DUAS SITUAÇÕES ABSURDAS: BRUMADINHO E AS DOENÇAS NEGLIGENCIADAS :: Por José Lima Santana
José Lima Santana* - jlsantana@bol.com.br
José Lima Santana (Foto: Arquivo pessoal)
Uma tragédia humana sem precedentes no país, considerado o tipo e a forma do lamentável acontecimento. Serão centenas de mortos, dado o número de mortos já contabilizados e o grande número de desaparecidos. Crimes hediondos. Assim deveriam ser considerados, embora, na raiz da legislação penal, assim não o são.
As terríveis e temíveis barragens do tipo a montante não são fiscalizadas de forma adequada. Na Bolsa de Valores, a Vale, de início, despencou. Mas, como o capital vive de oportunidades, especialistas aconselham os investidores a comprarem ações dessa empresa, enquanto estão com preços em queda, para poder ganhar amanhã, quando tudo se normalizar. No mercado, é claro. Nas vidas das famílias atingidas, do município onde a tragédia ocorreu e ao longo de uma vasta área devastada, a normalização não se dará ou demorará muito tempo para ocorrer.
Os governos não aprenderam. As autoridades que se sucederam no poder e nos cargos, não aprenderam. Teimaram em não aprender. Teimam. Teimarão? As mineradoras jamais aprenderão, se não forem cobradas devidamente como devem ser. A mediocridade dos órgãos e entidades que regulam, controlam e fiscalizam, ou, melhor, que deveriam fazer tudo isso em nome da decência, da ética, das leis, do respeito ao povo, haverá de continuar assim? Até quando nós suportaremos isso? De que adianta chorar, lamentar, condoer-se, fazer campanhas humanitárias? A nossa raiva haverá de dissipar. Até que outra tragédia, pior, muito pior, volte a acontecer.
Um país em que tragédias com causas idênticas se repetem, não é mesmo um país sério. É uma pena que este é o nosso país. Não é sério, porque quem deveria dar exemplo não o faz. E o povo acaba pagando o "pato", acaba “dançando”, ainda sem o querer. Somos um povo apático? Somos o povo do futebol e do carnaval?
Sem fiscalização, sem a devida e dura responsabilização, outras catástrofes ocorrerão e os responsáveis continuarão impunes, prontos para ensejar o aumento do capital, para distribuir maiores dividendos aos investidores. Maior produção com menor custo. Resultado: maiores lucros. O que mais importa? A ganância não tem tamanho. A falta de ética é infinita.
Na última quinta-feira, 31, o presidente da mineradora Vale, Fábio Schvartsman, afirmou que as sirenes que deveriam alertar sobre o rompimento da barragem de Brumadinho não soaram porque foram atingidas de forma rápida pela lama antes que pudessem disparar o alarme. “Em geral, pelo que o histórico de rompimento de barragem demonstra, em geral isso acontece aos poucos, e aqui aconteceu um fato que não é usual, houve um rompimento muito rápido da barragem e o problema da sirene é que a sirene que iria tocar foi engolfada pela queda da barragem antes que ela pudesse tocar”, disse o executivo. Onde se situavam essas sirenas? No caminho nefasto da lama. Meu Deus! E ainda temos que ouvir isso do presidente. Uma infâmia!
Agora, Schvartsman quer acelerar o processo das indenizações. Por bondade da mineradora? Qual nada! É para tentar se restabelecer perante o mercado, especialmente, o internacional. O executivo afirmou que o valor das indenizações será o "necessário" para a reparação dos danos. “O valor dos acordos é o valor que tiver que ser, não existe um valor definido, vai ser aquilo que for necessário. Quando for definido a extensão das vítimas o valor será decorrente disso”, afirmou Schvartsman. O que significa o valor “necessário”? Necessário para quê? Para quem? Isso ele não disse. Nem diria.
O outro tema deste artigo diz respeito a que cerca de um bilhão de pessoas no mundo, ou seja, um sexto de todos os humanos no planeta, são afetados pelas chamadas “doenças negligenciadas”: enfermidades que a indústria farmacêutica não tem interesse em pesquisar, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). O motivo? “Elas estão relacionadas à pobreza, não têm muito interesse para o mercado porque não dão um retorno lucrativo”, explica Sinval Brandão, pesquisador da Fiocruz e presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT).
A OMS classifica 17 patologias como doenças tropicais negligenciadas. Elas são diferentes uma da outra, mas têm em comum o fato de atingirem principalmente pessoas de baixa renda ou em condição de miséria, em lugares pobres e em países em desenvolvimento. Algumas das patologias são conhecidas há séculos, explica Ethel Maciel, epidemiologista da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Várias delas você já deve ter estudado na escola: teníase, lepra, doença de Chagas, esquistossomose, doença do sono, tracoma, oncocercose, filariose linfática, entre outras.
Para muitos que vivem em grandes centros urbanos no Primeiro Mundo, há a impressão (errônea) de que são doenças do passado, que já foram erradicadas. Afinal, em extensas partes do mundo nas quais as condições de vida e de higiene melhoraram, elas não são mais um problema. Mas elas continuam bem presentes, concentradas em regiões pobres do mundo, em áreas rurais remotas, em favelas e áreas urbanas sem saneamento, e, inclusive, no Brasil, onde aparecem em grande quantidade.
Por exemplo, “O Brasil foi responsável por 70% das mortes no mundo por doença de Chagas em 2017; contribuiu com 93% dos novos casos de hanseníase e 96% dos casos de leishmaniose visceral do continente, só para citar alguns exemplos”, diz Jardel Katz, gerente de pesquisa e desenvolvimento da DNDI (Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas). Se tanta gente é afetada, por que não se fala mais dessas doenças? Elas são silenciosas, diz a OMS, “porque as pessoas afetadas ou em risco tem pouca voz política”. E quando às vezes “chamam a atenção é quando saem do circuito de baixa renda e locais pobres em que normalmente são endêmicas e atingem a classe média, bairros ricos”, diz Ethel Maciel. “É o caso da dengue, por exemplo”. Algumas entidades consideram um grupo maior de enfermidades na lista das negligenciadas. O projeto G-Finder cita 33 enfermidades em seu relatório anual sobre doenças negligenciadas, incluindo tuberculose e malária na lista. O projeto é organizado pelo centro de estudos Policy Cures Research, dedicado a buscar formas de promover avanços na saúde da população mais pobre no mundo, e patrocinado pela fundação Bill & Melinda Gates.
Os pobres continuam a morrer sem que os ricos, os poderosos, os governos dos países ditos civilizados, a grande indústria farmacêutica, se deem conta disso. Todos estes não estão nem aí para os pobres.
*PADRE. ADVOGADO. PROFESSOR DA UFS. MEMBRO DA ASL DA ASLJ E DO IHGSE
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