O PADRE E A VIÚVA :: Por José Lima Santana
José Lima Santana* - jlsantana@bol.com.br
José Lima Santana (Imagem: Arquivo Pessoal)
O padre Ariosto tinha chegado há pouco mais de um mês, no início de fevereiro. Mal e mal conhecia os fregueses, como, no passado, eram chamados os paroquianos. Fregueses era a expressão usada no tempo em que a Paróquia se chamava Freguesia. Tempo do Império. Como sempre, umas poucas beatas apresentavam-se prontas para colaborar. E, dentre elas, uma que se sentia a “dona” da Igreja Matriz, a que tinha a chave, a que dava ordens ao sacristão, a que queria ter o controle do padre. Naquele tempo, esse tipo de beata mandona era muito comum nas Paróquias.
Há pouco ordenado, com não mais de vinte e cinco anos de idade, fazendo o tipo físico de mauricinho de subúrbio, o novo pároco lançou-se ao trabalho para reformar e ampliar a Igreja Matriz. Fez bingo, quermesse e leilão. Passou “livro de ouro” entre comerciantes e fazendeiros. Estes deram menos do que aqueles, embora fossem bem mais aquinhoados. O velho e terrível apego ao dinheiro. “Ninguém pode servir a Deus e ao dinheiro”, disse Jesus. Ora, muita gente que se dizia cristã não ligava para as palavras do Divino Mestre. O jovem padre começou a dar nova vida à Paróquia. Fundou um grupo de jovens, realizou encontro de “Casais com Cristo”, consertou o velho carro, deixando-o quase novinho em folha. Deu um incremento nas aulas de catecismo, no círculo bíblico e muito mais. Promoveu um verdadeiro rebuliço.
A Paróquia que pouco rendia passou a garantir a manutenção do padre. Não dava muito, porém, o padre não morreria de fome, nem precisaria mais andar almoçando hoje aqui e amanhã acolá. Aos poucos, as coisas foram se ajeitando. O senhor bispo estava satisfeito com o jovem padre que tinha pinta de mauricinho suburbano e era trabalhador, além de ser zeloso com os misteres da sua vocação. Um padre com futuro garantido junto à Cúria Metropolitana.
No caminho de um cristão pode muito bem haver percalços. No caminho do padre Ariosto, uma pedra lhe aparecera. Pedra instigante. Pedra a ser removida antes que o mundo desandasse. A tal pedra tinha nome. Tinha grana. Tinha posição. Maristela Pinto da Mota. Viúva. No ardor dos anos. Loba. Com quase quarenta anos. Soltando faíscas.
Maristela aproximou-se do padre Ariosto na festa da Padroeira, em novembro. Fazia parte da comissão geral da festa. Andou daqui, andou dali, ela começou a ajudar em tudo que a Igreja precisasse. Convidou o padre para almoçar em sua casa. Era uma mulher sem filhos. Casara com um homem bem mais velho do que ela, viúvo, ela com 22 anos, na época do casamento, e ele com 66 anos. Casamento com comunhão de bens, que o velho precisava desesperadamente de aconchego, após a morte da primeira esposa. Dos cinco filhos, apenas o mais velho opinou contra o casamento do pai. Os demais pegaram os seus bons quinhões da herança da mãe e deixaram o pai em paz. Maristela não teve filhos. Conviveu por 16 anos com o rico fazendeiro até que ele bateu a caçoleta aos 82 anos. Uma febre interminável deu cabo do velho em cinco semanas. A viúva, que sempre respeitara o marido via-se, agora, carente de aconchego, do frescor que ela não teve.
Domingo. Véspera do Ano Novo. Pela quinta vez, o padre Ariosto fora convidado para almoçar na casa de Maristela. Eram lautos almoços. A cozinheira, Mariazinha, fazia tudo do bom e do melhor. No domingo, ela cozinhava logo cedo e por volta das dez horas era dispensada. O padre comeu como um abade. Salada, galinha a molho pardo, lombo de frigideira, fritada de caranguejo, arroz à grega, farofa de banana, doce de caju em calda e pudim de leite. Tudo de que o padre gostava menos a fritada que ele apenas beliscou, sob a insistência da viúva. Depois do almoço, Maristela fez questão de, pela primeira vez, mostrar toda a casa ao padre. Todavia, a sua intenção era a de mostrar apenas a alcova. Quarto arrumado, perfumado, pétalas de rosa espalhadas sobre a cama. Maristela sentou-se na cama e disse: “Padre, fique à vontade!”. Voz sussurrante. Loba no cio. Tentação à vista. O padre Ariosto lembrou o que lhe dissera o seu formador, o Mons. Vasconcelos: “Você pode ser mil vezes tentado, mas deve resistir às tentações”. Como resistir àquilo, àquela maçã, igualzinha à que Eva ofereceu a Adão, no paraíso? O jovem padre suou frio. Ficou parado. Não sabia o que dizer, nem o que fazer. Passaram-se trinta segundos, um minuto, ou mais? Sabia-se lá. O verão estava de tinir. Há dias, um mormaço fazia da cidade uma bolha prestes a explodir. De repente, naquele instante de agonia, um estrondo se fez ouvir. Mais um. Outro mais. E muitos outros. A trovoada chegara.
O padre Ariosto correu para casa debaixo do maior toró. Mesmo molhado, deixou-se prostrar diante do Santíssimo, na capela que ele mantinha anexa ao quarto. Orou sem cessar. Tentação vencida. Voto de castidade preservado.
Nunca mais o padre saboreou a boa comida de Mariazinha, a cozinheira da viúva Maristela. Porém, a viúva continuou com os seus préstimos junto à Igreja, como se nada tivesse acontecido.
*PADRE. ADVOGADO. PROFESSOR DA UFS. MEMBRO DA ASL DA ASLJ E DO IHGSE
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