"FAKENEWS" E O DIABO A QUATRO :: Por José Lima Santana
José Lima Santana*
Imagem: Fake-news-imagem-pixabay
Notícias ou informações falsas têm inundado as redes sociais. Mentes perversas ou doentias – quem sabe, as duas anomalias juntas em algumas pessoas, até porque a perversão não deixa de ser uma degradação doentia – têm-se dedicando a produzir “fakenews” com as mais sórdidas intenções. De forma leviana e criminosa, espalham notícias ou informações falsas. Pessoas incautas ou mal-intencionadas acabam espalhando ainda mais as “fakenews”, nas mais diversas modalidades da mídia social.
Na atividade política, quando esta é realizada de forma suja, tem-se usado e abusado de “fakenews”, especialmente desde a eleição presidencial norte-americana, de 2016. De lá para cá, espalhou-se como uma praga ou erva daninha o uso das notícias ou informações falsas, causando danos potenciais a muitas pessoas, mas engordando a maldade de tantas outras. Talvez, não sei ao certo, se possa dizer, invocando Hanna Arendt, que estamos diante da banalidade das “fakenews”. Seria uma versão nova e, claro, imbecil, da banalidade do mal, como se o próprio mal já não fosse algo imbecil.
Tem-se postado textos atribuídos a determinadas pessoas, que jamais as escreveram. Escritores, profissionais liberais que lidam com a palavra, artistas, jornalistas, autoridades etc., têm sido vítimas, ou seja, “usadas”, para satisfazer a sanha criminosa de bandidos, que são financiados por gente graúda. Há estimativas de custos que podem chegar a R$ 5 milhões por mês, gastos por empresários para regar os “produtores” de “fakenews” de cunho vergonhosamente político.
No último fim de semana, uma “fakenews” ganhou as mídias sociais, com um texto ridículo, mal estruturado e atribuído ao Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto. Assim que recebi o texto, no “whatsapp”, vi, de logo, que o mesmo jamais poderia ser da autoria do meu duplamente professor, na graduação e no mestrado em Direito, Carlos Britto. O início do texto não tinha o estilo, a forma, a leveza, a precisão vocabular, a galhardia do Ministro. O que fiz? Imaginei que o bandido que produziu o texto canhestro e criminoso poderia ter errado ao grafar o nome do Ministro. Não deu outra. Acertei na mosca. O nome dele estava grafado como “Ayres Brito”. Brito com apenas um “t”. Miserável! Entregou-se, no fim, embora já estivesse entregue desde o início do texto malsinado.
Ao tomar conhecimento do texto ridículo, o Ministro Carlos Britto cuidou logo de registrar um BO em Brasília, além de desmentir a autoria do texto grosseiro no seu “Twitter”. No jornal “Estadão”, informou o Ministro, o jornalista João Bosco Rabelo tratou de esclarecer a situação. Na Academia Sergipana de Letras e na Academia Sergipana de Letras Jurídicas, das quais Carlos Britto faz parte, para alegria de todos nós seus confrades e confreiras, a solidariedade fez-se imediatamente manifestada. Diferente não poderia ser.
A banalidade do mal não tem fim, nem fronteiras. Ela se esparrama como “o diabo a quatro”, nas mais diferentes e moderníssimas versões. As mídias sociais são ferramentas poderosas, fascinantes e muito úteis, quando são usadas com o propósito de alcançar os objetivos para os quais foram concebidas. Contudo, delas se servem os propagadores do mal.
A história de vida de Carlos Britto não se coaduna com o texto desprezível que lhe quiseram imputar a autoria. Só as “bestas-feras” sem noção do que são os valores éticos que devem aureolar a vida e as vivências dos brasileiros e das brasileiras de bem, podem conceber texto tão vulgar, tão malévolo, atribuindo-o a outrem, e, logo, ao Ministro Carlos Britto, que honrou o STF, como honrou outros cargos públicos antes exercidos, a advocacia e o magistério superior. Aliás, muito antes de ser guinado à posição de Ministro, Carlos Britto já era renomado no meio jurídico, por meio de livros, artigos e, sobremaneira, de palestras e conferências realizadas e aplaudidas no Brasil e no exterior. No Supremo, ele só fez confirmar o que muita gente já sabia: a sua competência jus-filosófica. Competência que um escritozinho chulo não poderia desmerecer.
Zé de Tertulino, o “filósofo” popular do Beco do Canto Escuro, na minha terra natal, analfabeto de pai e mãe, mas com tirocínio aguçado, já dizia: “Quem não é do bem, é besta-fera”.
Esqueci, porém, de uma coisa, que é terrível de constatar, mas, que é, extremamente verdadeira (e não é “fakenews”!): cada vez mais, o Brasil vem se enchendo de “bestas-feras”. Acobertando-se sob os mais diversos matizes políticos e ideológicos, é bom que se diga. Mas, claro que, muito mais, nalguns desses matizes. Alguns querem trazer de volta as sombras que cobriram o Brasil em tempos idos, e que não devem voltar nunca mais. Para tanto, aviltam a democracia, tentam encurralar e desmoralizar instituições constitucionais, que são imprescindíveis ao estado democrático de direito. Não devemos permitir que as “fakenews” façam isso. Jamais!
P.S. A propósito, faleceu, na segunda-feira, 04/05, vítima da Covid-19, o compositor Aldir Blanc, aos 73 anos, autor de letras que figuram no mais alto panteão da MPB. Dentre elas, “O bêbado e a equilibrista”, imortalizada na voz de Elis Regina, e que veio a público num momento decisivo da nossa história, qual seja, a luta pelo retorno da democracia. Diz um texto da música: “Choram Marias e Clarisses / No solo do Brasil”. Refere-se a Maria, esposa do operário Manoel Fiel Filho, natural de Alagoas, da mesma cidade de Graciliano Ramos (Quebrangulo), morto, em São Paulo, em 1976, e a Clarisse (na verdade, Clarice), esposa do jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975, ambos perecidos nos porões da ditadura, mas, claro, a letra da música refere-se também a todas a esposas e mães que perderam os seus maridos e filhos, naqueles anos de chumbo. Que as mulheres brasileiras nunca mais possam chorar a perda de seus entes queridos, como choraram no passado, que não devemos aceitar de volta.
*Padre, advogado, professor da UFS, Membro da ASL, da ASLJ, da ASE, da ADL e do IHGSE