Sergipe faz história e realiza primeiro parto em gestante com morte encefálica
Com acompanhamento específico, equipe do Huse manteve todos os cuidados para manutenção da vida da criança e preservação dos órgãos para doação
No Brasil, existem relatos de apenas cinco casos na literatura científica - Foto: Flávia Pacheco/ Governo de Sergipe
A dedicação e a competência técnica da equipe do Hospital de Urgências de Sergipe Governador João Alves Filho (Huse) garantiram um feito inédito e histórico para a saúde sergipana: salvar a vida do bebê de uma gestante com morte encefálica. O caso é considerado raro no mundo. No Brasil, existem relatos de apenas cinco casos na literatura científica.
O caso teve início quando a jovem K.L.D.S, 20 anos, grávida de aproximadamente 22 semanas, deu entrada no Huse no dia 17 de abril, com uma grave lesão no crânio provocada por arma de fogo.
Mesmo com todo o trabalho da equipe multidisciplinar e acompanhamento intensivo para salvar a vida da jovem, foi fechado o protocolo de morte encefálica da paciente em menos de uma semana após a internação. Depois da constatação, a equipe do hospital iniciou outro processo desafiador para garantir a continuidade da gestação e salvar a vida do bebê.
“Ao percebermos a gestação, verificamos a viabilidade fetal e fizemos um esforço conjunto de toda a equipe para que, além da manutenção dos sinais vitais da mãe, pudéssemos manter a gestação até o momento em que fosse viável realizar o parto. A paciente chegou aqui com 22 semanas e saiu praticamente com 26, faltando apenas um dia”, explicou o coordenador do eixo crítico da unidade, o médico José Edvaldo.
Segundo o profissional, existem poucos casos no mundo em que um corpo com morte encefálica conseguiu levar uma gestação até o período que permitisse a viabilidade fetal. “Esse foi o grande desafio da gente. A mãe já com o cérebro com sinais de morte encefálica comprovada por todos os exames previstos, mas garantimos a viabilidade fetal. Isso mostra a qualidade da assistência que foi dada no hospital porque, além da viabilidade fetal, garantimos que ela não tivesse nenhuma disfunção orgânica”, acrescentou.
Parto
Com parto previsto para a quinta-feira, 9, a paciente apresentou alterações nos exames de ultrassonografia e a equipe médica do Huse decidiu antecipar o procedimento para quarta-feira, 8, após a realização de protocolos específicos para garantir a segurança da mãe e do feto.
Com o apoio do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu 192 Sergipe), a paciente foi transferida para a Maternidade Nossa Senhora de Lourdes (MNSL), considerada referência em partos de alto risco. A criança nasceu prematura de 26 semanas, de parto cesárea e pesando 580 gramas. Apesar da prematuridade, não houve nenhuma disfunção.
“Todo nascimento é uma emoção, uma renovação de vida. A bebê nasceu bem, está estável e foi encaminhada para a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. A criança foi amparada por toda equipe da maternidade e esperamos que continue saudável”, enfatizou a pediatra e neonatologista da MNSL, Flávia Batista.
Dedicação
O médico intensivista do Huse, João Manoel, acompanhou todo processo desde a chegada da gestante na unidade até a saída, realizando exames e monitorando a situação. “Assim que a paciente chegou, ficamos em um dilema de como proceder da melhor maneira. Mas, baseado na ciência, conseguimos oferecer o melhor tratamento possível”, comentou.
De acordo com o secretário de Estado da Saúde, Walter Pinheiro, o sucesso no nascimento da criança foi possível graças à eficiência de toda a Rede Estadual de Saúde. “Foi um esforço conjunto que envolveu a estrutura do Huse, o Samu 192 Sergipe, a Organização de Procura de Órgãos e a equipe da maternidade para que, nesse momento, a gente pudesse presenciar um parto de sucesso aqui na maternidade”, destacou o secretário.
Doação de órgãos
O caso assistido pelo Huse é ainda mais raro porque, além de ser uma paciente com quadro de morte encefálica fechado, foi possível a preservação de órgãos graças ao trabalho desenvolvido pela equipe médica, permitindo a captação de órgãos com destinação prevista para os estados de Pernambuco e Ceará.
“Disponibilizamos os órgãos para a Central Nacional de Transplantes e foi aceito o fígado para Pernambuco. Então, a Força Aérea Brasileira disponibilizou uma aeronave para levar esse fígado para Recife. Já os rins, após a elaboração da logística, será possível a destinação do rim esquerdo para o Ceará e o direito também para Pernambuco. As córneas serão transplantadas aqui mesmo em Aracaju”, informou o coordenador da Central de Transplante de Órgãos de Sergipe, Benito Fernandez.