ZÉ RICO :: Por José Lima Santana
José Lima Santana* - jlsantana@bol.com.br
José Lima Santana (Foto: Arquivo Pessoal)
O moço Zé Rico era músico. Tocava guitarra elétrica. Ajudava a manter, a duras penas, uma Banda de rock. Eram ele e mais cinco. Banda barulhenta. Heavy Metal. O sonho de Zé Rico era ganhar um bom dinheiro para estruturar a Banda e estourar no mercado de CDs e shows. Porém, naquele sonho somente ele, os companheiros da Banda e a professora Cristina Medeiros, a mãe, acreditavam. Um dia, diziam, a sorte haveria de sorrir para Zé do Rock, como, no início, ele era chamado no bairro empoeirado e lamacento, a depender da estação do ano, onde vivia com a família: os pais e oito irmãos. Ele era o mais velho dentre os manos.
No colégio, que ele largou ao findar o primeiro ano do então dito segundo grau, havia outros rapazes que tocavam e tinham lá as suas Bandas. Havia, ao menos, duas delas formadas por colegas do colégio onde Zé Rico estudara. Todos sonhavam alto.
Zé Rico queria acertar na vida através da música. Queria dar uma vida muito mais digna aos pais e aos irmãos. Queria socorrer muita gente precisada que ele conhecia. Queria ajudar as obras do padre Amarildo, que suava pegando na enxada para fazer massa e na colher de pedreiro para levantar paredes. Queria dotar o Colégio “São Francisco de Assis”, onde estudara, de uma banda marcial. Queria poder ir à desforra diante de Maria Júlia, a metidinha com quem flertara e que lhe trocara pelo filho do dono do Mercadinho Estrela da Manhã, que já formava uma pequena rede com lojas em três cidades. Para algumas pessoas, como parecia ser o caso da metidinha da Maria Júlia, a grana tinha cheiro de rosa. Ou de cravo. Ou de alfazema. Sabia-se lá!
Ah, como Zé Rico almejava tantas coisas! Talvez até ele quisesse desentortar o mundo. Recompor o Brasil, tão surrado por um bando de larápios, que zombavam do povo, chafurdando no lamaçal da corrupção e da ladroagem. Zé Rico era um sonhador. Mas, o que seria do mundo sem os sonhadores e os sonhos?
Um dia, enfim, José Medeiros do Rosário Bijou tornar-se-ia Zé Rico. De verdade. Alcunha que lhe fora dada após ganhar uma bolada de milhões de reais na Mega Sena. Ele dera de cara com um papel sendo tangido pelo vento, que o colocou aos seus pés. No papel, seis números escritos: 7, 9, 15, 32, 37 e... Hum, esqueci-me do último número! Deixa pra lá. Neste texto e no contexto, o sexto número não tem importância.
Assim que conferiu os números sorteados e recebeu a bolada, José Medeiros do Rosário Bijou passou a ser chamado de Zé Rico. Apelido que lhe dera a moça sardenta da Casa Lotérica com quem ele foi conferir o bilhete, que ela lhe revelou ser o premiado. Único ganhador. A Mega Sena estava acumulada por seis semanas, ou seja, por doze concursos. Dinheiro de sobra. Aliás, para muita gente nenhuma soma de dinheiro jamais seria de sobra. Que o dissessem os ladrões de casaca da República. Mas, isto é outro papo.
Zé Rico sempre admirou o casarão do velho desembargador Morais, que fora encontrado morto no vaso sanitário. Ataque do coração. Era um casarão avarandado de quatro águas com mais de quatrocentos metros quadrados de área construída, além do belo jardim e do vasto pomar, onde eram encontradas dezenas de árvores frutíferas. O casarão vivia fechado. Os filhos do desembargador, que moravam na capital, nem iam ao casarão. Um desperdício! Zé Rico o comprou. Dona Cristina, sua mãe, adorou a nova casa. Ela a merecia. Se ela era boa mãe, Zé Rico era ainda melhor filho.
O pai taxista não quis largar a praça, o ponto de táxi, onde estavam os amigos. Ganhou um carro novo, top de linha. A banda marcial do Colégio foi comprada e entregue em meio a uma grande festa. Os alunos exultavam. A diretora não conteve as lágrimas. O seu ex-aluno não esquecera a promessa feita anos atrás. Que Deus o protegesse! Acenderia velas para São Francisco. Mandaria celebrar uma Missa em ação de graças. O menino José Bijou bem merecia.
Zé Rico comprou um carro de lascar. Carrão, como mandava a cartilha dos novos ricos. Mandou ver em São Paulo, na Santa Ifigênia, o que havia de melhor em instrumentos musicais para a Banda Mega Sky, como passou a se chamar a Banda que não tinha nome, tão chinfrim que era então. Agora, contudo, a Banda tinha nome. Ganharia asas. Faria o sucesso que a metidinha da Maria Júlia, que trocara o seu amor pelo “amor” do filho do dono do Mercadinho Estrela da Manhã, jamais imaginaria. No momento, a estrela dele, Zé Rico, brilhava mais forte. Cintilava muito mais do que o Estrela da Manhã com suas três lojas.
A vida de algumas pessoas queridas começaria a mudar. Zé Rico não era como uma ferida braba, que comia sozinha as carnes de sua vítima. Se Deus lhe dera tanto dinheiro, não lhe custava dividir uma parte, pequena que fosse, com quem dele merecia atenção e cuidado.
Dois irmãos de Zé Rico gostavam de terras. Eram Dudu e Jubinha. O irmão comprou para eles uma fazenda de gado nelore. Os demais irmãos ainda eram menores de idade. Haveriam de esperar um pouco mais por algumas benesses.
Até os avós dos dois lados de Zé Rico, todos falecidos, ganhariam mimos do neto. Dois belíssimos mausoléus de mármore negro, no cemitério da cidade. As obras de reforma da Igreja Matriz do padre Amarildo seriam concluídas. Zé Rico revelava-se, assim, um benfeitor como muitos poucos foram vistos iguais na região. Talvez, no estado.
Seis e meia da manhã. José Medeiros do Rosário Bijou, o Zé Rico, precisava ir ao Mercadinho Estrela da Manhã. Ele tinha uma entrevista de emprego marcada para as 8 horas. Dona Cristina Medeiros, a mãe, o acordou: “José, meu filho, hora de acordar!”.
Fora tudo um sonho. O sorteio da Mega Sena acumulada fizera, sim, um milionário. Mas, muito longe dali. E, como sonhar não era crime nem pecado, José Bijou continuaria a sonhar.
*PADRE. ADVOGADO. PROFESSOR DA UFS. MEMBRO DA ASL DA ASLJ E DO IHGSE
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