DOM PAULO EVARISTO ARNS: SERVO DE DEUS, SEMEADOR DO EVANGELHO :: Por José Lima Santana
José Lima Santana* - jlsantana@bol.com.br
José Lima Santana (Imagem: Arquivo Pessoal)
Dom Arns foi um homem singular. Ele foi arauto do Evangelho de Jesus Cristo numa época de dificuldades para o povo brasileiro: os tempos duros da ditadura militar. Aquele foi um tempo de grandes Cardeais: Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Aloísio Lorscheider, Dom Avelar Brandão Vilela, sem esquecer Dom Eugênio Câmara, este nem sempre bem quisto, por ter sido tachado de conservador e direitista. Todos dignos do posto ocupado na Igreja. Ao lado desses grandes Cardeais, despontavam Dom Hélder Câmara, Dom José Vicente Távora, Dom José Maria Pires, Dom Ivo Lorscheiter, Dom Adriano Mandarino Hypólito (aracajuano), Dom Pedro Casaldáliga e tantos outros membros do episcopado brasileiro, que tinham nome e renome, que eram ouvidos dentro e fora do país, muitas vezes atormentando os milicos golpistas e sendo por eles atormentados. Cardeais, Arcebispos e Bispos que eram ouvidos, que sabiam o quê dizer, como dizer, onde dizer e quando fosse preciso dizer. Sem temor, como convém aos seguidores de Jesus.
Pode-se mesmo afirmar que Dom Paulo foi o último dos moicanos. Desses moicanos que lutaram com bravura para anunciar o Evangelho de Jesus Cristo, para denunciar, para defender os direitos humanos, na raiz da Doutrina Social da Igreja, que enfrentaram os “donos do poder”, naqueles terríveis anos de chumbo, que alguns incautos vivem, hoje, a pregar a volta, numa maneira tresloucada própria de filhotes desmamados da famigerada ditadura. Estes são burros, imbecis. Abro um parêntese para dizer que a situação do país é muito ruim, sim, mas, nada justifica a pregação pela volta dos milicos. Que de seus quartéis eles nunca mais saiam para tomar o lugar reservado pela Constituição aos civis. A situação ruim em que vivemos, nós mesmos haveremos, aos trancos e barrancos, com sacrifício, de enfrentar sem precisar dos coturnos e das baionetas. Os militares merecem respeito enquanto “braços da Pátria”. Nada mais.
Muito bem. Eu conheci pessoalmente Dom Paulo Evaristo Arns no dia 15 de agosto de 1981, durante o café da manhã, no Seminário da Arquidiocese de Recife e Olinda. Ali estávamos eu, o Padre Raimundo Cruz e Dom Hildebrando Mendes Costa, então Bispo Auxiliar de Aracaju. Fomos à celebração das Bodas de Ouro da Ordenação Sacerdotal de Dom Hélder Câmara. Ao meu lado, na mesa do café da manhã, sentou-se Dom Paulo. Bem perto, Dom Aloísio. Dom Paulo perguntou-me de onde eu era e se eu era padre. Eu lhe respondi, tomando, antes, a sua bênção, que era leigo e ministro da Eucaristia. Lembro que ele disse, mais ou menos, assim: “Exerça o seu ministério com fé e determinação”. Não lembro, exatamente, se ele disse “determinação” ou “firmeza”. Foi por aí. Aquela foi a única vez que eu o encontrei pessoalmente. Acompanhei, porém, a sua luta em favor do povo paulistano e brasileiro. Li muitos dos seus escritos. Vibrei com suas posições firmes. Dentre os legados por escrito que ele deixou, com a colaboração de outras pessoas, registro o livro “Brasil: Nunca Mais”.
O Projeto Brasil: Nunca Mais desenvolvido por Dom Paulo Evaristo Arns, Rabino Henry Sobel, Pastor presbiteriano Jaime Wright e equipe, foi realizado clandestinamente entre 1979 e 1985 durante o período final da ditadura militar no Brasil, que gerou uma importante documentação sobre a história do Brasil, publicada em livro com o mesmo título do Projeto: “Brasil: Nunca Mais”, pela Editora Vozes.
O Projeto sistematizou informações de mais de 1.000.000 de páginas contidas em 707 processos do Superior Tribunal Militar (STM), revelando a extensão da repressão política no Brasil, que cobriu o período do arbítrio implantado pelos militares. Atualmente, constitui-se no fundo mais pesquisado do Arquivo Edgard Leuenrouth, na UNICAMP, em Campinas (SP).
O relatório completo, resultado do esforço de mais de 30 brasileiros que se dedicaram durante quase seis anos a rever a história do período no país, reescrevendo-a a partir das denúncias feitas em juízo por opositores do regime de 1964, bem como o livro publicado pela Editora Vozes, tiveram papel fundamental na identificação e denúncia dos torturadores do regime militar e desvendaram as perseguições, os assassinatos, os desaparecimentos e as torturas, bem como atos praticados nas delegacias, unidades militares e locais clandestinos mantidos pelo aparelho repressivo no Brasil.
Em resposta ao livro de Dom Paulo Evaristo Arns e outros, os militares escreveram o livro “Tentativas de Tomada do Poder”. Tal livro foi baseado em documentação produzida pelos órgãos de repressão do período, contendo uma versão policial sobre a história e as pessoas citadas no outro livro, ou seja, no “Brasil: Nunca Mais”. O livro de Dom Arns e outros se tornou um Best-seller, ao passo que o livro patrocinado pelos militares encalhou.
Por fim, rendi, na quinta-feira, a minha homenagem, o meu preito de gratidão àquele que teve uma das vozes mais lúcidas da Igreja Católica brasileira em todos os tempos. E não venham, alguns filhotes do conservadorismo, católico ou não, dizer que Dom Arns era um Cardeal de esquerda. Dom Paulo Evaristo Arns foi um Cardeal compromissado com o Evangelho de Jesus Cristo. Um semeador. Um bom samaritano. Um servo bom e fiel, que não escondeu os talentos. Um que soube carregar a cruz e que ajudou muitos a também carregarem a sua cruz. Um destemido.
Que Deus o receba na sua Glória! Amém.
Uma indagação fora do texto acima: Diante de tantas bagunças de lado a lado, se fossem levados a leilão o Senado e o Supremo Tribunal Federal, em qual deles, caríssimo leitor, você daria o maior lance?
*DIÁCONO. ADVOGADO. PROFESSOR DA UFS. MEMBRO DA ASL DA ASLJ E DO IHGSE
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