Rififi sertanejo :: Por José Lima Santana
José Lima Santana* - jlsantana@bol.com.br
José Lima Santana (Foto: Arquivo Pessoal)
Com o passar do tempo, mantive com Carmem Rosa uma respeitosa amizade. E mantivemos a amizade por toda a vida. O mesmo eu digo com relação ao Dr. Gilson.
Naquela época, eu advoguei muito na Comarca de Nossa Senhora da Glória, da qual Monte Alegre de Sergipe era Termo. Muitos fatos pitorescos eu presenciei ou de alguns deles participei. Recordo-me, dentre muitos outros, de um que ocorreu em Monte Alegre. Às quartas-feiras, Carmem Rosa ali realizava audiências. Num daqueles dias, ao chegarmos à Prefeitura, onde se realizavam as audiências, o oficial de justiça, “seu” Elói, deu-me uma péssima informação. Uma das audiências era de um réu preso, na penitenciária da capital, acusado de assassinato. Ocorre que, segundo a informação, os familiares do preso viriam em peso do povoado de onde eram originários, para “arrancá-lo das garras da Justiça”, à força.
A informação preocupou-me. A minha audiência seria a última daquela manhã. A do dito preso seria a segunda. Eu pedi a “seu” Elói que não dissesse nada à juíza, nem ao promotor, que, àquela altura, era o Dr. Ernesto Anísio Azevedo Melo, que substituíra o Dr. Gilson, que já tinha assumido o cargo de procurador da República. Ora, mas o que eu poderia fazer em auxílio à juíza, mas sem nada à mesma poder dizer? Bem, ligar para o delegado regional de polícia de Nossa Senhora da Glória. Não tinha outra coisa a fazer.
O posto telefônico ficava bem pertinho da Prefeitura. Para lá, eu me dirigi. Pedi uma ligação para o número que declinei. Ou seja, o da delegacia. Dirigi-me à cabine. Logo, alguém atendeu na delegacia. Eu tinha que falar com o delegado, que era o capitão Wellington Costa da Silva, sujeito destemido e que tinha sido cunhado do atual chefe de gabinete do reitor da Universidade Federal de Sergipe, professor Marcionilo. Há algum tempo, o capitão Costa é falecido.
Eu não podia chamar a atenção de ninguém. A quem estava do outro lado da linha, que era um soldado, eu pedi para falar com “o chefe”. Ele passou para o delegado. Eu precisava falar em código. Comecei a dizer-lhe que estava em Monte Alegre com a juíza e o promotor. E disse: “Temos audiências brabas”. Ele indagou: “Brabas, como?”. O posto telefônico estava cheio de gente. Eu não devia abrir o verbo. Sabia-se lá se alguém ali não era da parentela do preso? Então, desconversei, para não chamar a atenção de ninguém: “O jogo pode ficar feio. É preciso uma ‘menininha’ por aqui”. “Menininha” era como o capitão Costa denominava a metralhadora que usava, quando se fazia necessário. Logo, ele compreendeu que eu queria pedir reforço policial para Monte Alegre. E respondeu, perguntando: “Eu tenho que ir aí, né?”. E eu: “Sim. Logo!”. Ele disse que estaria a caminho. Fiquei aliviado, em parte. Torcia para que o delegado e o devido reforço chegassem antes dos parentes do preso.
Eu retornei à Prefeitura. O preso já lá estava com apenas um soldado vindo em guarnição desde a penitenciária da capital. Tomei assento na entrada do local que servia de sala de audiências. A primeira audiência era sobre um caso simples, que não lembro bem o que era. Lembro que era simples porque não demorou muito, não passando de mais ou menos meia hora. Viria, então, a audiência do tal preso, que os parentes pretendiam levá-lo para casa à revelia da Justiça. Levantei-me. Fui até a calçada. Cochichei com “seu” Elói, o oficial de justiça. Nada do delegado, nem da parentela do preso. Menos mal. Lá de dentro eu ouvi o pregão da segunda audiência. De chofre, um caminhão aportou na quina da avenida. Cheio de gente. De homens. “São eles”, pensei. “Seu” Elói confirmou. O que haveria de acontecer? Sem a presença do delegado Costa, eles ousariam mesmo invadir a sala de audiências e resgatar o preso? O oficial de justiça achava que sim. Afinal, em tempos passados, eles ousaram tirar outro preso da cadeia local.
Ali estava o prenúncio de um rififi sertanejo. Confesso que fiquei um pouco aflito. A minha preocupação era sobre se eles fariam algum mal à juíza e ao promotor. Levar o preso seria o de menos. Depois, a polícia o prenderia novamente, mais cedo ou mais tarde. Enquanto eu pensava e o caminhão parava quase em frente à Prefeitura, eis que o veículo Gol da delegacia de Glória irrompeu na avenida. Parando ao lado do caminhão, de pronto desceram o delegado e dois soldados. A “menininha” estava nas mãos do capitão Wellington Costa da Silva, com quem eu mantive fraterna amizade até a sua morte. Costa deu ordem para ninguém descer do caminhão, apontando a “menininha” para o grupo. Os dois soldados também estavam com armas em punho e apontadas para os parentes do preso. Um dos ocupantes do caminhão quis parlamentar. O capitão não lhe deu ouvidos. Ficar na frente da boca de uma metralhadora não fazia bem a ninguém.
Resumindo: o caminhão foi obrigado a dar marcha à ré. Os parentes do preso regressaram ao povoado. A audiência foi realizada sem contratempos. Depois de tudo, o delegado achegou-se e contou à juíza e ao promotor o sucedido, isto é, como eu o tinha “requisitado”. Coisas do sertão. Aliás, apenas um fato interessante dentre tantos que este subscritor vivenciou nas plagas sertanejas, quando ali exerceu a advocacia nos anos 1980.
Que a minha querida amiga Carmem Rosa descanse em paz!
*PADRE. ADVOGADO. PROFESSOR DA UFS. MEMBRO DA ASL DA ASLJ E DO IHGSE
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