Aracaju (SE), 08 de março de 2025
POR: Shirley Vidal
Fonte: Shirley Vidal
Em: 11/02/2025 às 16:54
Pub.: 11 de fevereiro de 2025

Ativismo poético: o amor em tempos de cólera :: Por Shirley Vidal

Shirley Vidal*

Foto: Arquivo pessoal/Shirley Vidal

Gabriel Garcia Márquez publicou em 1985 a obra "O amor nos tempos do coléra", e como continua atual essa narrativa! Apesar das epidemias serem outras, os dilemas permanecem os de outrora.

Voltava ontem do casamento e testemunho do amor de Sara e Júnior, que se reencontraram ano passado (2024) e passaram a se escolher diariamente desde então. Em tempos pandêmicos, de deslealdade, de rupturas de valores morais e escassez de afetos saudáveis, é bom ver promessas e firmamentos públicos de crenças sobre o amor. Em tempos de cólera, soa até como ativismo.

Claro que em 85, data da publicação de Márquez, as mulheres toleravam além dos seus limites. Elas não tinham independência financeira e eram alvos de uma sociedade onde uma mulher divorciada era sinônimo de vulgaridade. Aliás, continua sendo. Nada de novo no fronte desde que um homem sugeriu apedrejar uma, teoricamente "prostituta", na era crística. Será que ela rompeu o status quo e se separou de algum "garanhão" há mais de dois mil anos?

Dia desses, durante essas reuniões sociais na qual preciso estar diante do meu ofício, diante de um aperto de mão, me vi em uma situação constrangedora. Um homem preto, de meia idade, disse que ao tocar minha mão percebeu que eu não pegava em vassoura. Fiquei estarrecida. 

- Será que ele se percebe como minoria nesse ambiente?, pensei! Porque antes da abolição dos escravos a sua etnia estava condenada a condições desumanas, como aos troncos onde eram chibatados. Eram comercializados, assim como as mulheres foram por séculos, trocadas por dotes.

Talvez porque antes de ser um negro bem-sucedido, seja homem hétero numa condição privilegiada, o que é exceção. Mas a fala me afetou. A resposta estava na ponta da língua, quem me conhece sabe. Didaticamente a transformei em um parágrafo dessa crônica:

- Eu tive a oportunidade de trocar a vassoura pelos livros diante das muitas privações que fiz ao longo da vida. Isso provavelmente justifica, assim como você, Senhor, estar nessa amistosa reunião de, olha só: 90% de cavalheiros brancos e em sua parcela significativa, herdeiros.

O exercício coerente do amor é nos enxergarmos com dignidade. Reconhecer da onde viemos e cada grau escalado pelos nossos antepassados, em especial nossas mães e avós. Se assegurar que dali onde estamos, não recuaremos. Nem eu, "mulher letrada", diriam avós de Aruanda, nem ele, homem preto estudado, mas com um machismo estruturado ecoando.

Em tempos adoecidos precisamos nos manter saudáveis e alertas. Até para estabelecermos relações sãs. O amor, dizia a adorável Anne Frank, "não é uma coisa que se peça a alguém". Imagino Anne, uma criança, escondida num porão por ser judia, sendo perseguida pelos nazistas, a escrever isso em seu diário. 

De fato, sublime Anne, o amor é sobretudo um enredo de respeito ao próximo "como a ti mesmo", ponderava o Mestre. Os gregos estabeleciam 3 referenciais para o amor. Eros: o amor da atração física, sexualidade e idealização ou paixão. Philia: baseado na confiança, amizade e desfrute da companhia. E o Ágape: ligado ao amor universal, à criação divina e às causas sociais.

Nobremente, Anne retratava sobre o Ágape diante do obscurantismo vivido. Os amores que permanecem, geralmente desenvolveram o Philia. E os que não passam, como diria vovó Celuta, de fogo de palha, só se usufruem instantaneamente como miojo, do Eros. Combinar esse blend requer esforço, dedicação, criatividade, empenho e claro, crença em quem está ao seu lado.

Tanto no livro como no filme de Márquez, os personagens envelhecem e a saúde será cada dia mais requisitada. Eu vi a barriga da noivinha Sara despontando e gerando Maria Rosa, fruto dessa união. Porque é isso que o amor proporciona: vida nova. 

Que você se ame a ponto de amar quem você é e da onde veio, para que nesse precioso espaço do seu coração calejado, só venha a ocupar quem honre essa trajetória. Que o amor nos transforme e supere, cada dia mais, as cóleras desse tempo.

*Shirley Vidal é escritora, jornalista, designer gráfico e atua como assessora de comunicação e imprensa na agência @vipconecta. Pós-graduada em Comunicação Organizacional (Unit/SE), MBA em Marketing Digital (ESPM/SP) e MBA em Psicologia Positiva (PUC/RS). Lançou em out/2021 o livro de crônicas 'Reflexões da Pandemia'. IG e LinkedIn: @shirley_vidal 


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