Aracaju (SE), 24 de novembro de 2024
POR: José Lima Santana
Fonte: José Lima Santana
Em: 12/05/2017 às 22:56
Pub.: 14 de maio de 2017

Operação LEVA-JACAS e o Triplex de Perobinha :: Por José Lima Santana

José Lima Santana* - jlsantana@bol.com.br

José Lima Santana (Imagem: Arquivo Pessoal)

José Lima Santana (Imagem: Arquivo Pessoal)

Pois é. Levaram as jacas. Tardezinha de quinta-feira. Solzinho de fim de tarde, modorrento, no prenúncio do inverno. Calorzinho de fornalha se apagando. Ventinho preguiçoso, descendo do Morro do Preto Forro, fazendo dançar, no ar, galhos e flores. Na subida da ladeira do Vintém, eis ali o sítio de Pedro Macambira, sortido de tudo que era tipo de árvores frutíferas. No tempo de cada fruta, era uma fartura. Dava gosto de ver o sítio do velho oficial de justiça, há muito aposentado. Cabra bom de prosa estava ali. Porém, um verdadeiro unha de fome. Diziam as más línguas, e olhe que más línguas existem em todo canto, que ele aproveitava o outro lado do papel higiênico. Um disparate!
    
Naquele fim de tarde, Perobinha de Chico Martelo, Fininho de Sá Maria do finado Vavá e Curiboquinha de Mamede Curibocão fizeram-se donos do sítio de Pedro Macambira. Era o tempo de jacas maduras de dar gosto. E que jacas ali eram encontradas! Jacas duras e moles. Mas, o gosto dos três ocasionais proprietários era pelas jacas moles. Jacas ouro. Bagos pequenos, pouco visgo e uma doçura de fazer frente ao melhor mel de abelha jataí. Melhor do que o açúcar outrora produzido pelo engenho Santa Cruz do velho Maurício Prado. Deliciar-se, manhãzinha, com uns bagos de uma jaca mole daquelas era começar o dia com o pé direito. Pedro Macambira vendia as jacas ainda verdosas. Vendia a carga inteira de cada jaqueira, que eram duas, as moles. Vendia-as a Deba, que as revendia na feira livre da cidade e noutras duas cidades circunvizinhas. Feiras aos sábados, domingos e segundas-feiras.
    
O trio que adentrou no sítio de Pedro Macambira retirou duas jacas. Maduras. Cheirosas. De dar água na boca. Eles as comeriam no dia seguinte, quando o sol da manhã ainda se fizesse brando. Comeriam debaixo do pé de tamarindo da frente da casa de Perobinha, casado com a filha de Gilberto Coceira, Maria Cecília, uma das mulheres mais bonitas do lugar. Zefa Parteira, que tinha a língua afiada, dizia que era mal empregado que um tipo como Perobinha tivesse casado com moça tão bonita e prendada. Ela era afamada costureira. Ele, por sua vez, era um bom oficial de marcenaria, mas, deveras, muito preguiçoso. Trabalhava quando queria. Preferia viver metido nos matos à procura de passarinhos canoros. Ele os tinha em grande quantidade. E, vez por outra, os vendia por um bom dinheiro, pois ele só criava aqueles que cantavam de assobio ou de corrida. Quem entende de canto de pássaro sabe muito bem o que é isso.
    
Jaca Mole - divulgação

Jaca Mole - divulgação

E lá foram os três com as duas jacas. Levaram-nas para a casa de Perobinha. A casa dele era pequenina, mas muito bem cuidada. Há um ano, ele aproveitou as férias de um cunhado, que morava em Salvador, e que era um bom pedreiro, para bater duas lajes sobre a casa. Fez o que se poderia chamar de um triplex do tipo “Minha Casa, Minha Vida”. Sem querer, aqui, fazer ilações. Qualquer semelhança é mera coincidência. As jacas estavam madurinhas, no ponto. Porém, o mel delas somente escorreria nos cantos das bocas dos três amigos, na manhã seguinte.
    
Ocorre que, enquanto os três saiam do sítio de Pedro Macambira, este chegava ao sítio pelo outro lado, ou seja, pela estrada do Rastro da Égua, ao passo que os três saíram pela frente, isto é, pela ladeira do Vintém. Pedro viu os três. Os três não viram Pedro.
    
