Namorados: como está sua saúde relacional? :: Por Shirley Vidal
Shirley Vidal*
� preciso ter consciência da importância dos relacionamentos - Foto: Flickr
Com a proximidade do Dia dos Namorados, 12 de junho, a qualidade (e a quantidade) de relações afetivas e como estas influenciam na saúde mental dos indivíduos, é posta em xeque. A Organização Mundial da Saúde definiu saúde não apenas como a ausência de doenças, mas como um estado que integra o bem-estar físico, mental e, inclusive, o social.
Para Ângela Maria Santana de Melo, Psicóloga e Psicoterapeuta, com vasta experiência em atendimento clínico a adultos, casais e famílias, como humanos, nós crescemos e nos desenvolvemos a partir das relações. “O tema relacionamento sempre foi um assunto repleto de complexidade e questionamentos. É preciso ter consciência da importância dos relacionamentos, especialmente como garantir que este seja saudável, leve e feliz”, alerta Ângela.
A psicóloga lembra que nenhum relacionamento vem pronto, que demanda construção diária, com trabalho e esforço por parte dos envolvidos. Muitos buscam por uma receita que não se encontra nas prateleiras, tampouco em manuais de instrução.
“Não existe uma fórmula ou até mesmo um passo a passo para se ter ou viver um relacionamento amoroso saudável”, confirma a profissional. Contudo, há fortes indícios sobre a disponibilidade das pessoas, o querer. “Sim, os dispostos se atraem, sendo que a disposição bilateral é o início para que toda relação dê certo”, comenta Ângela.
Vivendo uma relação afetiva ou não, a psicoterapeuta que desenvolve Terapia Sistêmica em seu consultório, diz que é preciso estar aberto para enxergar o outro da maneira como ele/ela é. Ao entrar em um relacionamento, as pessoas criam altas expectativas acerca do par. “A relação nem sempre é como nós gostaríamos que fosse, mas como é possível ser. Na medida que vamos tendo consciência disso, conseguimos diminuir as frustrações, as insatisfações e as críticas negativas dentro de uma relação”, orienta a especialista dando aquele toque de realidade para o conto de fadas que porventura alguém gostaria de viver.
Aposte em comunicação, empatia e menos julgamento
Já reparou que o símbolo do amor é um coração? Este órgão é um centro de processamento de informações complexo que troca o tempo todo informações com o cérebro. Segundo pesquisas do HeartMath Institute, as conexões neurais que transmitem informações dos centros emocionais para os cognitivos no cérebro são mais fortes e mais numerosas.
Ou seja, se o coração é a porta de entrada para desenvolver emoções positivas (ou não), é preciso cuidar com muito apreço da saúde das relações. Nas obras do premiado cientista chileno, Humberto Maturana, ele classifica as emoções como dinâmicas que ocorrem na relação e que têm impacto direto em como vamos nos comportar. Consequentemente, a qualidade das relações influencia diretamente no comportamento inteligente. E como as relações têm impulsionado ou deteriorado a capacidade inteligente? Na teoria de Maturana, “toda inteligência é emocional. E toda emoção é relacional.”
Para isso, Ângela defende a empatia como pilar essencial nos relacionamentos. “A empatia te faz olhar o outro com olhar de compreensão e não de julgamento. O diálogo é de suma importância para um relacionamento saudável e sua ausência contribui para o aumento de conflitos e desconfiança, causando mágoas que podem destruir qualquer relação”, instrui a psicóloga.
Em tempos de ‘ghosting’, que é o termo dado quando uma pessoa some e ignora as tentativas de contato ou comunicação feitas pelo parceiro(a), o desafio relacional é ainda maior no tocante ao entendimento de si mesmo(a) e do próprio valor.
“Saber se comunicar é importante. Em uma relação amorosa o casal precisa saber expressar seus sentimentos para que desenvolvam a confiança, fortaleçam seus laços e aumente a intimidade. Por mais desconfortáveis que algumas conversas possam ser, falar aberta e sinceramente sempre é a melhor opção”, aponta Ângela.
A extinção das ‘Amélias’
Na antiga canção de Mário Lago, “Amélia, a que não tinha a menor vaidade e era mulher de verdade”, fazia o tipo de mulher que era adestrada aos ofícios do lar. Com a ascensão feminina no mercado de trabalho, a liberdade de escolha é uma realidade e, em contrapartida, aumentaram-se as queixas no ‘Procon do Amor’.
Segundo a Professora Dra. Valeska Zanello, do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília, em culturas sexistas, como a do Brasil, ainda estamos longe de desconstruir os processos de subjetivação. E ela traz uma série de questionamentos repercutidos em temas de aulas, palestras e livros.
“Por que as mulheres têm receios de não se sentirem amadas, de não receberem tanto afeto quanto gostariam ou sentem cobranças por simplesmente estarem sozinhas? Por que quando não têm alguém, se sentem encalhadas? Por que as que são mães carregam tanta culpa? E as que não são, por que se sentem na obrigação de estarem disponíveis a cuidar dos demais?”, elenca a Professora.
E, quanto aos homens? “Diferentemente das mulheres, as preocupações masculinas são com o seu desempenho no trabalho e na vida sexual. Por que certas experiências, como o desemprego, a aposentadoria ou a impotência, são tão ameaçadoras para eles enquanto homens?", questiona a Dra. Valeska em sua experiência de 20 anos de clínica psicoterápica.
