O ACORDO :: Por José Lima Santana
José Lima Santana(*) jlsantana@bol.com.br
Segunda-feira. Nove da manhã. A sala cheirava a “bom ar”. Uma diligente senhora de avental cor de rosa acabara de limpar a sala, perfumando-a com aquele indefectível “bom ar”, que causava dor de cabeça nalgumas pessoas. Sobre a mesa, duas garrafas térmicas com café. Uma com açúcar e a outra sem açúcar. A reunião prometia. Prometia voar cacos e farrapos. O candidato a prefeito tinha feito alianças em demasia. Era óbvio que ele precisava garantir os votos de que precisaria para vencer o adversário no segundo turno. Assim sendo, faria acordo até com o tinhoso. Afinal, votos não se rejeitavam. Viessem de onde viessem, quaisquer votos bem-vindos seriam. Nos embates políticos, era preciso ter pé ligeiro, bolso cheio e meio mundo de artimanhas. Bolso cheio não se sabia se ele tinha. Dizia-se que um grupo apoiador tinha de sobra. Havia, contudo, quem disso duvidasse.
Um dos grupos apoiadores não se mostrava satisfeito com os tantos compromissos assumidos pelo candidato. Faltariam mais espaços para aquele grupo, que era o maior apoiador. E, diga-se de passagem, apoiador de primeira hora. Não se achegara ao candidato após a eleição do primeiro turno. Fora um acordo celebrado bem antes das convenções. Por isso mesmo, aquele grupo era o mais interessado e interesseiro no acordo. Um jornalista dissera que o grupo político do deputado Viriato Bragança era como ferida braba: só queria comer, fosse onde fosse, fosse com quem quer que fosse, fosse como fosse. Já comera em vários lados, embora ainda fosse, a bem dizer, um grupo relativamente novo na vida política. Mudava de lado a cada eleição. Ora dava-se bem, ora se ferrava. Era, contudo, um grupo político com pretensões ainda mais altas. Sonhava com o governo do estado. As garras dos seus líderes, em especial do empresário Vinícius Bragança, irmão do deputado, não tinham tamanho. O grupo acabaria engolindo o estado. Se pudesse, engoliria o país. Mas, não podia. Nem jamais poderia. Era o que vociferavam os que faziam oposição àquele grupo.
À reunião começaram a chegar os adesistas. Cada qual mais cheio de si. Cada qual mais desconfiado em relação aos demais. Acordos políticos eram assim mesmo: todos se achavam a bola da vez, o rei da cocada preta, a última bolacha do pacote. Votos? Ora bolas! Cada um tinha exatamente o que faltava ao candidato para lhe assegurar a palma da vitória. Às vezes, alguns dos “líderes partidários”, que, a bem dizer, não passavam de uns alugadores descarados de siglas pequenas, que se jogavam para cá e para lá, a depender da conveniência, não tinham nada além do próprio voto. Mas, arrogavam-se em ser chefes políticos, presidentes de partidos. Algumas siglas nem eram do conhecimento popular. Mas, eram siglas partidárias. E era, ao menos, pomposo para um candidato declarar que tinha o apoio de tantos e tantos partidos. Uns pés rapados. Umas cascas de siri podres valiam mais. Muito mais do que alguns desses partidos nanicos. E muito mais do que alguns dos seus supostos líderes.
O grupo dos Bragança demorou a chegar, embora a sala de reuniões ficasse instalada nos feudos dos mesmos. A reunião estava marcada para as nove horas. Pouco depois das dez, quando o candidato, que chegara às nove em ponto, já tinha consultado o relógio umas cem vezes, eis que chegaram os Bragança e alguns assessores. Dos Bragança, o empresário foi logo dizendo que precisava ter uma conversa em particular com o candidato a prefeito. Retiraram-se os dois para uma sala contígua. Cerrou-se a porta. O empresário disse que o seu grupo estava insatisfeito com as conversas que rolavam nos bastidores. O candidato já tinha, segundo se dizia, dividido parte do secretariado com alguns dos outros partidos. E aquilo não estava certo. O candidato argumentou que as três principais secretarias acertadas com o grupo dos Bragança estavam garantidas. Porém, o empresário retrucou que o peso do grupo era maior do que as três secretarias acertadas. O grupo exigia mais duas secretarias. O candidato deveria olhar com olhos de político, e não de um simples administrador, quem era que tinha mesmo peso naquela eleição: o grupo de partidos que os irmãos Bragança comandavam ou os outros partidos nanicos juntos? Quantos vereadores do citado grupo foram eleitos? Quantos os demais partidos coligados ou adesistas elegeram? Ali estava, por exemplo, parte da diferença entre o grupo dos Bragança e todos os demais partidos nanicos. Quem arranjara os meios para tocar a campanha? Quem facilitara certas coisas indizíveis em público? Quem era mais isso e quem era mais aquilo? O candidato a prefeito suou, gaguejou e disse que pensaria no assunto. A resposta foi exigida pelo empresário para aquele mesmo dia.
Enfim, começou a reunião. Já passava das onze horas. Os irmãos Bragança mal cumprimentaram a todos e saíram em seguida. Deixaram o candidato a prefeito e o candidato a vice-prefeito com o bando de nanicos. Eles que discutissem o que bem quisessem e entendessem. O acordo deveria ser refeito nos novos moldes propostos. Cinco secretarias. As mais importantes. De porteira fechada, isto é, com todos os cargos em comissão, com todas as funções gratificadas e com todos os empregos terceirizados. Eram as secretarias que tinham os maiores orçamentos. O futuro prefeito deveria enxergar o seu tamanho político. Sem eles, os irmãos Bragança, o candidato não conseguiria sequer chegar ao segundo turno, quanto mais se eleger. Nem haveria, uma vez eleito, como administrar a contento. A maioria na Câmara Municipal dependia da bancada dos Bragança. Sem essa bancada não haveria governabilidade. Refém dos Bragança estava, pois, o candidato a prefeito.
Assim eram firmados muitos acordos políticos. Acordos feitos sob a ponta da faca. Ponta da faca encostada no gogó.
O candidato a prefeito tomou coragem. Bateu o pé. Não se submeteu às novas exigências dos Bragança. Faltavam dez dias para a eleição. Ele marchou para as urnas com a cara e a coragem. E, claro, com os partidos nanicos, que, por sua vez, estavam mais felizes do que pinto no lixo. Sem os Bragança sobrava espaço para eles. Todavia, uns e outros não passavam de farinha do mesmo saco. Aproveitadores, todos eles.
Finda a eleição, na contagem dos votos os dois candidatos a prefeito disputavam pau a pau, voto a voto. Ora um candidato abria uma pequena dianteira, ora o outro candidato tirava a diferença e assumia a ponta. E assim foram se revezando, urna após urna apurada. Faltando apenas quinze urnas, o candidato em cujo pescoço os irmãos Bragança botaram a ponta da faca ganhava por cento e doze votos. Eleição apertadíssima, como nunca antes se registrara por ali.
De repente, eis que ocorreu uma pane no sistema de apuração, sendo a mesma suspensa. Os dois candidatos ficaram com o coração saindo pela boca. O tempo passou. O relógio marcou meia-noite. Nada do sistema voltar a funcionar. Nervos à flor da pele.
(*) DIÁCONO. ADVOGADO. PROFESSOR DA UFS. MEMBRO DA ASL, DA ASLJ E DO IHGSE.
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