O dia amanheceu radiante. O sol parecia ter pressa de brilhar naquela manhã. A aurora parecia ter-se feito mais cedo do que de costume. Os matizes da manhã davam como quê um ar de vida nova ao mundo. Assim que amanheceu, Fininho de Sá Maria do finado Vavá e Curiboquinha de Mamede Curibocão bateram o ponto na casa de Perobinha. Este, prestimoso, já os recebeu debaixo do pé de tamarindo, com as duas jacas no banco de madeira lavrada. Para cada comensal, ele preparou um espetinho de galho de goiabeira. O bom cheiro das jacas rescendia no ar. Logo, o mel já descia pelo canto da boca de cada um deles. Uma das jacas foi devorada num instante. Quando a segunda jaca estava sendo aberta, no exato momento em que Perobinha começava a puxar o patacho, eis que desceu da velha bicicleta vermelha da delegacia o soldado Zé Mochila. Pessoinha querida na cidade, o soldado José Francisco Vilar, era muito mais conhecido por Zé Mochila, porque, no dia da feira semanal da cidade, ele enchia uma mochila com variados donativos, que ajudavam a alimentar os seus doze filhos.

Descendo da bicicleta, o soldado cumprimentou a todos: “Bom dia rapaziada!”. Todos responderam, alegremente. A autoridade policial foi logo dizendo que estava em diligência por conta da Operação Leva-Jacas. “Oxente, homem! Que diabo é isso aí?”, indagou Perobinha. O soldado Zé Mochila explicou que Pedro Macambira, na noite anterior, deu queixa contra três sujeitos, embora só tivesse reconhecido um deles, qual seja exatamente Perobinha, por conta das duas jacas que eles tinham surrupiado do sítio do oficial de justiça aposentado. Os três que, sim, seriam os que ali estavam, deveriam ser conduzidos à presença do capitão Lacerda, o novo delegado. Com eles, as duas jacas deveriam ser levadas. Daí o nome da Operação: Leva-Jacas.

Os três amigos papa-jacas caíram na gargalhada. “Ô soldado Zé Mochila, desde quando matar a fome de jaca de três homens de bem passou a ser crime?”. Perguntou Curiboquinha, rindo às escâncaras. E Fininho emendou: “Amigo Zé, diga ao capitão que você nos encontrou, mas que as jacas já tinham sido devoradas. E sem jacas, não pode haver Operação Leva-Jacas”. O soldado coçou a cabeça, tirando o quepe cáqui. “Eu conduzo vocês três, esta jaca mal e mal aberta e o bagaço daquela ali”, respondeu o soldado Zé Mochila, apontando com o beiço o bagaço da jaca já devorada.
    
Naquele instante, Perobinha levantou-se e dirigiu-se à goiabeira, no oitão da casa. Retirou um pequeno galho e moldou um espetinho, oferecendo-o ao soldado. “Zé, coma esta jaca com a gente. Tá uma delícia. Depois, a gente vai consigo e leva os dois bagaços das jacas. É muito melhor a gente comer a jaca do que desperdiçá-la, levando-a à delegacia”. Outra vez, o soldado Zé Mochila coçou a cabeça. “É... Num faz mal comer uma doçura dessas, não é mesmo?”. E foi assim que o soldado Zé Mochila meteu o pé na jaca, naquela hilária “Operação Leva-Jacas”.
    
Após os quatro terem devorado a segunda jaca, os três amigos foram conduzidos à delegacia, levando com eles os dois bagaços das jacas. Iam gargalhando. Afinal, Fininho de Sá Maria do finado Vavá era simplesmente filho de Pedro Macambira, isto é, Pedro Guedes, esposo, de papel passado no padre e no escrivão, de Dona Maria do Carmo Vieira Guedes, filha do finado Valdemar do Gravatá de Dentro. Por certo, Pedro Macambira não reconhecera o próprio filho no meio dos outros dois. O sol do fim da tarde decerto turvara-lhe a vista. Na delegacia, o capitão Lacerda fez cara feia porque a Operação Leva-Jacas não daria em nada. Afinal, seria a sua primeira Operação naquela delegacia, para a qual ele fora designado há apenas dois dias. Ele e um policial com cara de japonês.

*PADRE. ADVOGADO. PROFESSOR DA UFS. MEMBRO DA ASL DA ASLJ E DO IHGSE

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