MAIS UM PREFEITO CORRUPTO :: Por José Lima Santana
José Lima Santana* - jlsantana@bol.com.br
José Lima Santana (Foto: Arquivo Pessoal)
Porém, contudo e todavia, não foi nada disso, não. O pau quebrou lá pras bandas da Feira do Malvado, lugarejo pachorrento que, por obra e graça de um deputado assim, assim, com o governo do estado, foi transformado em município. Uma vergonha! Aliás, dos mais de cinco mil, quinhentos e tantos municípios que existem no Brasil, uma boa parte nunca deveria ter deixado de ser povoado ou distrito de outros municípios, dos quais foram desgarrados, para aumentar o número de agents públicos, dentre os quais prefeitos e vereadores, muitos deles da mesma curriola, mamadores nas tetas da vaca leiteira, embolsadores dos parcos dinheiros das respectivas viúvas, ou seja, das prefeituras. Vale dizer, do povo, tão sofrido, tão avacalhado por um bando de larápios descarados, que deveriam ser atirados no Baixio das Serpentes, sendo estas rastejantes suas inocentes primas.
O prefeito corrupto, antes que algum leitor ou leitora se descabele de curiosidade, era Leandrinho de Zé Fumaça, prefeito de Pau D’Arco, antigo povoado Feira do Malvado, denominação que lhe tinha sido dada em tempos mais do que idos, por conta da feirinha que ali se formou, por volta dos anos 1910, e por causa de um amansador de cavalos e burros, que gostava de judiar dos animais. Um malvado da costela oca. Um barrabás! Feira do Malvado. Na entrada do povoado miserável vicejava um frondoso pau d’arco amarelo, na beira da cerca de Tibúrcio Calça Frouxa, o sujeito mais mofino, mais covarde que o mundo viu nascer do Japão ao Catolé de Baixo, de onde o tal era originário. E para quem não sabe ou não lembra, o Catolé de Baixo continua de baixo, sem nunca ter subido a município, simplesmente porque nunca teve e não tem um deputado que lhe valesse, como ocorreu com a Feira do Malvado. O Pau D’Arco amarelo, ou ipê amarelo, da beira da cerca de Tibúrcio Calça Frouxa deu nome à nova cidade. Afinal, Feira do Malvado servia como denominaçao de um povoado, mas, não daria certo para uma cidade, venhamos e convenhamos.
Leandrinho de Zé Fumaça elegeu-se vereador por três vezes. Loroteiro, metido em farras de bar em bar, de bodega em bodega, amigueiro, marchante de porco, cujas carnes eram vendidas na feira local e noutras duas feiras de cidades vizinhas. Tinha lá seu bom pé de meia, uma mulher zelosa e duas filhinhas desabrochando para a vida. Gente fina, como se poderia dele dizer. Pelo fato de que queria ser prefeito, foi expulso do partido, o PPBRD (Partido Progressista Brasileiro Revolucionário Democrático). O prefeito de então, Afonso Bucho Largo, queria a reeleição. Era do mesmo partido. Ao saber que Leandrinho assanhava-se para tomar o seu lugar, ele deu pinotes, arrotou brasas, pulou num pé só, como se fosse um saci-pererê. Botou a tropa de choque nas ruas, para desmoralizar Leandrinho. Coisas da política tupiniquim, rasteira, que, quanto mais sobe, mais rasteira fica. De Pau D’Arco a Brasília, o caminho é tortuoso, temerário, com cães latindo aqui e ali. Cães da política. Sarnentos, rabujentos e raivosos. Com exceções muito raras, um bando de sariguês mal cheirosos.
O vereador, pré-candidato a prefeito, ingressou no PRPBF (Partido Renovador do Povo Brasileiro Faminto). Arrastou com ele, outros três vereadores da situação. Os dois da oposição ao prefeito Afonso Bucho Largo, somaram-se a Leandrinho. De nove vereadores, Leandrinho contava com seis, ele incluído. Bucho Largo era rico. Fazendeirão. Mas, como prefeito, era uma lástima. Vivia fora da cidade, cuidando de suas fazendas espalhadas por três municípios. A cidade vivia às moscas. Dos povoados, nem se fala. Campo aberto para Leandrinho de Zé Fumaça, que tinha esse nome, isto é, o pai de Leandrinho, porque era proprietário de uma fubica, um Ford Bigode 1928, que esfumaçava mais do que uma capineira pegando fogo.
Leandrinho fez-se em campanha. Juntou gente. Os pobres de Pau D’Arco ficaram com ele. Vitória fácil, apesar dos esperneios de Afonso Bucho Largo. Se o dinheiro dele valia, o povo valia mais. Uma vez na vida, ao menos, o povo valeu mais. Sóbrio, Leandrinho começou botando ordem na casa. Fez pequenas melhorias na cidade e nos povoados. Choramingou verbas. Zelou pelo dinheirinho do povo. Atravessou bem o primeiro ano. Servidores e fornecedores em dia. O governo do estado garantiu alguns adjutórios. Nem todos foram cumpridos. Porém, o novo prefeito não se deixava levar pelo desânimo. Fazia mutirões, consertava estradas há muito esburacadas, consertava casas de pessoas pobres, tudo no mutirão. O remedinho para os pobres não faltou. Escolas limpas, criançada com merenda garantida.
Perto do fim do ano, eis que sobreveio um problemão. Corrupção. Descobriu-se que Leandrinho era corrupto. Mais um prefeito corrupto nos anais da história da administração pública brasileira. Das prefeituras ao planalto, a corrupção escorria em tubos de grossa circunferência. Mundo perdido. Esperanças levadas pelo vento. Pelo vento medonho, qual furacão da ladroagem. Uma bagaçada!
O prefeito de Pau D’Arco não deixou de vender carne de porco salgada na feira da cidade. Não vendeu mais nas outras duas cidades, mas, na sua cidade, ele não quis perder a freguesia. “Prefeito é só quatro anos”, dizia ele. No meio da feira, Leandrinho foi acusado de corrupto por Jeremias Beato, um pobre amalucado que se dizia devoto de São Miguel Arcanjo, padroeiro da cidade.
Jeremias Beato berrou na feira: “Leandrinho de Zé Fumaça, você é o prefeito mais corrupto do mundo. Você corrompeu até o meu santinho São Miguel. O dia dele é 29 de setembro, que cai na quinta-feira, mas, você corrompeu o padre Milton Capitulino para mudar a procissão do meu santinho para o domingo. E o meu santinho não disse nada. Foi corrompido também. Quanto foi que você deu a ele? Diga quantas notas você deu ao meu santinho para ele aceitar a mudança da procissão, calado, sem dar um pio, seu corrupto descarado?”. Jeremias Beato era, sim, amalucado.
A verdade foi que, apesar do dia do padroeiro ser feriado na cidade, o prefeito Leandrinho convenceu o padre Milton, novato na Paróquia, a fazer a mudança da data da procissão para o domingo seguinte, a fim de acolher mais fiéis que vinham de fora. Era fato. E, enfim, todos ganhariam. Porém, foi exatamente por isso que o povo de Pau D’Arco ficou sabendo que o prefeito Leandrinho era corrupto. Tinha corrompido o padre e o santo, como protestou aos berros Jeremias Beato. “Se toda corrupção fosse assim, o Brasil seria o melhor dos paraísos”, diria Marcionilo da Patioba, vulgo Barão.
PADRE. ADVOGADO. PROFESSOR DA UFS. MEMBRO DA ASL DA ASLJ E DO IHGSE
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