O Papa Francisco é louco :: Por José Lima Santana
José Lima Santana(*) jlsantana@bol.com.br
Papa Francisco fala durante missa em Florena (Foto: Gregorio Borba/AFP)
Durante a minha infância, nos livros, revistas (muito poucas) e jornais, estes eu os lia, velhos, no balcão da bodega que, outrora, pertencera ao meu tio avô Evangelino Soares Santana, acostumei-me a admirar a fisionomia de três homens notáveis. Porém, deles, eu, criança, pouco sabia. O que me chamava a atenção era o semblante sorridente dos três: João XXIII, Juscelino Kubitscheck e John Kennedy. Mais tarde, eu viria a conhecê-los melhor.
No caso de João XXIII, com o passar do tempo eu fui aumentando a minha admiração por aquele “velhinho” que se tornou Papa, num momento de transição. Diz-se que o cardeal Montini, favoritíssimo à sucessão de Pio XII, e que, depois de João XXIII, se tornaria o Papa Paulo VI, teria alertado a alguns membros do Colégio Cardinalício: “Vocês não sabem o que acontecerá com a Igreja se este velho santo for eleito Papa”. Referia-se ao cardeal Angelo Giuseppe Roncalli, ou seja, ao futuro João XXIII, eleito em 1958, e que escolheu como lema do seu pontificado “Obediência e Paz”.
Hoje, eu não tenho dúvida: o meu Papa predileto é, sim, João XXIII. São João XXIII. Pelo que ele ousou fazer ao convocar o Concílio Vaticano II. Pelo que ele quis que o Concílio fizesse, aproximando a Igreja do povo de Deus. E pensar que, cinquenta anos após o término do Concílio (1965-2015) muita gente da Igreja (hierarquia e laicato) ainda não aprendeu as lições conciliares, e, mais ainda, alguns abominam as conclusões do Concílio. É evidente que todos merecem ter o seu pensamento respeitado. Eu os respeito, embora não posso concordar com eles. Que eles também respeitem o meu ponto de vista. Se o quiserem. Se não o quiserem, o problema é deles. O meu precioso sono eles não haverão de tirar. Como eu não tirarei o deles.
Depois de João XXIII, o Papa no qual eu depositei as minhas esperanças foi João Paulo I. O “Papa Sorriso”. Outro “velho santo”. Era o que me parecia. Foi-se, contudo, trinta e três dias após ter assumido a cadeira de Pedro.
Enfim, as minhas esperanças voltaram-se para o Papa que foram buscar “no fim do mundo”, como ele mesmo o disse: Jorge Mario Bergoglio. Começando pelo fato de que ele escolheu o nome do santo de Assis. O meu santo favorito, embora eu não seja devoto de nenhum santo. Contento-me com a Trindade Santíssima.
Contou o padre Geovanne Saraiva, pároco de Santo Afonso, em Parquelândia, Fortaleza (CE), que D. Helder Câmara o teria dito, após o retorno de uma viagem a Roma, na década de 1970, que sugerira a Paulo VI uma ampla reforma na Cúria Romana, que o Papa fizesse a Igreja voltar às suas origens, que deixasse de lado a ostentação da Cúria etc. Ao que Paulo VI respondeu que, se pudesse, ele o faria. “Mas eu não posso, Dom Helder”, teria respondido o Papa. Aliás, Paulo VI foi um Papa que deve ter sofrido muito por conta das tensões que a fase pós-conciliar gerou. E Dom Helder conheceu o cardeal Montini, então arcebispo de Milão, na década de 1950, quando o acompanhou em sua visita ao Rio de Janeiro, de onde D. Helder era, à época, bispo auxiliar.
O padre Saraiva salientou, ainda, que, segundo o jornalista Juan Arias, do jornal espanhol “El Pais”, João Paulo I, na tarde da véspera de sua morte, teria reunido os cardeais da Cúria Romana, para expor a ideia de que pretendia reformar a Cúria e retirar-se para morar num bairro operário de Roma com os cardeais que o quisessem acompanhar. Segundo o jornalista, foi um Deus nos acuda. Uma freira, que acompanhava o Bispo de Roma, teria dito ao jornalista Arias que ouviu os gritos dos cardeais trancados numa sala com o Papa, contrários aos seus planos. Na noite daquele dia, João Paulo I não viu televisão como costumava fazer. Preferiu ler um livro. Amanheceu morto. O coração não deve ter aguentado o peso da Cúria, como, supostamente, Bento XVI não aguentou e preferiu renunciar. Para conferir, vide o blog que o padre Saraiva mantém (http://blogsantoafonsoce.blogspot.com.br/2013/03). Eu não duvido de que o que ele escreveu tenha mesmo ocorrido.
