NOITE DE LUA CHEIA :: Por José Lima Santana
José Lima Santana* - jlsantana@bol.com.br
José Lima Santana ( Foto: Arquivo Pessoal)
Mal e mal o sol se escondia, muita gente se recusava atravessar o Beco de Filismina. Beco mal afamado. Beco mal assombrado. Seres medonhos, demoníacos, pareciam tanger as almas penadas que gritavam sem parar, correndo de um lado para outro, horas a fio, noites adentro. Era como se as espetassem com espetos de ferro em brasa. Ora, almas penadas tinham corpos para serem ferrados com ferros ardentes? Coisas do outro mundo, do submundo mais imundo do qual se podia falar. Forças negras do além dali faziam morada.
Reginaldo de Maria Zabelê da finada Telma de Américo Boiadeiro trabalhava no sítio de Chico Bonfim, cinquenta braças bem medidas para além do Beco de Filismina. Rege de Maria, como era conhecido, não era do tipo de homem que dele se podia dizer ser um cabra destemido. Era, sem tirar nem pôr, a negação da fama de valentia que acompanhava os homens da sua família. Homens brabos de punhal e trabuco. Mas, Rege de Maria fugia desse estereótipo familiar. Não passava de um borra-botas. Um cagão, na linguagem chula dos vadios.
Aquela era uma noite de lua cheia. Lua perigosa, que com ela arrastava toda espécie de coisa ruim. Rege de Maria atrasou-se no serviço.E ainda deu para ficar de trololó com uma filha de Messias Pão Duro, a mais nova de sete irmãs e por quem Rege arrastava asas. Passava das dez horas da noite quando Rege tomou a direção do Beco de Filismina. A animação da conversa com a pretendida fez o rapaz esquecer que teria que atravessar o Beco infestado por seres ou coisas desagradáveis. Ele apressou as pedaladas na velha bicicleta Monark, cuja corrente do pedal caia por brincadeira.
Ao entrar no Beco, Rege de Maria sentiu um calafrio tomar conta do corpo inteiro. Pensou em recuar, enquanto era tempo. Porém, ao avistar a silhueta de um homem que atravessava o Beco, no sentido contrário, sentiu-se bem, Não estava sozinho naquela travessia.
A bicicleta de cor azul foi comprada de segunda mão a Izidoro Funileiro e paga em cinco prestações mensais. Cada uma no valor de 20 cruzeiros novos. Corria o ano de 1968. Quando Rege de Maria estava para emparelhar com o homem que vinha em sentido contrário, eis que este sumiu. No momento, uma rajada de vento, um bafo estranhamente quente como que mordiscou as orelhas do quase namorado de Lucinha de Messias Pão Duro.
Um cheiro muito ruim de coisa podre, muito podre, rescendeu no ar. Ao ombrear-se com Rege, o homem escancarou uma bocarra de fogo vivo. Labaredas soltavam daquela bocarra infeliz, como línguas de serpentes gigantes. E foi então que, tendo parado e ficado sem ação, Rege foi abraçado pelo homem de fogo. Suas roupas incendiaram-se. Seu corpo assava-se sem se consumir. Vultos negros e horripilantes achegavam-se, vindos do cemitério. Rege não tinha forças para correr. Nem para gritar. Estava paralisado. Morto nas calças. O inferno abria-se diante dele. Lobos furiosos uivavam por todos os lados. Era o fim.
– Rege! Ô Rege! Acorda meu filho. Tá na hora de tirar o leite do seu patrão. Você quer desapontar ‘seu’ João Vieira. Ande. Se avexe!
Dona Maria Zabelê da finada Telma de Américo Boiadeiro viu a cara do filho Reginaldo como a de quem tinha visto assombração.
– Que cara é essa, meu filho? Você tá bem, Rege?
Pulando da rede, Rege disse: – Foi um sonho doido que eu tive minha mãe. Um sonho dos infernos. Ainda tô todo arrepiado.
Dona Maria Zabelê persignou-se. – Cruz credo, Rege!
Naquela manhã, Rege fez voltas, mas não passou no Beco de Filismina. Horas depois, ele soube que encontraram um corpo carbonizado no referido Beco. Era incrível como o corpo estava queimado, mas não consumido.
PADRE. ADVOGADO. PROFESSOR DA UFS. MEMBRO DA ASL DA ASLJ E DO IHGSE
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