JOGANDO NO “BICHO” :: Por José Lima Santana
José Lima Santana(*) jlsantana@bol.com.br
Jos Lima Santana - Arquivo Pessoal
Mas, Tavinho de Tavão arranjava um jeito de driblar a má fase. Se não era mais admitido nas rodas mais gordas, por assim dizer, da jogatina, arrastava-se pelas furnas dos subúrbios. Decadência total. Na bodega de Mané “Labisone”, no sítio de Tonho Barrufo, onde quer que houvesse a oportunidade de dar um golpe baixo, ali estava o jogador mais afamado e mais mal falado da cidade. Uma casa de jogatina e cachaçada das mais baixas era a de Margarida de Zé Biriba, antiga mulher-dama, que a polícia foi obrigada a fechar por causa de duas mortes que ali ocorreram, exatamente em razão da jogatina. Ali perderam a vida um filho de Amâncio das Timbiras, um rapaz de apenas vinte anos de idade, e Marcolino Perna de Pau, deficiente que perdera a perna esquerda após ter o pé afetado por uma espinha de cobra. O pé inchou que parecia um toco de baraúna. Avermelhou a perna toda. Arroxeou. Não teve jeito. Foi amputada. Daí o apelido de Perna de Pau, porque ele passou a usar uma. Coitado. Morreu de medo, ante o revólver de um sujeito da Cabeça de Onça, para si apontado. O coração pifou. Caiu teso. Deixou mulher e cinco filhos. E uma pensão do INSS de um salário mínimo. Ele era aposentado como fiscal da Prefeitura.
Voltando a Tavinho de Tavão, que hoje eu não estou para enrolar os leitores, o seu pai, Tavão, ou seja, Otávio Tavares Cascudo Leitão, era um sujeito honrado e muito querido por todos na cidade e redondezas. Pequeno comerciante, proprietário de uma bodega de tudo sortida e com uma clientela de dar gosto. A mãe, dona Caçulinha, era um mimo de pessoa, devota de São Luiz Gonzaga, doceira de mão cheia, procurou, ao lado do marido, educar os filhos da maneira melhor possível. Os demais sempre se portaram dentro dos conformes. Mas, quanto a Tavinho, o Otávio Filho, não se sabia qual a razão de ter se desviado do rumo dos demais irmãos, em número de oito. Ovelha desgarrada.
Numa tarde de quinta-feira, baixou na cidade um senhor de cabelos brancos, aparentando uns setenta e tantos anos, com uma matula nas costas. Desceu da marinete de Pedro e dirigiu-se à pensão de Carmosita, logo ali em frente ao ponto da marinete, na Praça do Comércio. O velhinho, que, mais tarde, saber-se-ia chamar-se Apolônio, instalaria um jogo do bicho na manhã seguinte, no salão anexo à pensão. Era um jogo do bicho diferente, no qual as pessoas faziam a “fezinha” e ele puxava de uma espécie de tabuleta os nomes dos bichos, que eram os mesmos do jogo do bicho nascido no Rio de Janeiro, para fins meritórios, mas, que, com o passar do tempo, empestou-se pelo país inteiro, sob o comando dos chefões da jogatina, às vezes envolvidos com coisas muito mais pesadas. “Seu” Apolônio parecia estar ganhando um bom dinheirinho com o seu “brinquedo”. As pessoas apostavam uns trocados e poucos ganhavam alguma coisa. Uma vez ou outra, alguém acertava no bicho puxado da tabuleta. Quem apostava um cruzeiro (Cr$ 1,00), ganhava dez vezes mais se acertasse na dezena, cem vezes mais, se acertasse na centena, e mil vezes mais, se acertasse no milhar. Ao que parecia, ninguém jamais acertara na centena ou no milhar. “Seu” Apolônio sabia o que fazia.
Ao tomar conhecimento daquela versão do jogo do bicho, Tavinho de Tavão dirigiu-se ao salão anexo à pensão de Carmosita. Ficou por ali, observando, observando... Quando achou que já dava para aplicar um golpe no velhinho, entrou no jogo. Apostou Cr$ 10,00 no macaco. Isso foi em 1962. Perderia Cr$ 10. Ganharia Cr$ 100. Ganharia Cr$ 1.000. Ou ganharia Cr$ 10.000. A sorte poderia lhe sorrir. Ele estava tão precisado, devendo a Deus e ao mundo. Quando “seu” Apolônio começou a puxar o nome do bicho no pedaço de cartolina encartado na tabuleta, na qual estavam pintados os bichos, eis que apareceu a ponta da perninha do “A”. Ora, seria águia ou avestruz. Olho astuto, verdadeiro olho de águia, que de longe avistava a presa, e com a barriga de avestruz que de tudo era capaz de engolir para se dar bem numa jogatina qualquer que fosse, Tavinho de Tavão pediu para parar e perguntou ao velhinho; “Posso fazer outra aposta?”. “Seu” Apolônio respondeu: “Pode!”. Então, ele apostou Cr$ 20,00 na águia e Cr$ 20,00 no avestruz. Perderia Cr$ 30,00, os 10 jogados no macaco e os 20 jogados noutro bicho, águia ou avestruz, mas ganharia, no mínimo, Cr$ 200,00 no terceiro bicho, acertando na dezena. Da centena para cima, ele nem fazia fé. “Duzentão” já estaria de bom tamanho para quem estava na pindaíba. O que ele ganharia já daria para pagar uma dívida que tinha com Zé Soldado, um policial da mão pesada, que fiara Cr$ 150,00 a Tavinho, na bodega de Mané “Labisone”, já fazia duas semanas, e andava atrás do devedor, como gato caçando rato.
Feitas as duas apostas, “seu” Apolônio foi puxando o nome do bicho que começava com a perninha do “A”. Foi puxando bem devagarzinho. Bem devagarzinho. Suspense. Tavinho sorria. Enganara o velhinho. Vira a perninha do “A”. Não tinha outra: era águia ou avestruz. Decerto, “seu” Apolônio não dera fé da perninha do “A”. Do contrário, não teria permitido que ele jogasse os Cr$ 40,00, divididos na águia e no avestruz. Tavinho perguntava de si para si: “Quem pode com o velho Tavinho?”. Então, “seu” Apolônio gritou com a vozinha de engasgado: “Deu Alefante!”. Tavinho de Tavão teve um troço.
(*) DIÁCONO. ADVOGADO. PROFESSOR DA UFS. MEMBRO DA ASL, DA ASLJ E DO IHGSE.
Publicado no Jornal da Cidade, edição de 28 de agosto de 2016. Publicação neste site autorizada pelo autor.
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