Diante da ‘guerra dos sexos’, Ângela defende que a igualdade de gênero vem garantindo novas oportunidades de crescimento e de pertencimento. “Apesar dos progressos, os desafios persistem, incluindo disparidades salariais e violência de gênero. Com o protagonismo feminino, a mulher conseguiu liberdade. Ela atingiu ser e fazer o que quiser sem precisar se submeter a imposições ou obrigações, como por exemplo controlar sua maternidade, optando por ser mãe quando acredita ser o momento certo ou, simplesmente, não querendo ser”, comenta.
“O casamento e a maternidade não são mais a única saída para a felicidade. As transformações vivenciadas pelo feminino demandam não a disputa entre sexos, mas a adaptação de todas as possibilidades de configuração familiar, social e laboral”, equaliza Ângela.
“Que não seja imortal, posto que é chama”
Foi o poetinha, Vinícius de Moraes, que escreveu o veredicto no Soneto de Fidelidade: “que não seja imortal, posto que é chama. Mas que seja infinito enquanto dure”.
E como fica a narrativa do ‘e foram felizes para sempre’ aos finais dos romances, dos filmes e dos contos? Não somente a produção cultural, mas também os dogmas religiosos põem a fidelidade além do túmulo, além da experiência material. Com quais garantias? O fim é fatídico, seja para uma relação curta ou longa.
O luto pós-término de relacionamento pode se apresentar de diversas formas, contextualiza Ângela. “Apesar de doloroso, é um processo natural e necessário. Embora os términos sejam difíceis, é possível passar por essa fase de forma menos traumática. É preciso sentir esta dor sem se preocupar em recuperar-se imediatamente (as feridas levam tempo para cicatrizar). Mas é neste momento que é ainda mais importante cuidar de si mesmo!”, fala de forma pragmática, a psicóloga.
E como encarar a ‘sofrência’? “Aceitar que terminou é o primeiro passo. Nesta hora, é importante se acolher, respeitar seu tempo e buscar colo em sua rede de apoio. É difícil se reconstruir na solidão e vale a pena contar com o apoio de amigos e familiares, que vão acolher e ajudar sem julgamentos. Isso faz com que o término não tenha um peso tão grande e que a pessoa enfrente esse período de luto com menos sofrimento”, incentiva Ângela.
Muitos tendem ao processo de fuga: bebidas alcoólicas, noitadas em festas e sexo sem compromisso está no combo do excesso que esconde uma falta. Nesta hora, ter a ajuda de um psicólogo é de grande valia. “O profissional ajuda a pessoa a lidar com os sentimentos dolorosos do fim do relacionamento e auxilia no entendimento dos motivadores do término da relação e o que se pode fazer com eles (uma vez que um novo relacionamento terá início em algum momento da vida). Minimizar ou interromper o contato com o ex-parceiro (a) é fundamental para criar distância emocional e permitir espaço para cura”, instrui a psicoterapeuta.
Ângela afirma que o contato contínuo pode prolongar o apego, tornando mais difícil seguir em frente e encontrar um encerramento para a história.
O respeito como princípio, meio e fim
E na seara das emoções saudáveis, sempre ele aparece: o respeito. “Para ter uma relação bem-sucedida é preciso respeitar o espaço do (a) parceiro (a), seu tempo, suas ideias e escolhas de vida. Sem respeito, não há amor pleno e saudável. A saúde de um relacionamento depende muito do quanto um casal confia um no outro”, atesta e carimba Ângela.
A autoconfiança também é um ingrediente fundamental. “Tão importante quanto confiar no outro é também confiar em si mesmo, mostrar-se seguro com o relacionamento que tem, provando através de atitudes que não há incertezas e dúvidas a respeito do que o casal construiu junto”, elucida a psicoterapeuta.
O romance também é fundamental para o amor perdurar, permanecer. É preciso não deixar de fazer as programações de casal. “Os casados ou os namorados de longo tempo caem na rotina e esquecem de fazer programas que antes gostavam e promoviam uma maior aproximação. É muito importante fazer um passeio só os dois, de mãos dadas e em clima de romance. Pequenos gestos de carinho e surpresas inesperadas são essenciaispara manter o romance vivo. Passar tempo com o (a) parceiro (a) é importante, mas não se pode subestimar também o tempo que se passa longe um do outro”, alerta a especialista.
Distância saudável
Na Psicologia o distanciamento saudável é um recurso inestimável para evitar dependência no relacionamento. “O ideal é que cada pessoa tenha autonomia para levar a própria vida e que ambos saibam que a felicidade de cada um não pode ser atrelada à da outra pessoa. Ter a liberdade de dizer o que gosta, do jeito que gosta e com a frequência que deseja é um grande passo para um relacionamento saudável”, mais uma vez a comunicação é enfatizada por Ângela.
E se o ‘amor é prosa, será que o sexo é realmente poesia?’, conforme cantava a saudosa Rita Lee? A psicóloga Ângela finaliza: “conversar sobre sexo e praticá-lo é imprescindível em um relacionamento.” No consultório de Ângela Melo, no Centro Médico Luís Cunha, além das sessões de psicoterapia, a especialista realiza Coaching de Vida e de Relacionamentos, Constelação Familiar e Estrutural. Pelo instagram @angelamsmelo68 a profissional estabelece uma comunicação com pacientes e parceiros.
*Shirley Vidal é escritora, jornalista, designer gráfico e atua como assessora de comunicação e imprensa na agência @vipconecta. Pós-graduada em Comunicação Organizacional (Unit/SE), MBA em Marketing Digital (ESPM/SP) e MBA em Psicologia Positiva (PUC/RS). Lançou em out/2021 o livro de crônicas 'Reflexões da Pandemia'. IG e LinkedIn: @shirley_vidal