MANECO BOSTA SECA :: Por José Lima Santana
José Lima Santana* - jlsantana@bol.com.br
José Lima Santana (Foto: Click Sergipe)
Julinho do Pau Ferro era cunhado de Maneco Bosta Seca, casado com a irmã deste, Dona Florinda, que lhe deu quinze filhos, todos vivos, graças a Deus, como se fosse um milagre, numa época e numa região onde os cemitérios enchiam-se de covas miúdas de anjos, como se dizia com os pequeninos que morriam aos magotes, atacados por doenças diversas, sendo as principais delas as que decorriam da água de beber sem nenhum tratamento. Água de tanques, barrenta, carregada de coliformes fecais e toda sorte de imundícies. Dona Florinda estudou até o ginásio e aprendeu a ferver e filtrar a água da cor de suco de maracujá, enlameada nos verões prolongados.
Maneco Bosta Seca foi empregado na Estação por obra e graça do cunhado, o mais próspero plantador de algodão e o único dono de uma fábrica de descaroçar o referido produto. Além do algodão, a riqueza de Julinho provinha também da criação de gado bovino em três boas fazendas de criar. Ele tinha boas aguadas e extensa plantação de palma forrageira, para aguentar os rigores das secas prolongadas. Porém, os anos de bons invernos suplantavam os anos de estiagem. Mas, darei conta de Maneco. Este recebeu o em nada atrativo apelido nas bancas de jogatina. Numa noite em que ele estava ganhando uma bolada no bacará, começou a caçoar dos parceiros, a contar pabulagem, a sentir-se rico e soltou esta frase: “Do jeito que a sorte me quer esta noite, vou acabar deixando Julinho meu cunhado para trás no quesito riqueza”.
Ao ouvir a eloquente frase de Maneco, Zé de João de Porfírio de Maria Rita esbravejou: “Fique calado, Maneco. Você parece bosta seca. Não fede, mas é bosta!”. Todos caíram na mais estrepitosa gargalhada. O próprio Maneco sorriu. Claro, a noite era sua. A bolada de dinheiro em sua frente, na mesa, assim o mostrava. Mas, apelido é como erva daninha: quando pega, não sai mais. Maneco Bosta Seca não saiu. Da jogatina, o apelido saiu para todas as bocas. Até o padre João Fagundes, tão circunspecto, o chamava de Manoel Bosta Seca. Jamais de Maneco. Por quê? Sabia-se lá! Cisma de padre velho.
Julinho candidatou-se a prefeito. Querido por todos na cidade, na situação e na oposição, acabou sendo candidato único. Era a primeira vez que o município teria um único candidato a prefeito em mais de sessenta anos de emancipação. Dele diziam ser “algodão entre cristais”, tal era a sua postura de camaradagem, de saber acomodar confusões. Naquela eleição, Maneco Bosta Seca apresentou-se como candidato a vereador. Também ele era benquisto na comunidade. Provavelmente, teria eleição garantida. Nisso todos apostavam.
Sendo uma eleição de candidato único a prefeito, o pleito transcorreu na mais perfeita normalidade. Nem seria preciso fazer comícios de povoado em povoado. Apenas um comício na cidade, nas vésperas do pleito, para animar os eleitores. Abdias Sanfoneiro foi contratado para fazer a festa. Naquele tempo, podia. Cada candidato a vereador faria um discurso de dez minutos. Tonho Martelinho, locutor do Serviço de Alto-falante Vera Cruz, era o animador do comício e o controlador do tempo da fala de cada candidato à Câmara Municipal.
Cada candidato a vereador foi fazendo o seu discurso. Uns eram por demais hilários. Outros não diziam coisa com coisa. Apenas dois deles, jovens ginasianos, filhos de fazendeiros, falaram direitinho. Todos falaram dentro do tempo previsto. Enfim, chegou a vez de Maneco Bosta Seca. Àquela altura, muita gente já tinha bebido todas. Tudo, porém, transcorria em paz. Maneco deitou falação. No tempo certo, Tonho Martelinho deu aviso, puxando na camisa do candidato, que não deu por aquilo. Continuou falando. Quinze, vinte, trinta minutos. O candidato a vice-prefeito, Miguelão de Zacarias do Brejo soprou no ouvido de Maneco: “Tu tem que parar, Maneco!”.
Em resposta ao dito de Miguelão, Maneco sapecou: “Estão tentando me impedir de continuar falando. Pois é agora que a garapa vai azedar. Não me chamam de Bosta Seca? Nesta noite, a Bosta está fresca, fresquinha, fresquinha. E só vou parar quando a bosta secar”. Naquilo, um gaiato gritou no meio do povo: “Pare de falar, seu Bosta Seca de bosta. Sua bosta tá mais seca do que a minha goela, que tá precisada de um gole. Desça daí e venha pagar uma bicada pra gente, senão tu vai perder a bosta da eleição”.
Maneco ainda falou por mais dez minutos, até que se deu por satisfeito. Desceu do palanque e tomou o rumo de casa, que pão-duro ele era. Pagar uma bicada para alguém? Nem pensar.
A eleição transcorreu na maior normalidade. A contagem dos votos era feita na sede da Comarca, em Piedade. Na única Junta Apuradora, uma única mesa escrutinadora. A contagem dos votos começava pelos dois Termos da Comarca, a fim de liberar as pessoas, para que mais cedo retornassem às suas cidades. Na vez de Curral dos Bois, e contados os votos do único candidato a prefeito, o Juiz Eleitoral, Dr. Aristides de Souza Ramalho, proferia os nomes dos candidatos a vereador, voto a voto. Nas nove urnas eleitorais, a votação de Maneco Bosta Seca não passaria de uns votos pingados. Logo, não seria eleito. Na verdade, amargou um desastroso décimo sexto lugar dentre vinte e um candidatos, para sete vagas na edilidade municipal.
Terminada a apuração, “seu” Valter Exator, que fez parte da Junta Apuradora, e era amigo de Maneco, disse-lhe: “Maneco, meu amigo, você vai ter que passar uma aguazinha na Bosta Seca. Ela está seca demais da conta e por isso os seus votos secaram.
O candidato derrotado respondeu: “Se passar uma aguazinha quiser dizer gastar dinheiro, a bosta vai continuar seca. E ademais, ‘seu’ Valter, bosta molhada fede”.
Maneco Bosta Seca nunca mais quis saber de candidatar-se. Há mais de vinte anos, aposentou-se do Ministério da Agricultura. Mudou-se, então, para a capital sergipana, onde os filhos, formados, dois médicos e uma engenheira, residiam. Em Curral dos Bois ficou o apelido. Terça-feira passada, informaram-se que ele veio a falecer aos 96 anos de idade.
*PADRE. ADVOGADO. PROFESSOR DA UFS. MEMBRO DA ASL DA ASLJ E DO IHGSE
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