Messianismo político e jingles eleitorais (I) :: Por José Lima Santana
José Lima Santana*
José Lima Santana (Foto: Arquivo Pessoal)
Começo, todavia, este segundo artigo, para sequenciar a apreciação sobre o messianismo político nos jingles eleitorais, enfocando o brevíssimo jingle do candidato derrotado em 1960, o marechal Lott, cognominado “O Soldado Absoluto”, como é o título do livro de Wagner William (Editora Record), contendo a biografia do marechal, tido como um legalista por excelência, defensor da Constituição, que, aliás, ao morrer, em 1984, não lhe foram tributadas as honras militares, pelos seus camaradas no poder. Em 1955, ele impediu o golpe, que somente viria em 1964. Naquele ano, ele garantiu a posse do eleito, JK, um dos presidentes mais populares que o país já teve. Pois bem. O jingle mais popular de Lott, em 1960, talvez fosse o que dizia: “Espada de ouro / Quem tem é o marechal...”. Mas, havia outro, que foi apontado por muitos críticos como o melhor jingle de todos os tempos. Vai-se saber. O jingle é brevíssimo, de apenas 24 segundos, preciso, como requer a boa propaganda e comunicação: “De leste a oeste / De sul a norte / Na terra brasileira / É uma bandeira / O marechal Teixeira Lott”. Antes que os pessedistas me cobrassem, fica, aí, o registro.
Depois da malfadada renúncia de Jânio, quando “forças ocultas” tramaram contra ele – foi o que disse –, eis variados tumultos na vida do país. O vice-presidente João Goulart viu-se ameaçado de não tomar posse. Depois de negociações com os militares e forças conservadoras, impuseram-lhe o parlamentarismo, que durou dois anos. Veio o plebiscito. Venceu o presidencialismo, mas a vida política de Jango estava selada. Em 31 de março de 1964 (ou 1º de abril?), veio o golpe, cognominado, pelos seus deflagradores, de revolução. Mais um golpe chamado de revolução. Não foi o primeiro. Que, contudo, tenha sido o último. Eleições indiretas. Sem jingles para os generais. Mas, o ufanismo aparecia. Venderam a ideia de um tal “milagre econômico”. Pregaram: “Brasil, ame-o ou deixe-o”! Até um conjunto musical de grande sucesso, “Os Incríveis”, gravou “Eu te amo, meu Brasil”, um hino de louvor à ditadura, disseram os oposicionistas. A música, porém, fez um tremendo sucesso.
Vinte e um anos se passaram. Última eleição indireta pelo Colégio Eleitoral. Vitória de Tancredo Neves contra Paulo Maluf, o candidato do partido governista, que os militares, em grande parte, não queriam. Na convenção partidária, em 11 de agosto de 1984, Maluf derrotou o preferido dos militares, o coronel da reserva e três vezes ministro, Mário Andreazza, por 493 votos a 350, fato esse que motivou a cisão do partido (o PSD, sucessor da ARENA), dando origem à chamada Frente Liberal (depois PFL, atual Democratas) que apoiou o candidato da oposição Tancredo Neves, vencedor daquela última eleição indireta.
Um dos jingles de Tancredo dizia: “Pra resolver / Tem que ser agora / Chegou a hora da decisão / O povo inteiro está gritando / Tancredo Neves é a solução”. E adiante: “Tancredo já / Tancredo já / O povo está trancado / Quer se libertar”. A maioria das forças oposicionistas de então uniram-se a Tancredo com o apoio dos dissidentes governistas, que indicaram José Sarney, o caudilho do Maranhão, golpista de primeiríssima hora, como vice-presidente. No jingle de Tancredo o messianismo continuava. Tancredo faleceu a 21 de abril de 1985. A esperança de muitos ali se fora. Assume Sarney, talvez o vice mais oportunista e sortudo que a República já teve.
1989. Depois de José Ribamar, vulgo Sarney, ocupante da cadeira 38 da ABL, que tem como patrono Tobias Barreto, foi a vez do colorido e caçador de “marajás”, ou de “maracujás, Fernando Collor, na primeira eleição direta após a de 1960, para a presidência da República. Jingle de Collor: “O Brasil precisa de um sangue novo / O Brasil precisa de gente que sabe / O que deseja o povo / O Brasil precisa de Fernando Collor / Trabalho de verdade / Justiça e igualdade”. E mais: “Vai! Colorir o Brasil, vai! / O país todo vai / Colorir pra mudar / O povo precisa / De um Brasil novo”. Os eleitores caíram na onda do messianismo colorido. O homem que só tinha um tiro para restaurar a economia, atirou errado. E continuou errando. Impeachment. Veio o homem do topete, o vice Itamar Franco. Veio a nova moeda, em julho de 1994, o real. Estabilidade.
Em 1994, candidatou-se o senador e ex-ministro Fernando Henrique Cardoso, que ganhou de lavada, no primeiro turno, com 34.314.961 votos (54,24%) contra 17.122.127 votos (27,07%), dados ao seu principal opositor, Luiz Inácio Lula da Silva. O jingle de FHC dizia: “Tá na sua mão / Na minha mão / Na mão da gente / Fazer de Fernando Henrique / Nosso presidente / O Brasil precisa muito / Da força da gente / Levanta a mão / Levanta a mão / O Brasil precisa muito de você / Levanta a mão / Levanta a mão / Fernando Henrique / É o Brasil que vai vencer”. Pois sim. Com FHC, o Brasil venceria? Sem ele, então...? O messianismo também estava ali.
1998. Mais uma vez, no primeiro turno. FHC desbancou Lula com 35.936.540 votos (53,06%) contra 21.475.218 votos (31,71%). Dessa vez, o jingle: “Levante a mão / E vamos lá / Que o Brasil tá caminhando / Ele não pode parar / Quero avançar / Seguir em frente / Reeleger Fernando Henrique presidente”. Era preciso seguir em frente, mas com FHC, que “plantou a semente do futuro” e era o “pulso firme nesse tempo turbulento”, dizia também o jingle. Estabilizada a economia, FHC ganhou fácil, mais uma vez. De Collor a Bolsonaro, Fernando Henrique Cardoso foi o único candidato, e por duas vezes, a vencer as eleições no primeiro turno. Podia não ser populista, como alguns o dizem, mas ganhou a confiança do povo, naqueles dois momentos. O messianismo podia não ser o objetivo de alguns candidatos, mas os seus jingles sempre demonstraram um viés desse porte. O apelo por um salvador da pátria estava ali, nos jingles, de forma mais acentuada ou contida. Jingles assentados nas músicas de campanha.
No próximo artigo, o derradeiro dessa série, vou tratar das cinco últimas eleições: 2002, 2006 (Lula), 2010, 2014 (Dilma) e 2018 (Bolsonaro). O messianismo político continuou. As instabilidades nas instituições democráticas sempre acendem no meio do povo a esperança de um vencedor messiânico, ou melhor, de um messiânico vencedor.
*Padre, advogado, professor da UFS, Membro da ASL, da ASLJ, da ASE, da ADL e do IHGSE