro Bruno Dantas, “o combate às mudanças climáticas exige um esforço coordenado, com instrumentos sólidos e um alinhamento com os compromissos internacionais”. O ministro destacou ainda a importância de "construirmos ecossistemas de transparência robustos para a política climática, envolvendo todos os públicos interessados, a fim de garantir uma governança mais eficaz e sustentável".
As informações trazidas pela auditoria comporão os dados referentes ao Brasil na plataforma Climate Scanner, que apresentará dados do clima de todos os países que aderiram à ferramenta, um total de 141 países.
A unidade técnica do TCU responsável pela fiscalização foi a Auditoria Especializada em Agricultura, Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico (AudAgroAmbiental), vinculada à Secretaria de Controle Externo de Desenvolvimento Sustentável (SecexDesenvolvimento).