Consumo excessivo de gordura saturada pode afetar funcionamento do cérebro
Pesquisas nacionais mostram que dietas ricas em gordura saturada causam inflamações no cérebro e afetam memória, apetite e até o risco de doenças neurodegenerativas

O consumo em excesso de alimentos ricos em gorduras saturadas, principalmente os ultraprocessados, podem provocar ou agravar problemas de saúde relacionados ao funcionamento do cérebro. Este alerta de nutricionistas já vem sendo confirmado em várias pesquisas científicas no Brasil e no mundo, A mais recente delas, realizada por cientistas universidades de Campinas (Unicamp), de São Paulo (USP) e Federal de Santa Catarina (UFSC), constatou que a dieta hiperlipídica, rica em gorduras saturadas, provoca inflamações em áreas do cérebro e faz com que as células de defesa do organismo sejam atraídas para lá, na tentativa de reduzir a intensidade desta inflamação.
O estudo foi publicado em um artigo científico na revista especializada eLife e em uma reportagem da Agência Fapesp. De acordo com ele, as chamadas células imunes, baseadas em outras partes e órgãos do corpo, são acionadas para reforçar a atuação das micróglias, células que atuam no hipotálamo, área cerebral responsável pelo controle das funções vitais e dos sistemas nervoso e endócrino. Esta conclusão indica que o próprio sistema imunológico humano também acaba prejudicado pelo consumo excessivo de alimentos com gorduras saturadas.
Segundo a nutricionista Vitória Dantas Monteiro, professora do curso de Nutrição da Universidade Tiradentes (Unit), isso acontece porque a ingestão de alimentos e o estado nutricional produzem impactos para o andamento das funções cerebrais, como processos cognitivos, emoções, comportamento, funções neuroendócrinas e plasticidade sináptica. E que a estrutura da gordura saturada é semelhante à parede de alguns tipos de bactéria.
“O corpo reage, achando que está reagindo a uma bactéria, e gera uma inflamação que destrói toda a sinalização da saciedade. Diante disso, o consumo da gordura saturada pode causar inflamação no hipotálamo (região chave para regulação do peso e do apetite) e em outras regiões do cérebro, prejudicar a memória e a capacidade de aprendizado, e aumentar o risco de perda neuronal e doenças como Alzheimer. Isso ocorre porque as gorduras saturadas podem alterar a sinalização cerebral, afetar a regulação do peso e reduzir o fluxo sanguíneo para o cérebro (contribui para a formação de placas nas artérias (aterosclerose) e aumenta o risco de problemas cardiovasculares, como o AVC, que afetam o suprimento de sangue para o cérebro)”, detalha Vitória.
Ela acrescenta que essas interferências causadas pelas gorduras saturadas também ocorrem no comportamento e nas vontades de cada pessoa, que fica estimulada a comer determinados alimentos. “A gordura saturada é amplamente utilizada pela indústria de alimentos para conferir características como crocância, maciez e palatabilidade aos alimentos, tornando esses alimentos muito desejados pelo indivíduo que não tem um estilo de vida saudável. Outro fator que explica esse impacto é o fato de que o consumo excessivo de gordura saturada e a perda neuronal interrompem as vias de sinalização da saciedade, impactando diretamente nos sinais de fome e saciedade do indivíduo, levando ao possível desenvolvimento da obesidade”, detalha a professora.
Onde estão?
As gorduras saturadas podem ser encontradas em alimentos como carnes gordas (picanha, costela, cupim, bacon), pele de frango e de outras aves, leite integral e derivados (queijo amarelo, requeijão, manteiga, creme de leite), embutidos (linguiça, salame, presunto, salsicha, mortadela), banha de porco, óleo de coco e coco in natura, azeite de dendê (óleo de palma) e manteiga de cacau (presente no chocolate).
Elas também estão nos alimentos ultraprocessados, como biscoitos, sorvetes, balas e guloseimas, misturas para bolo, barras de cereal, sopas e macarrões instantâneos’, molhos e salgadinhos “de pacote”, e produtos congelados e prontos para aquecimento como pratos de massas, pizzas, hambúrgueres e extratos de carne de frango ou peixe empanados do tipo nuggets, salsichas e outros embutidos. Além da gordura saturada, eles costumam trazer gordura trans, açúcares refinados, sódio elevado e aditivos químicos.
O que comer?
Vitória Monteiro frisa que nem todos os tipos de gorduras são iguais. A começar pelas próprias gorduras saturadas, também chamadas de “gorduras boas”, que podem ser consumidas com moderação e controle. O nível recomendado de consumo para as gorduras totais é entre 20 e 35% do valor energético total da dieta (VET). Para as saturadas, esse valor cai para menos de 10% e, no caso de pessoas com risco cardiovascular, recomenda-se menos de 7%. Já as gorduras trans devem ser evitadas ao máximo (0%), pois não há nível de consumo considerado seguro.
Por outro lado, existem as gorduras insaturadas (mono e polinsaturadas), consideradas benéficas para o coração e para o controle da inflamação. “As gorduras insaturadas atuam de forma positiva nos processos antiinflamatórios, cognitivos, etc, e devem compor a maior parte das gorduras totais. O equilíbrio e a qualidade da fonte da gordura fazem toda a diferença na saúde. Diante disso, não precisamos cortar totalmente as gorduras, mas sim equilibrar o tipo e a quantidade consumida. Até porque as gorduras são mais calóricas (mesmo as que são benéficas), pois 1 grama de gordura tem 9 calorias. É fundamental equilibrar a nossa alimentação, afinal nós somos o que comemos”, afirma a professora.
Os alimentos ricos em “gorduras boas” são azeite de oliva, abacate, oleaginosas (castanhas, nozes, amêndoas), sementes (linhaça, chia, gergelim), e peixes gordurosos (salmão, sardinha, cavala). No caso da saturada, dentro dos níveis recomendados, isso pode incluir carnes magras, queijos brancos, leite e iogurte desnatados, sem precisar excluir totalmente alimentos de origem animal. “Dar preferência ao preparo caseiro, ou seja, grelhar ou cozinhar em vez de fritar, usar azeite ou óleo de canola em vez de manteiga ou banha, incluir oleaginosas e sementes em saladas, frutas ou iogurte. Não precisa excluir queijo, ovos ou carnes - basta equilibrar a frequência e porções”, orienta Vitória.