Estudantes criam absorventes com fibras da cana-de-açúcar em Umbaúba
Ação de de iniciação cientifica foi motivada por redação sobre pobreza menstrual.
Estudantes criam absorventes com fibras da cana-de-açúcar em Umbaúba - Foto: Fapitec Sergipe
Bolsista DTI-3/FAPITEC/SE/FUNTEC/Edital Nº1/2022/ Projeto Boletim Fapitec Ciência/ Programa de Comunicação Científica e Tecnológica (PROCIT)
No Colégio Estadual Dr. Antônio Garcia Filho, em Umbaúba, educandas de iniciação científica colocam em prática o projeto Dignidade Menstrual Sustentável, com a produção de absorventes femininos á base de fibras da cana-de-açúcar com matéria-prima da agricultura local.
O projeto, contemplado pelo Edital Nº2/2022/ Fapitec/Seduc, foi idealizado pelos professores Darcylaine Vieira Martins, Rosana Santos Cardoso e José Edson Roberto de Souza.
A professora de química Darcylaine Vieira conta que a turma de iniciação científica existe desde 2016 e sempre são desenvolvidos projetos respeitando a realidade dos alunos para atender a alguma problemática da comunidade que os estudantes tentam resolver.
Ela lembra ainda que para participar dos projetos, é realizada a seleção dos alunos com uma entrevista inicial para definir uma temática a ser desenvolvida durante o ano letivo.
“No inicio deste ano, a professora Rosana Santos Cardoso, de redação, levou o tema sobre pobreza menstrual e por coincidencia a turma de iniciação científica era composta apenas por meninas que sugeriram a criação de um projeto com esta temática. Pesquisamos junto as turmas do 9º ano do ensino médio para sabermos se o assunto escolhido era um problema em comum na escola e a partir dos resultados começamos a ver as possibilidades de resolver este problema”, relata Darcylaine.
Resultado
A pesquisa revelou que grande das estudantes entrevistadas passava mais de quatro horas com o mesmo absorvente por questões econômicas, quando o recomendado pelos gnecologistas e dermatologistas é que a troca do produto seja de quatro em quatro horas. “Outro dado alarmente é que alunas relataram que passavam até 8 horas com o mesmo absorvente e que sempre no primeiro dia da menstrução não tinham acesso ao produto o que fazia com que muitas vezes deixassem de ir para a escola ou para outro evento. Este fato sinalizou par a existência do pobreza menstrual”, destaca Darcylaine Vieira.
Para a estudante e uma das bolsistas do projeto, Jamilly Alves dos Santos, partcipar da iniciativa é importante para o processo de aprendizagem. “Através desse projeto mostramos as pessoas o quanto a ciência é importante para a sociedade e quão é importante projetos de iniciação científica para jovens. Além disso, o projeto é importante paramostrar o quanto é importante sabermos sobre o nosso próprio corpo, pois muitas meninas tinham vergonha da sua própria menstruação, algo que é natural e não deveria ser tratado como um tabu”, enfatiza.
Pobreza Menstrual
A professora de redação, Rosana Santos Cardoso, enfatiza que o tema da pobreza menstrual vem ganhando atualmente visibilidade pelo fato de que é algo que muitas meninas enfrentam, mas que não aparecia nas discussões. “Não se falavra sobre esta necessidade. Então considerei relevante levar esta discussão para a sala de aula, considerando ser uma escola pública, e o fato de ser uma temática social importante para discutirmos, debatermos e identificarmos as situações de meninas que possam ter faltado à escola por conta do ciclo menstrual”, explica.
Ela também chama a atenção que a menstruação é um fenômeno fisiológico cíclico do corpo feminino e acontece durante toda a idade reprodutiva da mulher. Mesmo sendo algo natural, a menstruação ainda é um fenômeno biológico estigmatizado e mistificado, causando embaraços na discussão do tema.
Outra questão ressaltada pela professora é o fato de mesmo assim, mulheres e meninas precisam ter informações e acesso à escolha de materiais menstruais que sejam seguros, confortáveis e ecológicos. Assim, o objetivo desse projeto foi a produção sustentável de absorventes femininos com matéria-prima disponível na agricultura do município, utilizando a fibra da cana-de-açúcar e a propriedade impermeabilizante da goma do polvilho da mandioca, e sendo acessível para comunidade escolar.
