Aracaju (SE), 24 de novembro de 2024
POR: José Lima Santana - jlsantana@bol.com.br
Fonte: José Lima Santana
Em: 03/12/2016 às 09:12
Pub.: 05 de dezembro de 2016

UMA SEMANA ENDIABRADA :: Por José Lima Santana

José Lima Santana* - jlsantana@bol.com.br

José Lima Santana (Imagem: Arquivo Pessoal)

José Lima Santana (Imagem: Arquivo Pessoal)

O país parece, em certos aspectos, como um grande barco à deriva, e, enquanto a sua tripulação, em parte, tripudia dos passageiros, estes, em sua grande maioria, vivem um clima de apatia social. A grande mídia informa o que quer e como quer. Desta forma, arrasta milhões para a sua conveniência, que é, sem dúvida, a conveniência do governo e daqueles que controlam o capital, local e internacional. De antemão, quero dizer que não tenho predileção por idealismo político nenhum e, muito menos, por este ou aquele partido. Nenhum me serve. Neles eu não acredito. Nem nos seus programas partidários, nem nos seus componentes. Em regra. Dentre os componentes dos mais diversos partidos políticos, é claro que há boas exceções. Poucas. 

A semana que finda parece que foi uma semana endiabrada. Começamos com o trágico acidente aéreo que vitimou o elenco da Chapecoense, membros da imprensa e parte de tripulação. Um acidente pavoroso. Lágrimas e palavras não bastam para chorar tantas perdas! 

No plano político, vimos a aprovação da PEC 55 (antes, PEC 241), no Senado, por uma maioria esmagadora de votos, em primeira votação. O governo atual, salvador da Pátria, deita e rola no Congresso Nacional. Devemos controlar os gastos? Sim. Mas, em que limites? De que forma? Em quais orçamentos ministeriais se devem cortar gastos com o custeio? Não devemos querer o descalabro nas contas públicas federais, estaduais e municipais. Não! Mas, também não devemos aplaudir medidas açodadas, que poderão causar malefícios, mais tarde, à população, e, em especial, à parte mais carente, sobretudo, nas áreas sociais, como a educação e a saúde, dentre outras. 

Na Câmara dos Deputados foi votado o Projeto de Lei (PL) 4.850/16, que continha medidas de combate à corrupção. Cabia, sim, aos deputados avaliarem as medidas e votarem, como é de sua função, naquilo que entendessem ser o mais correto em benefício do país e da população. Eles, sorrateiramente, meteram no projeto aprovado a criminalização da atuação dos magistrados e dos membros do Ministério Público. Tanto o Poder Judiciário, quanto o Ministério Público precisam, sim, passar por reformas internas. Nenhum Poder ou instituição autônoma, como o MP, tem, na forma da Constituição, poder absoluto. Aliás, poder absoluto nas mãos de quem quer que seja, gera arbitrariedade, ditadura. Ninguém, em sã consciência, deve almejar uma ditadura (mais uma!), venha de onde vier. No período pós-revolucionário, por exemplo, os franceses criaram a Justiça Administrativa (o chamado Contencioso Administrativo) para impedir a ditadura dos magistrados contra os atos administrativos.

Magistrados, nas diversas instâncias, promotores e procuradores não são deuses nem semideuses. Alguns até podem pensar que o são. Na verdade, são, todos, simples mortais como, ademais, somos todos nós brasileiros, cada um na função que lhe compete. Todos, enquanto agentes públicos, devem agir com serventia pública, ou seja, em nome do povo. Sem estrelismos, sem exposições midiáticas exacerbadas. Sem extrapolar os limites constitucionais e legais de sua atuação. Porém, parece-me inconcebível que possam atuar sob ameaça. Não tem asilo entre nós a responsabilidade criminal ou civil por atos judiciais, salvo nos casos previstos na Constituição Federal. Ir-se além é canalhice. A atuação do MP, em investigar e denunciar, e a do Judiciário, em instruir e julgar, deve ser ponderada. Sem excessos. Como convém na democracia.

