Tião Mineiro :: Por José Lima Santana
José Lima Santana(*) jlsantana@bol.com.br
Tião Mineiro chegou por estas bandas em 2005. Veio tangido pelo trabalho. Jovem, solteiro, farrista, dado a uma batida de viola de cocho, que só ele sabe tocar por aqui. Aprendeu com um tio, violeiro, segundo Tião, dos bem bão lá de Minas. Duvidar? Eu? Nem um pingo. Duvido não. Afinal, eu nunca peguei Tião em mentira, nem de brincadeira. Tião é meu amigo. Já fui até mesmo seu advogado numa causa cível de pequena monta. Fui seu padrinho de casamento. Sou seu compadre, padrinho de Tiãozinho, que acaba de fazer cinco anos de vida e de sapecagem. Um galeguinho agitado, esse Tiãozinho. Deve ter saído ao pai, que tem cara de sapeca e, na verdade, ele o e. Nunca deixará de ser. É coisa do sangue. Não varia nem tresvaria. Não é como casco de burro fujão. Tião não é de fugir. De nada. Golpes de karate ( Foto: Reproduo/Internet)
Tião é natural do noroeste das Minas Gerais, lá pras bandas da fronteira com Goiás. Tem ele o sotaque mineiro muito carregado, mas a fala é mesclada com ditos goianos. No ponteio da viola Tião tira modas de saudade da terra natal. Modas que falam em bois e boiadas. Em berrante e berro. Em moças bonitas e cabras valentes. Em versos de locução de rodeios. Em festas e fé. Em rios e prados. Em botas e chapéus. Tião é homem citadino com raízes profundas nas serras e nas estradas. Lama e poeira. Sujeito arisco como um olho com cisco. Nada é mais arisco do que um olho que “coceia” por causa de um cisco. Coisinha mais chata demais da conta, sô, é um cisco no olho. Quem já teve um sabe do que eu estou falando. Por aqui se diz: “Tou com um argueiro no ôio”. Bicho excomungado. O argueiro.
Lembro-me de Tião, recém-chegado. Tinha lá seus vinte e cinco anos. Engenheiro de Minas formado há um ano. Universidade de Ouro Preto. Veio a mim por recomendação de um antigo engenheiro da antiga PETROMISA, com quem eu fiz amizade quando fui diretor da DESO, no fim da década de 1980. Esse meu amigo é tio de Tião Mineiro. Também o tio é Tião. Mas, é Mané Tião. E não é violeiro como o sobrinho. Segundo ele, nem sabe tocar sovaco. Isso eu sei. Foi o único “instrumento musical” que eu aprendi a tocar nas noites de danação dos meninos do João Ventura, meu subúrbio dorense. Mané Tião, aposentado, voltou pra Paracatu, sua terra natal. E de lá veio o sobrinho, esse outro Tião. Meu compadre. Meu amigo. Marido de minha comadre Rosa Cecília. Pai de Tiãozinho e de Alessandra, esta com seis meses de vida risonha.
O meu compadre Tião Mineiro é engraçado. Quando era solteiro e saía para as baladas aracajuanas, costumava dizer, um dia antes: “Prepara que amanhã a terra treme e a pedra rola”. De tanto tremer e rolar, ele acabou fisgado por uma loirinha que não perdeu tempo: Rosa Cecília, promoter. Um doce de pessoa. Passou o rabicho no mineirinho. Sela posta. Montaria garantida. Botou-lhe cabresto. Arrastou-lhe ao pé do padre. Em menos de um ano de namoro. Fogaréu aceso de lado a lado. Família bem constituída. Casal em boa caminhada. Tião e Rosa se conheceram numa noite de sexta-feira, num forró da orla de Atalaia. Estávamos numa mesa emendada. Éramos oito pessoas. Livres, somente eu e ele. Pertinho de nós, uma mesa com um sujeito e duas sujeitas. Uma delas, Rosa Cecília. Ela viu Tião antes que ele a visse. Eu a bispei entronchando os olhos para ele, que estava bem de frente para ela. “Tião, tem gente lhe paquerando”, eu avisei. Ele olhou. Grudou os olhos nela. Ele sorriu. Ela, também. E aí Tião largou uma de suas pérolas: “Ôôôô lasqueira! Vem ni mim trem cosquento”?. Rimos muito. Dali a pouco, os dois já estavam no maior conversê.
Fim de noitada. Tião flechado. Arco jogado ao chão. Rosa Cecília em transe. Tião versejou, cortando letras, como é costume dos mineiros: “Pra que panhar o cravo se a rosa é mais cheirosa? Pra que beijar no rosto se a boca é mais gostosa?”. Quando menino, Tião fez participações como locutor mirim de rodeios. E não largava de relembrar aqueles tempos. Silvinha, uma das nossas, naquela noite de encontro, perguntou: “Ô Tião, qual foi a frase mais romântica que você disse à moça?” E ele, fazendo cara de sério, para, depois, arrebentar-se num sorriso gargalhento: “Gata me chame de sal grosso, que eu me jogo em suas carnes. Aô trem bão! Caba não mundão!”. Fim de noitada. Dia conduzido pela aurora. Sol se levantando do outro lado do mar. E nós ali, sentados na orla sem vontade de ir para casa. Era sábado. Ninguém iria trabalhar. Curtíamos a curtição de Tião. O meu futuro compadre haveria de passar o dia tocando viola e ligando pra Rosa Cecília. O namoro engatou como elos de corrente. Feliz da vida, Tião cantava versos de outro Tião muito famoso no mundo da chamada música de raiz, ou música caipira, Tião Carreiro: “Tendo amor e saúde, da vida eu não reclamo / Amo a vida que levo, e levo a vida que amo!”.
Êh, mundão abençoado de Jesus! A família e os amigos de Rosa Cecília gostaram do mineirinho. Thiago, irmão mais novo de Rosa Cecília, de apenas doze anos, divertia-se com o sotaque e os ditos de Tião. Era uma festa. E o mineirinho mandava ver, quando o locutor de rodeios baixava nele: “Quem vê minha bota nova / não vê o calo no meu pé. // Quem vê meu chapéu novo / não sabe que marca ele é. // Quem pensa que eu não quero casar, / foi mesmo aqui em Aracaju / Que Deus me fez encontrar / Uma inteligente e bela mulher”.
Na saída, Marcos Figueira, namorado de uma prima de Rosa Cecília e estudante de Direito, natural de Lourdes, soltou essa frase, tão comum entre nós interioranos: “Tião, você é peia. Caga no sapato e não mela a meia”. Ah, como rimos!
Pois é, Tião. Nós também temos os nossos ditos. Abraço, meu comadre.
(*) Advogado, professor da UFS, membro da ASL e do IHGSE
Publicado no Jornal da Cidade, edição de 25 de março de 2016. Publicação neste site autorizada pelo autor.
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