Iniciando o curso ginasial :: Por José Lima Santana
José Lima Santana (Foto: Arquivo pessoal)
Março de 1967. Início das aulas da primeira série ginasial, no Ginásio Tertuliano Pereira de Azevedo, fundado em 1959, graças, sobretudo, à ação do então Juiz de Direito da Comarca, Dr. Aloísio de Abreu Lima. O Ginásio estava com problemas financeiros. Salários atrasados. Logo no início das aulas, a diretora, professora Nazaré dos Santos Lima, renunciou ao cargo. As esperanças de todos se voltaram para os três padres que chegariam à cidade, pois o velho pároco, Cônego Miguel Monteiro Barbosa, adoentado, deixaria o comando da Paróquia. O novo pároco, padre José Araújo Santos, que se fazia acompanhar dos padres Edgar e Antonino, este, um italiano, assumiria a direção do Ginásio e começaria um tempo novo.
Naquele ano, o Ginásio apresentava uma matrícula de 89 alunos. Destes, basicamente a metade era da minha turma, ou seja, 44 alunos, a maior até então recebida na primeira série. Estudávamos à noite, no prédio do Grupo Escolar General Calasans, da rede estadual, cedido à CNEG (Campanha Nacional de Educandários Gratuitos), que nasceu Campanha do Ginasiano Pobre, para virar o que hoje é a Campanha Nacional de Escolas da Comunidade, da qual eu sou Vice-presidente de Educação da Diretoria Geral, desde 2013.
Que bons tempos! E quantas presepadas! A professora mais temida era a de Ciências, Joana Maria da Silva, embora tida como a melhor professora que tínhamos. Certa noite, um aluno malandro colocou um jumento na sala de aula. De verdade. Os fundos do Grupo eram abertos e lá pastavam muitos animais. Alguns eram jegues, que serviam aos seus donos no transporte de água das fontes das Pedreiras da Rua da Capela e das Pedreiras do Brejo, para abastecer as casas, quando ainda não havia água encanada na cidade. Pois bem. As carteiras escolares eram de assento duplo. Lá no fundo da sala, estava, quieto, comendo na mão, o jumento nosso irmão, como cantou Luiz Gonzaga. Enquanto a professora fazia a chamada, nominando alguém, um aluno cutucava o animal, que fazia um ligeiro barulho. Quando a professora deu conta do bicho, quase teve um chilique. Quem foi, quem não foi o autor da estripulia? Ninguém soube, ninguém viu. “Ora o jegue já estava aqui quando a gente chegou”, disse alguém. O jegue foi “convidado” a retirar-se.
Ah, e a noite da escuridão provocada!? Era prova exatamente de Ciências. Muito conteúdo. Alguém teve a brilhante ideia de pedir a Lêda, nossa colega, filha de Maneca da Subestação de Eletricidade, para desligar a energia elétrica, na hora da prova. Não deu outra. Logo após o início da prova, ela sorrateiramente desligou a chave geral. Cidade no escuro. A energia só seria ligada muitos minutos depois. A sorte foi que Maneca não estava em casa, pois a casa ficava dentro da área da Subestação. Mas, pobre Lêda! O pai descobriu a sua façanha e deu-lhe uma surra danada. Ela nos salvou, porém, não pudemos fazer nada por ela.
Naquele meio tempo, eu comecei a escrever uns versos bestas, desprovidos de qualquer valor literário. Eu tinha doze anos. Num dos poemetos bestinhas está escrito: “Chorei / É feio homem chorar? / Chorei / Não de medo ou de covardia / Chorei de alegria / Quando soube / Que você ia voltar”. Quem ia voltar, eu não sei até hoje.
Um colega nosso, Zé Carlos, que era repetente em algumas séries e um pouco mais velho do que a maioria de nós, apaixonou-se por uma menina da casa da luz vermelha, que seria denominada “Inferno Colorido”. Ele foi visto num bar, bebendo, embora ainda fosse menor. Devia ter uns 16 anos. Um colega me contou o episódio. Zé bêbado, declarando o seu incontido amor pela menina da casa da luz vermelha. Não perdoei. Sapequei-lhe estes versos bestas, em forma de diálogo: “Ô Zé, por que estás a beber? / Bebo para esquecer / Quem? / Tua esposa? / Não / Tua noiva? / Não também / Mas, quem? / Uma de cabaré”. Ele ficou fulo da vida comigo. Que absurdo! Como era que ele queria cercear a criação artística? (Só rindo). Eu era arteiro. Todavia, eu era muito calado, nas aulas. Tinha um comportamento exemplar. Um colega sempre me disse que eu não era tímido, mas, sim, tabaréu. Talvez. Afinal, eu era suburbano. Afora Matemática, que passei com nota baixa, não tive dificuldades de vencer a primeira série ginasial. Parece que numa reunião de pais, o diretor, padre Araújo, fez referências a alguns alunos, dentre eles, eu. Ao passar pela Rua da Capela (à época, chamada de a Rua da Fofoca), três senhoras estavam conversando, e uma delas, ao ver-me, declarou: “O padre disse que aquele neguinho do João Ventura (o meu subúrbio) é inteligente. Como pode um neguinho daquele ser inteligente”? Guardei aquilo. Eu precisaria me esforçar ainda mais, para não desmerecer o dinheiro que meu pai pagava pelas mensalidades. Não sendo inteligente, na visão daquela senhora metida a rica, eu tinha mesmo que me esforçar. Acabei passando em quarto lugar. A Matemática puxou a minha média para baixo. Aliás, isso ocorreria nos anos ginasiais, exceto na terceira série.
Mensalidades. No início do ano, a mensalidade do Ginásio era de NCr$ 1,50 (um cruzeiro novo e cinquenta centavos). A nova moeda fora implantada em 13 de fevereiro daquele ano. A arrecadação não era suficiente para custear os gastos do Ginásio. Então, as mensalidades sofreram uma majoração de cem por cento (100%), passando para NCr$ 3,00 (três cruzeiros novos). Era assim, ou o Ginásio poderia ser fechado. Para ter-se um parâmetro, uma arroba de boi custava NCr$ 2,00. Hoje, uma arroba está custando 280,00. Logo, por esse parâmetro a mensalidade custaria R$ 420,00.
O encerramento de cada aula era anunciado pelo sino tocado por Valmir de mestre Pedrinho, alfaiate. Ao ouvir o toque do sino, a gente gritava: “Oi o leite”! Às segundas-feiras, as aulas terminavam um pouco mais cedo. Dava para assistir ao filme de bangue-bangue, na segunda sessão da noite, que começava às 21:00 horas, no Cine São José. Antes, a sessão única iniciava-se às 20:00 horas. O Cine passou a oferecer duas sessões, somente às segundas-feiras, às 19:00 e às 21:00 horas. Estávamos contemplados. O bangue-bangue das segundas-feiras raramente era substituído por um espadachim. Fosse lá! E, claro, não podiam faltar o cinejornal e o episódio de algum seriado. O que eu mais gostei foi o de “Flash Gordon”, antigo, que teve apenas uma temporada na TV norte-americana com 39 episódios, de 15 de outubro de 1954 a 15 de julho de 1955, repetido nos cinemas e chegando para nós com uma década de atraso.
*Padre, advogado, professor da UFS, Membro da ASL, da ASLJ, da ASE, da ADL e do IHGSE