Desafios na substituição das gorduras trans: alternativas e reflexões
Nutricionista esclarece as implicações da proibição das gorduras trans no Brasil e aponta alternativas de substituição.
Andreza Melo de Araújo , nutricionista e professora da Universidade Tiradentes (Unit) - Foto: Arquivo Pessoal
A eliminação das gorduras trans do cenário alimentício brasileiro desde o início deste ano tem colocado a indústria de alimentos diante de um desafio significativo: encontrar substitutos saudáveis e confiáveis para esse componente largamente empregado em produtos ultraprocessados. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o consumo excessivo de gorduras trans está diretamente associado a um maior risco de desenvolver doenças cardíacas e outros problemas de saúde.
A nutricionista e professora da Universidade Tiradentes (Unit), Andreza Melo de Araújo, traz esclarecimentos cruciais sobre as alternativas e as preocupações que cercam essa transformação na indústria alimentícia. Entre as possíveis substituições das gorduras trans, o óleo de palma se destaca como um candidato de destaque.
"Devido à sua consistência semissólida e facilidade de incorporação em produtos de panificação, esse óleo vegetal tem sido amplamente considerado pela indústria alimentícia. No entanto, é importante notar que o óleo de palma também possui um teor elevado de ácidos graxos saturados, o que gera apreensões em relação a doenças cardiovasculares", destaca Andreza.
Técnicas e soluções na indústria alimentícia
Além do óleo de palma, novas técnicas têm sido discutidas como alternativas para a substituição das gorduras trans. A interesterificação, por exemplo, é um processo que redistribui as cadeias triacilgliceróis sem alterar os ácidos graxos, resultando em baixos teores de isômeros trans. "Esta técnica se mostra promissora, pois não afeta o grau de saturação que contribui para a formação da gordura trans", explica a especialista.
Outro método em consideração é o fracionamento de óleos e gorduras, que visa separar o óleo vegetal e a gordura em frações, uma mais sólida e outra mais líquida. “Geralmente, este método, chamado de 'fracionamento térmico', é econômico e de fácil execução. Já os oleogeis são agentes com propriedades físicas semissólidas obtidas a partir de óleos líquidos (como soja, girassol, canola, entre outros) encapsulados em agentes estruturantes isentos de gorduras saturadas e trans”, revela.
Enquanto a gordura de palma apresenta um alto teor de ácido graxos saturados, o que levanta preocupações sobre doenças cardiovasculares, a interesterificação, embora não altere o grau de saturação, modifica os processos de digestão, absorção e metabolização da molécula, gerando novas combinações de triacilgliceróis. "Portanto, embora as novas tecnologias não gerem gorduras saturadas, é fundamental realizar mais pesquisas para garantir que outros componentes não prejudiquem a saúde do consumidor", alerta Andreza.
Além dessas alternativas, existem substitutos baseados em carboidratos e proteínas que, em determinadas situações, podem ser empregados. "Quanto aos carboidratos, podemos mencionar os 'fat mimetics', como a dextrina, gomas celuloses, fibras, células, pectinas e amidos modificados", detalha.
A grande vantagem é sua eficácia e segurança, especialmente em relação aos efeitos toxicológicos certificados pela FDA (Food and Drug Administration), sendo especialmente estáveis em processos de panificação. No entanto, não podem ser usados em frituras devido ao alto teor de água em sua composição.
"Já os substitutos de gorduras baseados em proteínas podem ser usados em formulações de sobremesas, iogurtes, queijos, sorvetes, maioneses, margarinas e molhos, no entanto, possuem várias limitações, principalmente por não poderem ser utilizados em produtos de panificação e frituras pelas altas temperaturas alcançadas nesses processos que provocam coagulação e desnaturação das proteínas", ressalta.
Sustentabilidade na escolha
Andreza destaca a importância de considerar não apenas os aspectos nutricionais, mas também os impactos sociais e ambientais na escolha das substituições das gorduras trans. "Buscar alternativas que não se restrinjam apenas à palma pode contribuir para promover o uso sustentável dos recursos naturais", enfatiza a especialista.
O Guia Alimentar para a População Brasileira enfatiza a necessidade de um sistema alimentar social e ambientalmente sustentável. Em relação ao impacto ambiental, vários fatores devem ser ponderados, como técnicas de conservação do solo, uso de fertilizantes orgânicos ou sintéticos, entre outros.
Quanto à segurança das substituições propostas, como as gorduras interesterificadas, Andreza destaca que existem vários estudos que avaliam e explicam técnicas que podem ser utilizadas na substituição à gordura trans na indústria. No entanto, em relação às implicações para a saúde e metabolismo humano, ainda não são bem conhecidos e descritos. "Por isso são necessários mais estudos para garantir a segurança e evitar riscos à população", afirma a especialista.
De maneira geral, a orientação é que as pessoas tenham preferências por alimentos in natura ou minimamente processados como base da alimentação, em detrimento dos processados e ultraprocessados, para contribuir para o cumprimento do direito humano à alimentação adequada e saudável para todos.