Implante capilar :: Por José Lima Santana
José Lima Santana(*) jlsantana@bol.com.br
Implante capilar :: Por Jos Lima Santana - Foto: Divulgao
Antônio Aurelino de Bastos Pereira. Eis o nome do suplicante. Boêmio, tocador de violão, namorador, deu-se mal por ter dado em cima de uma jovem senhora há pouco casada, porém sibite como ela só. O maridão, desses de pança de barril, sujeito sebento, mas brabo que nem caninana soube do arrastar de asas de Totoinho, como era chamado. Aliás, Totoinho de Zé Leleco. Zé Leleco era o pai. O maridão correu dentro de Totoinho de revólver em punho, no bar de Euvaldo. O tocador de violão escapou, e pernas pra que as quero, papocou no oco do mundo. Bandeou-se para o Rio de Janeiro, onde morava uma irmã, que trabalhava na TV Rio. Ih, faz tempo! Na Cidade Maravilhosa, Totoinho andou tocando em barzinhos, em cabarés da Lapa e, assim, foi-se fazendo como instrumentista, até chegar ao Cassino da Urca. E o danado era bom mesmo. Fez carreira e amizades. Por lá recebeu em santo matrimônio uma jovem, filha de um coronel do Exército. Logo, veio o golpe militar e o coronel subiu a general. O sogrão tornou-se um dos milicos da chamada linha dura. Àquela altura, Totoinho já tinha se endireitado na vida. Não era mais de aventuras amorosas, ao menos do conhecimento da mulher e do sogro general.
Ditadura é ditadura, embora alguns incautos, dentre eles jovens, que não sabem nada dos tempos de chumbo, gritam pregando a volta do regime da tortura e do escambau. O sogrão general conseguiu uma colocação para o genro artista numa empresa do governo. Lá ele fez carreira. Mudou para Brasília e acabou como técnico do Senado. Ele se aposentou anos depois que o general já tinha batido os coturnos e um pouco depois que os milicos voltaram para a caserna. Aposentado, voltou para o Rio, onde moravam três de seus filhos. Pai de cinco filhos e avô de oito netos, Totoinho viu, para o seu desespero, a mulher, Dona Quitéria, ser vencida pelo câncer. Às vezes, o tempo e a convivência moldam as pessoas. Totoinho moldara-se à vida de casado, aos rigores da mulher, que comandava a família com pulso firme. Sentiu-se desamparado. As portas para novo casamento estavam abertas e pretendentes não faltavam. Todavia, Totoinho não se aqueceu para novo matrimônio. Andou macambúzio por uns tempos. Os filhos e as filhas pouca assistência lhe davam. Andou pelos cantos da casa. Mergulhou em depressão. Socorreu-lhe um médico amigo, morador no mesmo prédio, na Rua Barata Ribeiro, esquina com a Rua Paula Freitas, em Copacabana.
Eis que, numa tarde, na Confeitaria Colombo, na Rua Gonçalves Dias, centro do Rio, degustando os famosos acepipes ali servidos, que já encantaram Deus e o mundo, incluindo-se a rainha da Inglaterra, ele conheceu uma mulher encantadora, que lhe causou rebuliço no coração carente de aconchego. Coincidência: ela era de Aracaju. Conversaram. Trocaram amabilidades. Trocaram telefones. Jantaram na noite seguinte. Casaram-se três meses depois, na Igrejinha do Santo Antônio. E Totoinho retornou ao seu Sergipe, que ele jamais esqueceu, pois nordestino da gema não se esquece do seu pedaço de chão. Ele era apaixonado por praia. A orla da Atalaia lhe cativou. Os bares da Sarney, a água quente de nossas praias, tão diferentes das águas das praias do Rio, o forró eterno do Cariri, tudo isso aliviou a saudade do Rio. De vez em quando, ele e a nova esposa iam à cidade de suas duas paixões, além da família: o Flamengo e a Estação Primeira de Mangueira. Em baixa ou em alta, para ele o Flamengo e a Mangueira não tinham rivais. Ele sempre dizia, quando o Flamengo perdia um jogo: “O Flamengo não perde; apenas adia a vitória”. Fazer o quê? "Quero meu cabelo de vooolta"!!! - Foto: Divulgao
A nova esposa, Dona Francisca, que ele chamava Kika, era aposentada do serviço público, funcionária graduada que fora. Como ele, era viúva, porém sem filhos. A irmã dela, Dona Efigênia, também viúva, mas já pela terceira vez, os maridos, coitados, morreram todos de ataque cardíaco, era metida no espiritismo, embora só frequentasse casas não recomendadas pelos adeptos de Alan Kardec. Eram casas de pessoas que se diziam espíritas, mas que nada sabiam da doutrina kardecista, professando uma mistura de tudo, mas que resultava em nada. Assim era, por exemplo, Dona Anita Timbaúba, minha vizinha, católica de fachada e que levava a vida a tapear os incautos, dizendo-se espírita e “botando mesa”. Não era. Eu também não sou, ao contrário, sou católico, por convicção e não por convenção, mas respeito a todos de quaisquer crenças. Aos direitos dos outros se seguem os meus deveres.
Carnaval de 2013. Totoinho e Dona Kika foram ao Rio de Janeiro. Iriam à Sapucaí, para torcer pela Estação Primeira. No domingo, Totoinho amanheceu morto. Dona Kika quase morreu também ao vê-lo teso na cama, os olhos esbugalhados e uma expressão de horror no rosto. Na cabeça faltavam os cabelos implantados.
O causo eu conto como o causo me foi contado. Sem mais nem menos.
Publicado no Jornal da Cidade, edição de 26 e 27 de abril de 2015. Publicação neste site autorizada pelo autor.
(*) Advogado, professor da UFS, membro da ASL e do IHGSE
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