Estudantes criam sistema para auxiliar psicólogos no diagnóstico de TDAH
Apresentado no maior congresso de computação da América Latina, projeto propõe ferramenta de apoio clínico baseada em inteligência artificial

Atentos às dificuldades enfrentadas por profissionais da saúde mental, principalmente no acompanhamento de pacientes com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), alunos do curso de Ciência da Computação da Universidade Tiradentes (Unit) desenvolveram um sistema capaz de processar dados clínicos, detectar padrões de comportamento e oferecer suporte técnico ao trabalho dos terapeutas.
O projeto, desenvolvido por meio de uma iniciação científica, demonstra como a tecnologia pode atuar em benefício da saúde mental. De acordo com o professor e orientador da pesquisa, Victor Flávio de Andrade Araújo, a proposta nasceu de um interesse interdisciplinar que já vinha sendo trabalhado desde sua pós-graduação. “A intenção de aproximar a Computação da Psicologia é compreender como os usuários interagem com esses sistemas e garantir que eles se sintam confortáveis. Um sistema inteligente pode captar elementos sutis que passam despercebidos durante uma consulta e funcionar como um apoio ao psicólogo”, relata.
Do conceito à prática em laboratório
A ideia inicial surgiu durante uma aula da disciplina de Inteligência Artificial. Júlio Peixoto, integrante da equipe, propôs inicialmente um recurso voltado diretamente para os pacientes. “Começamos pensando em algo que atendesse os próprios pacientes, mas esbarramos em algumas questões éticas. Então decidimos voltar nossos esforços para uma ferramenta voltada aos psicólogos. Durante a elaboração, percebemos que concentrar o projeto em um caso específico como o TDAH poderia gerar melhores resultados do que uma proposta muito ampla”, conta Júlio.
Mais tarde, o projeto ganhou força com a participação de Ana Carolina Passos e João Lyra. Com a base definida, o grupo avançou por várias etapas até atingir um modelo funcional, incluindo revisão teórica, desenvolvimento do sistema, seleção dos dados e testes realizados em parceria com uma psicóloga. Para aumentar a precisão da ferramenta, a equipe adotou a técnica de Retrieval Augmented Generation (RAG), que permite à IA gerar textos com base em fontes científicas confiáveis. “Nosso objetivo era assegurar que as respostas da IA estivessem alinhadas com práticas clínicas e respaldadas por evidências”, destaca Ana Carolina.
Apoio prático para problemas reais
A proposta do sistema não é substituir o profissional da Psicologia, mas oferecer suporte ao seu trabalho. A ferramenta desenvolvida pode elaborar relatórios clínicos, fichas de acompanhamento e outros documentos comumente utilizados no cotidiano terapêutico, economizando tempo e ampliando a capacidade de análise. “Assim como qualquer ser humano, o psicólogo possui limitações cognitivas. Um sistema inteligente pode auxiliar ao destacar informações que talvez passassem despercebidas, fornecendo novas perspectivas durante o atendimento. Hoje, já conseguimos criar perfis simulados com características específicas, o que parece algo saído de uma ficção científica, mas tem mostrado bastante eficácia”, explica o professor.
João Lyra afirma que restringir o foco ao TDAH contribuiu para tornar a análise mais confiável. “Começamos com uma proposta mais abrangente, mas decidimos afunilar para facilitar a validação do sistema”, afirma. A segurança de dados e a ética no uso da IA também foram pontos essenciais do processo de desenvolvimento. Para Ana Carolina, essa preocupação é central em projetos que envolvem saúde mental. “Nosso sistema oferece mais proteção do que o uso direto de modelos genéricos. Mesmo assim, é necessário monitoramento constante para evitar equívocos ou ‘alucinações’ da IA”, observa.
Embora a inteligência artificial represente uma ferramenta promissora para a saúde mental, ainda há desafios éticos e técnicos importantes, principalmente quanto à segurança de dados sensíveis. “Os maiores riscos estão relacionados ao tratamento dessas informações. Por isso, desenvolvemos o sistema com uma estrutura de proteção muito mais sólida do que a encontrada, por exemplo, no uso direto do GPT-4”, explica Ana Carolina.
João Lyra reforça que o monitoramento constante é essencial para evitar respostas incorretas que possam comprometer a ética do processo terapêutico. Já o professor Victor Flávio destaca que, para manter a confiabilidade, foram utilizadas bases científicas e simulações realistas, sem o envolvimento de pacientes reais. “Simulamos atendimentos como se estivéssemos personalizando um ChatGPT com os traços de um paciente específico”, comenta.
Destaque e perspectivas para o futuro
A qualidade do projeto chamou a atenção da comunidade científica. A proposta foi selecionada para o Congresso da Sociedade Brasileira de Computação (CSBC), o maior evento da área na América Latina, realizado entre os dias 20 e 24 de julho, em Maceió. Os estudantes apresentaram a ferramenta no último dia e receberam comentários entusiásticos do público e da comissão avaliadora.
“Foi uma experiência maravilhosa. Tivemos a oportunidade de mostrar nosso trabalho, conhecer projetos inspiradores e trocar ideias com pesquisadores de diversas partes do Brasil. Estar entre os escolhidos mostra que estamos no caminho certo. Sem dúvida, participar do CSBC foi uma das melhores vivências da minha trajetória acadêmica”, relata Ana Carolina. João Lyra também ficou impressionado. “As palestras foram incríveis e o mais interessante foi poder observar as diversas abordagens aplicadas a projetos semelhantes. Vimos possibilidades de aprimoramento para nosso sistema”, diz.
Entre os vários conteúdos explorados no congresso, Júlio Peixoto destaca os debates sobre diversidade e inclusão na área tecnológica, especialmente os esforços voltados ao aumento da presença feminina na TI. “Além dos trabalhos apresentados, o evento Women in Technology (WIT) foi inspirador. Adorei ouvir histórias de mulheres que atuam no setor, e conhecer iniciativas que promovem maior inclusão. Isso tornou minha participação ainda mais significativa”, compartilha. Ele também elogiou os temas dos trabalhos apresentados, como IA, blockchain e inclusão social, e a troca de experiências com colegas de diferentes regiões.
Planos futuros
O professor Victor Flávio enfatiza a relevância da participação no congresso. “Nosso trabalho foi reconhecido como inovador pelos avaliadores do CSBC. Isso posiciona os alunos como desenvolvedores de tecnologia avançada. É possível que tenham criado algo inédito não só na América Latina, mas em escala global”, afirma. Segundo Ana Carolina, os retornos recebidos foram extremamente positivos. “As perguntas feitas pela banca estavam totalmente dentro do que havíamos apresentado. O reconhecimento do nosso projeto foi muito gratificante”, relata. Ela inclusive foi convidada para explicar o sistema em um podcast.
O sucesso no evento motivou o grupo a buscar novos caminhos para a iniciativa. O objetivo agora é transformar o sistema em um produto viável. “Já estamos trabalhando para aprimorar a ferramenta e temos planos de publicar artigos, firmar parcerias com profissionais da Psicologia, startups e até registrar uma patente”, adianta João. Júlio, que tem afinidade com empreendedorismo, já imagina uma solução de mercado. “Tenho um protótipo pronto e bastante vontade de levar essa ideia adiante como um negócio”, conclui.