Muito bem. Direciono a parte final deste artigo a Francisco, eleito Papa em 13 de março de 2013. Desde que assumiu a cadeira de Pedro, o Papa Francisco surpreendeu o mundo. O estilo de pastor que marcou a sua vida na Igreja argentina ele o levou para Roma. Ah, a hierarquia encastelada ou pretendente a encastelar-se no Vaticano não gosta do seu estilo simples! Da sua sobriedade. Há quem deseje um Papa monárquico. Um Papa que se apresente como um Rei. Pomposo e distante. Um Papa da alta Idade Média? Talvez... Ora, Jesus é Rei. Mas nasceu numa manjedoura. Viveu pelo mundo, “em saída”, como Francisco quer a Igreja. “O Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça”, disse Jesus Cristo (Mt 8,20). Todavia, muitos prelados clamam pelo fausto. Pela ostentação. E pelos desmandos. No “alto” e no “baixo” clero. E há leigos que também estão indo nessa “onda”. Eu repito: respeito a todos, mas com estes não posso concordar.
Faltam mais pastores na Igreja. Essencialmente pastores. Pastores que ouçam o povo, que caminhem com o povo. Que se rebelem contra o comodismo, contra a zona de conforto. Que se deixem tocar pelas palavras e gestos de Francisco. Alguém me disse, há poucos dias: “O Papa Francisco é louco”. Bendito seja este “louco” jesuíta de coração franciscano, que se tornou o 266º Papa. E que com ele os católicos aprendam de uma vez por todas esta sublime lição do Evangelho:
“Jesus percorria todas as cidades e povoados, ensinando em suas sinagogas e pregando o Evangelho do Reino, enquanto curava toda sorte de doenças e enfermidades. Ao ver a multidão teve compaixão dela, porque estava cansada e abatida, como ovelhas sem pastor. Então disse aos seus discípulos: ‘A colheita é grande, mas poucos os operários! Pedi, pois, ao Senhor da colheita que envie operários para a sua colheita’” (Mt 9, 35-38).
Que a “doce loucura” de Francisco contamine a Cúria romana, tão pesada, tão eivada da opulência que há muito já deveria ter sido sepultada. E de outros fatores também, que não engrandecem os seguidores do Cristo. Pavorosos fatores. Que a “loucura” papal contamine todo o povo de Deus (hierarquia e laicato), no mundo inteiro. Que a Igreja se renove de verdade. Que retome o caminho do começo, lá do século I. Que se espelhe em Jesus, mais, mais e mais. Que viva com ELE e como ELE. Que seja mais sal. Que seja mais luz. Que seja mais fermento. Enfim, que siga o Caminho. Que proclame a Verdade. Que viva a Vida (Jo 14,6).
Bendito seja o Papa Francisco na sua “santa loucura”. Isto é, na sua sapiente lucidez. Que Deus o fortaleça e o ilumine, enquanto durar o seu tempo na cadeira de Pedro. Que seja um longo e frutuoso tempo, apesar das insinuações de que ele está doente. E que, nesse tempo, ele consiga quebrar a espinha dorsal dos malefícios que atormentam a Igreja, e que estão dentro de suas próprias entranhas, contrariando os ensinamentos do Filho de Deus.
Nos últimos dias, dois livros publicados na Itália mostram mais fraturas expostas da Cúria romana. Mais escândalos. Francisco enfrenta adversários poderosos. O Papa não tem o poder que a gente pensa que ele tem? Ora, deve haver cardeais e bispos com os respectivos corações voltados para o Evangelho. Que estes ajudem Francisco a separar o joio do trigo, a queimar os galhos secos da figueira, que ainda são muitos.
(*) Advogado, professor da UFS, membro da ASL e do IHGSE
Publicado no Jornal da Cidade, edição de 15 de novembro de 2015. Publicação neste site autorizada pelo autor.
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