Aracaju (SE), 23 de novembro de 2024
POR: José Lima Santana
Fonte: José Lima Santana
Em: 16/02/2019 às 23:29
Pub.: 18 de fevereiro de 2019

A ESCOVA E A BARATA :: Por José Lima Santana

José Lima Santana* - jlsantana@bol.com.br

José Lima Santana (Foto: Arquivo pessoal)

José Lima Santana (Foto: Arquivo pessoal)

Que dia terrível! Foi um daqueles dias em que nada, absolutamente nada, daria certo. Não deu. Três anos e meio de namoro jogados na lata do lixo. E tudo por culpa dele. Um deslize. Uma coisa pouca. Mas, um deslize, que mulher nenhuma costumava perdoar. E os homens perdoavam? Também aquela Cíntia não dava trégua. Que prima que ele tinha! Prima em segundo grau, mas, prima. Aporrinhou-o o tempo todo. Conseguiu o que queria. E ele, agora, a ver navios. Aliás, a não ver nada. Haveria de ter um jeito de reconquistar a mulher com a qual ele foi moldando a vida, deixando de ser o descarado que fora até aquela tarde, no Shopping, quando a encontrou pela primeira vez. Três anos e meio sem sobressaltos. Ajeitando-se na vida. Aprumando-se ao lado dela. Até voltar à faculdade, ele voltou. Tudo por insistência dela. Tinha largado o curso no sétimo período, para se dedicar ao comércio. Afinal, ia bem nos negócios. Mas, foi muito importante ter um diploma. Ajudava na hora de fazer as coisas, de acertar os custos etc. Formou-se em Contábeis. Uns professores “malas”, ele conseguiu, enfim, driblar. Antes, fora reprovado por dois deles. Discussões bestas na sala de aula. Invejosos. Ganhavam pouco, enquanto ele já estava bem situado nos negócios. Por isso, largara o curso. 

Preparando-se para casar no início do ano novo. Agora, tudo parecia ter ido de água abaixo. Seria preciso reverter a situação. Aquela Cíntia! Uma descarada, uma pervertida! Também, como ele foi cair na jogada dela? Um absurdo. Onde estava com a cabeça quando aceitou ir à casa dela e ficar lá de bobeira, para ela fazer aquelas fotos sem pé nem cabeça? Sim, sem pé nem cabeça. Ele, lá, sentado no sofá, e ela aproveitou-se dele, sentou na sua perna esquerda, ele descamisado, ela de roupas íntimas, e fez uma selfie. Maldição. Uma selfie! E ali estava a derrota de um homem. Como dizia a sua mãe, “quem mais suja a casa são os pombos e os primos”. 

Hora maldita. E a prima ainda achou de enviar as fotos para o “zap-zap” de outra prima, a da namorada, ou, agora, ex-namorada. E a prima, claro, repassou para a outra. Bomba. Bomba atômica. O mundo desabando ao redor dele. Uma prima. Uma selfie. E o mundo desandando. 

Que noite terrível! Dormir? Não tinha como. Voltou aos tempos da adolescência, quando tinha insônia, noites após noite. Não dormia um segundo. Amanhecia com a cara inchada e os olhos remelentos. A mãe procurou tratamento, mas, de quase nada adiantaram as consultas médicas, os exames e os medicamentos. Medicamentos pesados, traja preta. Ainda assim, pouco dormia. Quase nada. Insônia. Insônia. Insônia. O tempo venceria a insônia dos tempos de adolescente. 

Naquela noite, quase encheu a cara. Tomou uns uísques, apenas. Três ou quatro cowboys. Puros, descendo na garganta, tirando a sujeira, rasgando a goela. Zanzou de carro por aí. Quis ir à casa da cínica. Da desgraçada que desgraçou a sua vida. Ele? Não, não teve culpa de anda. Nunca dera em cima da prima em segundo grau. Nem mesmo antes do namoro. Quanto mais depois! Apenas a olhara uma vez ou outra com um pouco de malícia, um olharzinho despretensioso, na verdade. Nada mais. Mas, ela, Cíntia, dava em cima dele como carrapato em cima de lombo de burro magro. Os homens eram sempre uns santos. Eram provocados [assim eles se sentiam; pobres diabos].

Noite perdida. Consultou o relógio na cabeceira da cama. Passava das duas horas da madrugada. Deitara-se pouco antes de uma hora. O sono secou nos olhos. Levantou-se por volta das três horas. Estava suado. O ar-condicionado estava em 20 graus. Por que tanto suor? Tomaria um banho. A água fria esfriaria a cabeça. Quem sabia, não o ajudaria a dormir umas duas ou três horas. Precisaria estar de pé ainda cedo. Exames da mãe para fazer. Ele a levaria à clínica, como sempre o fazia. Foi ao banheiro. Tomou uma ducha. A água fria o aliviaria. Demorou uns vinte minutos debaixo do chuveiro. Enxugou-se. Não, a água fria não esfriaria a cabeça. Os miolos ferviam. Voltou para a cama. Revirou-se para um lado e para o outro, incontidas vezes. Uma selfie! Uma maldita selfie. A namorada (ex-namorada, bem entendido, ao menos por enquanto) já tinha ciúmes da prima em segundo grau. Uma sentada na perna esquerda. Apenas uma sentadinha. E tudo foi posto a perder. 

No passado, tivera muitas namoradas, “ficantes” e o diabo a quatro. Nenhuma mulher lhe tinha feito pensar a vida de modo diferente, antes de Raquel. Uma mulher para fazer a felicidade de um homem, para fazê-lo criar juízo, para ajudá-lo a tocar a vida com seriedade e serenidade. Não a poderia perder daquele modo. Ela lhe devolvera o anel de noivado. Uma frase. Apenas uma frase dita com determinação: “Jamais serei mulher de um homem de duas mulheres”. Porém, ele não tinha duas mulheres. Tinha apenas uma. Não queria outra. Nenhuma outra.

O dia amanheceu, encontrando-o como tinha caído na cama, pouco depois da uma da madrugada. Que dia ele haveria de ter! Dois caminhões de mercadorias tinham chegado na tarde anterior. Na tarde fatídica. Tudo aconteceu tão de repente. Um rolo compressor passara por cima dele, deixando-o moído. Mercadorias a ser conferidas pelos empregados sob a orientação dele. Com qual cabeça?

Levantou-se. Tornou a tomar banho. Fez a barba. Precisava fazer a higiene bucal. Foi quando se deu conta de que só lhe faltava aquela: uma barata lambendo a escova de dentes.

*PADRE. ADVOGADO. PROFESSOR DA UFS. MEMBRO DA ASL DA ASLJ E DO IHGSE

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