Por outro lado, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), numa de suas Turmas, decidiu, por maioria de votos (3x2) em descriminalizar o aborto até o terceiro mês de gestação, e isso tem gerado muitas manifestações nas redes sociais, pró ou contra, e a reação de entidades que defendem a vida em todas as suas formas. Por que três meses? Qual o parâmetro? Tal como fizera com a união civil entre duas pessoas do mesmo sexo, mais uma vez o STF atropelou o Congresso e legislou sobre um assunto que não foi debatido por quem deveria fazê-lo por direito. Bem. Há quem defenda que, na falta de legislação, deve o STF decidir, apontando caminhos para a alteração na legislação. Parece-me que isso é um perigo, que, contudo, tende a se alastrar: a figura dos juízes legisladores, que existe no sistema anglo-americano, o Common Law (lei comum), em que o ápice do sistema jurídico repousa no caso precedente, isto é, na jurisprudência. Entre nós, vige o sistema Civil Law (lei civil), herança dos romanos ou herança romano-germânica, como também se costuma dizer. Aqui prevalece a lei, e não a jurisprudência. Reconheço que o Congresso Nacional é lento em acompanhar certas mutações da vida social, até porque, em certos casos, mudanças sociais que se lastreiam em alteração da ordem moral reinante não são feitas da noite para o dia. O Congresso precisa, sim, ser ágil, mas o Judiciário não deve ir além do que lhe compete. Os Poderes precisam dialogar, devem se afinar. Em nome do povo. Pobre povo! 

Estupidamente, no meu entender, ao julgar um pedido de habeas corpus, a primeira turma do Supremo abriu a jurisprudência para que a prática do aborto não seja mais considerada crime. Em primeiro lugar, não me parece oportuno decidir de tal forma dentro de um processo que trata de habeas corpus. Em segundo lugar, será preciso fazer uma discussão muito mais ampla sobre o tema. Fala-se em defender os direitos fundamentais da mulher, que deve ter o direito de optar em defender o seu corpo. Todavia, no caso do aborto, não estão em jogo tão somente o corpo da mulher e os seus direitos. Grupos ditos progressistas lutam no mundo inteiro pela prática livre do aborto. Muitos países já o permitem. No aborto, além da vida da mulher, há outra vida em formação. Transar é fácil. Difícil é arcar com a responsabilidade daí advinda.

Resta, talvez, uma indagação, dentre muitas outras: como podemos punir alguém que retira de um ninho de pássaros um ovo (e deve-se punir, sim!), se permitimos que fetos com até três meses de formação, com o coraçãozinho batendo, venham a ser arrancados, sacrificados? Alguém já viu o “filme” de um feto, por meio de ultrassonografia obstétrica, com três meses de formação? Os ministros do STF já viram? O que dizer, na área do direito civil, quando o Código diz que a personalidade começa a partir do nascimento com vida, mas a lei assegura os direitos do nascituro (daquele que vai nascer)? Com todo o respeito aos ministros que deliberaram pela descriminalização do aborto, eles acabaram fazendo o que se diz jocosamente no interior: uma baita cagada. Repito: com todo o respeito.

O tema do aborto merece uma discussão mais acalentada. Para o Cristianismo, a vida é um dom de Deus, e não apenas um direito natural ou positivado. Há, porém, cristãos, ou pessoas que se dizem cristãs, que não estão nem aí para a Palavra de Deus, para os ensinamentos de Jesus Cristo, e que concordam com a prática do aborto. Não quero polemizar sobre aspectos religiosos, embora eu tenha a minha posição firme em defesa da vida plena, desde a concepção. Afinal, a junção de células masculinas e femininas no ato da fecundação só pode resultar num ser humano. Nada mais. E este é descartado na prática do aborto. O que me faz discutir o tema, neste artigo, é, especialmente, o aspecto jurídico. Descriminalizar o aborto no bojo de um processo que versa sobre habeas corpus é uma temeridade jurídica. O STF fez isso. É deveras temerário viver num país em que a Corte Máxima age desta forma. Como falar, então, nas diatribes feitas pelos membros dos outros Poderes? Guardadas certas e gigantescas proporções, todos acabam se igualando, mais ou menos. 

DIÁCONO. ADVOGADO. PROFESSOR DA UFS. MEMBRO DA ASL DA ASLJ E DO IHGSE
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