Metodologia
Para a confecção do absorvente sustentável, foram listadas diferentes fibras vegetais disponíveis no município para identificar a ideal para o produto. Após pesquisas, a fibra da cana-de-açúcar foi a escolhida para a parte interna do absorvente, pois possui eficaz potencial de absorção, além de ter grande disponibilidade e ser de fácil acesso no município que possui um canavial ao lado do Alambique Santa Vitória, localizado na estrada do Povoado Vitória, em Umbaúba.
A parte da cana utilizada é a fibra do bagaço, resíduo do alambique, como resultado da moagem para retirada do caldo. Foram feitos testes com o bagaço triturado no multiprocessador até atingir tamanho variando de 1 a 3 cm de comprimento, e com as fibras inteiras cortadas no tamanho de 14 a 16 cm.
Em seguida, o bagaço foi lavado em água corrente, retirada a casca da cana manualmente, fervido a 100°C com água filtrada para retirada de resíduo da sacarose, o pH constante e igual a 6 verificado antes e depois da água ferver, e seco em uma estufa por 24 horas a 60°C.
Em seguida, foram realizados testes com substâncias impermeabilizantes para substituir a camada plástica de polietileno que evita o vazamento nos absorventes comercializados. Como culturalmente no município se utiliza uma espécie de goma (tipo de mingau não comestível) para armar e impermeabilizar as vestimentas das quadrilhas juninas, foi produzida a mesma goma para substituir o plástico. A goma é feita com meio litro de água, 100 g de polvilho de tapioca, leva ao fogo até se transformar em um mingau transparente. Tira do fogo, espera ficar a temperatura ambiente e adiciona-se 50 mL de vinagre transparente. Com o auxílio de um pincel, a goma foi colocada uma camada espessa da goma sobre o tecido para impermeabilizar e evitar o vazamento, colocado para secar por 24 horas.
Passo a passo do processo
Foram produzidos dois tipos de absorventes para os testes – com as fibras do bagaço da cana desfiadas e inteiras para a camada absorvente. A montagem dos absorventes seguiu a seguinte sequência de testes:
- Teste de Capacidade de absorção de água (Inchaço) - As amostras foram pesadas e imersas em água onde permaneceram por 1 min. Em seguida, foram colocadas sobre papel filtro, para retirada do excesso de água, pesadas novamente e calculado o volume pela diferença de peso. Um ciclo menstrual tem em média 28 dias, e começa com a menstruação, que dura de 3 a 8 dias. A perda sanguínea por ciclo é de, em geral, 30 a 80 mL (VARELLA, 2022). Sendo o fluxo menstrual, aproximadamente, de 10 mL/dia, as duas amostras têm absorção satisfatória para a produção de absorventes femininos.
- Teste de Impermeabilidade - O teste de impermeabilidade do absorvente foi realizado gotejando 20 mL de água que é um volume maior que o fluxo menstrual normal, não havendo vazamento pela parte inferior do absorvente, que é a parte impermeabilizada com a goma de tapioca.
- Teste de Biodegradabilidade - As amostras de absorventes foram enterradas no solo por 30 dias e expostos aos microrganismos presentes nele. A cada 2 dias, foram adicionados 20 mL de água para manter a umidade. Os resultados de biodegradabilidade foram promissores, com média de 48% de massa restante do material inicial, principalmente quando comparado aos plásticos convencionais usados em absorventes higiênicos comercializados, que levam de 100 a 500 anos para se decompor.
Através deste processo, foi possível obter, por meio de fibras vegetais da região, material absorvente em substituição ao algodão convencional. Também, utilizando o polvilho de mandioca, produzido nas casas de farinha do município, foi obtida a goma impermeabilizante em substituição à camada plástica. O invólucro que envolve as duas camadas mencionadas acima foi feito de tecido de bambu usado para melhor aceitação das usuárias, ficando semelhante aos absorventes comercializados.