Resguardo de mulher parida
Desculpem-me os redatores do Jornal da Cidade. Desculpem-me os leitores e as leitoras, incluindo internautas. Eu hoje, neste último domingo de novembro, não tenho o que lhes dizer. Estou com a cabeça ruinzinha. Mas, ruinzinha mesmo. Não sai nada de proveito. Nenhum assunto que mereça a atenção de quem lê. Que tenha algum atrativo, ainda que mínimo. Aliás, preciso fazer uma correção: a cabeça não está ruinzinha neste domingo, a bem da verdade. Isso foi na quinta-feira, dia 27, que é o meu prazo para enviar o artigo à redação do Jornal. Amanheci com a cabeça oca. E oca ela permaneceu até a meia-noite. Vi, atônito, os ponteiros se juntarem num abraço de enamorados. Abraço apertado de tirar o fôlego, se fôlego os ponteiros tivessem. Abraço mais sem-vergonha. Mais safadinho. Uma colada das seiscentas! Pronto. Já era meia-noite. Logo, meia-noite e um minuto. Sexta-feira. Nada. Pensei: é hora de pedir arrego. De deixar de lado as páginas do Jornal aos domingos. Afinal, desde 2010 eu tento tapear os leitores com um bolodório danado. Não consegui me acertar como “escrivinhador”. Não segui uma linha estética. Não busquei sedimentar os escritos – pobres escritos! – em torno de uma linha apropriada. Escrevi sobre o que quis. Sobre o que foi possível escrever. Às vezes, de última hora eu inventei causos. Outras vezes, busquei causos ouvidos na minha infância. E noutras mais, eu escrevi sobre assuntos do momento, a exemplo de questões políticas. A preferência de quem ousa me ler – e isso para mim é uma honra – parece que, na ordem, recai sobre os causos e a política. Os causos divertem, e mais divertiriam se o contador tivesse veia, tivesse tutano. Os assuntos políticos chamam a atenção de alguns que gostam dos enredos da política tupiniquim. Ademais, outros escritos, outros assuntos não chamaram tanto a atenção, salvo um ou outro.
Entreguei os pontos. Vou-me embora pra Pasárgada, como sugeriu Manuel Bandeira, embora nem lá nem aqui eu seja amigo do rei. Porém, onde estará a minha Pasárgada? Decerto, não estará no Irã. Pasárgada, como muitos devem saber, obviamente, era uma cidade da antiga Pérsia, e atualmente é um sítio arqueológico na província de Fars, no país citado. Foi a primeira capital da Pérsia Aquemênida, no tempo de Ciro II. É também um Patrimônio Mundial da UNESCO. E alguém quer saber disso? Ou relembrar, quem já o sabe? É possível que não. Deixo Pasárgada para lá. E aí, vou deixar de publicar um escritozinho qualquer, assim no vapt-vupt? Que dilema! Para que serve uma cabeça oca? Será que o jornalista Luiz Melo, que recebe os meus escritos, desde que Marcos Cardoso de lá se afastou, me arranjaria de graça, na base do 0800, um anúncio miúdo do tipo: “Procura-se enchimento para uma cabeça oca”? Ou, então, “Oferece-se uma cabeça oca a preço de ocasião”. Psiu! Ô Luiz Melo, dê as caras, cara! Arranje-me aí o espaçozinho para um classificado. E não venha pra cá me dizer que isso é assunto do setor comercial. Nem venha que não tem! Ah, mas pensando bem, quem vai ler um anúncio dos tipos acima citados? Nem um nem outro. E se alguém o ler, não lhe dará a mínima. Estou ferrado.
O tempo vai passando. A madrugada da sexta-feira chegou ao meu quarto, onde eu escrevia essa besteira, por absoluta falta de assunto, por não saber o que escrever, que pudesse servir como artigo, crônica, causo ou fosse lá o que fosse. Senti-me seco como a nascente do rio São Francisco. Seco como o reservatório da Cantareira, em São Paulo. Seco como os peitos da cadelinha Miumiu, que já está bem velhinha e dorme o dia quase todo, na casa de D. Ceicinha do finado Caçulo Varandão, que foi dono da fazenda Mulungu e do famoso cavalo ruço Peido de Velho. Que nome, hein? Estou mesmo seco. Sem assunto, sem assunto, sem assunto. Todavia, por falar em secura lembrei-me de Severino do Velame, marido da professora Mariinha e pai de Tutuca, Biribinha, Tontonca, Zibelina, Coriboca, Beibei, Mirucha, Teco e Mocinha. Nos idos de 1970, Severino fez uma aposta com Marciano de Sá Mirandinha, como a mulher de Fausto de Maria Preta jamais engravidaria. “Ela tem o útero seco”, dizia Severino. “Não tem como segurar a semente do marido. Não tem como gerar menino. Ela é mais seca do que cuia de farinha em casa de quem não fez feira”.
Meu Deus! Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó. Deus que vela por mim e por quem também Nele acredita. O que tinha Severino a ver com o embuchamento ou não de Isaurinha, mulher de Fausto de Maria Preta? Nada. Aparentemente, nada. Ocorre que ele era apostador nato. Apostava em tudo. Inventava no que apostar. E inventava mirabolantes justificativas quando perdia algumas apostas. Desafiou Marciano estipulando o prazo de dois anos como Isaurinha não pegaria barrigada. O casal estava casado há exatos outros dois anos. Seriam quatro anos de vãs tentativas, no conjunto. Ora, se havia se passado dois anos sem sinal de choro de menino novo, não custava apostar em mais dois. A aposta foi feita. Um bezerro pé duro de Severino contra um potrinho castanho de Marciano. Aposta selada na palavra. Melhor cartório não havia. Palavra de homem versus palavra de homem. Antigamente era assim. Valia o dito.
Um ano e meio se passou e eis que Isaurinha apareceu embuchada. Severino perdeu a aposta. No dia em que D. Eurides, parteira afamada, aparou dois meninos da barrigada de Isaurinha, logo dois, como se fosse para recuperar o tempo perdido, Severino levou ao sítio de Marciano o garrote pé duro, que, a bem dizer, já era um boi feito. Aposta perdida era aposta a ser paga. Chegando à porteira do sítio, Severino encontrou o vencedor da aposta, atarefado em consertar uma cerca de arame farpado. “Olhe aqui o seu garrote”, disse o perdedor. Ao que respondeu Marciano: “É, “seu” Severino, parece que Fausto de Maria Preta tem partes com São Pedro: ele molhou direitinho o útero seco de Isaurinha”. Severino, então, mandou ver: “São Pedro num tem nada a ver com isso, não. Dizem por aí que quem molhou foi o carinha novato da DESO, que é vizinho do casal”. E Mariano, mostrando espanto: “O quê? Mas o carinha da DESO é o meu filho Zezinho”. Severino emendou de primeira: “Então, você ganhou um garrote e dois netos”.
Bem. Jornalista Luiz Melo, deixe o espaço do meu anúncio para depois. E vamos marcar um dia para uma cervejinha. Lembrando que Eugênio Nascimento agora só bebe cerveja zero álcool. Cerveja sem álcool... Até parece resguardo de mulher parida. Vôte!
Publicado no Jornal da Cidade, sob o título “Sem assunto”, edição de 30/11 e 1º/12/14. Publicação neste site autorizada pelo autor.
(*) Advogado, professor da UFS, membro da ASL e do IHGSE
Confira AQUI mais artigos do José Lima Santana