Aracaju (SE), 22 de novembro de 2024
POR: José Lima Santana
Fonte: José Lima Santana
Em: 30/07/2021 às 16:56
Pub.: 02 de agosto de 2021

Perder pênaltis pode ser perigoso :: Por José Lima Santana

José Lima Santana (Foto: Arquivo Pessoal)

José Lima Santana (Foto: Arquivo Pessoal)

José Lima Santana*

Assisti, o que é raríssimo, a decisão da Eurocopa, entre Inglaterra e Itália, para torcer pelos italianos/brasileiros, já que alguns patrícios têm por lá dupla nacionalidade. Foi um bom jogo. Não o espetáculo dos espetáculos. Normalmente, quando o meu time não joga, o mesmo se aplica, claro, à Seleção Brasileira, eu não vejo jogo nenhum. Nem para torcer contra. Abri, pois, uma exceção, no dia 11. Ali, no estádio de Wembley, símbolo dos esportes ingleses, e, mais do que tudo, do esporte que, dizem, eles inventaram, ou, talvez, modelaram, estavam presentes 67.173 assistentes, dentre os quais, o segundo na linha sucessória britânica, o príncipe William, Duque de Cambridge. O príncipe, que também é presidente da Football Association (entidade que cuida da seleção do país e de algumas copas nacionais), foi acompanhado da esposa, a Duquesa Katherine Middleton, e do filho mais velho do casal, o príncipe George. Pai e filho têm tudo para um dia terem assento no trono ora ocupado por Elizabeth II. Era o dia de uma célebre comemoração dos súditos da rainha. Era para ser. Não foi. 

A minha torcida para a Itália aumentou em decorrência da queda, no dia anterior, e na Copa América, da nossa Seleção, que, diga-se de passagem, não mudou nada em termos de tática, desde a derrocada na última Copa do Mundo. Perdemos para os “hermanos” de Di Maria e companhia. Fiquei órfão, por uns instantes. Então, fui de Itália, também como homenagem aos italianos amigos que moram em Sergipe. 

No estádio de Wembley, o English Team tentava o primeiro título do torneio, na história. As melhores posições da seleção inglesa foram dois terceiros lugares, em 1968 e 1996. A Azzurra ia em busca do bicampeonato. A primeira conquista dos italianos aconteceu em 1968, enquanto ficaram com o vice-campeonato em 2000 e 2012. 

Empate no tempo normal e na prorrogação. Pênaltis. Isso, para mim, é um terror. Odeio cobranças de pênaltis. Imaginem, nas decisões. Dá arrepios. O técnico Gareth Southgate da Inglaterra esperava ganhar nos penais com jovens jogadores. Três deles bateriam pênaltis. Não deu certo. Os italianos perderam dois penais, dentre eles, o brasileiro Jorginho, que, no jogo anterior, tinha batido um pênalti de forma magistral. Mas, pênalti é pênalti. Afinal, os jovens Rashford, Sancho e Sako desperdiçaram as suas cobranças. Caiu a Inglaterra, frustrando seus mais de 67 mil torcedores no estádio e milhões pelo país afora. De pronto, pensei no pior para os jovens que perderam seus pênaltis, todos negros. Imaginei o que poderiam sofrer em termos de discriminação. Temi por eles. Não deu outra. Uma tristeza. Como é doloroso qualquer tipo de discriminação! Para nós, negros, isso é recorrente, disfarçadamente ou não. Aliás, a bem da verdade, não existe manifestação discriminatória disfarçada. Ela é sempre explícita. Numa escala maior ou menor, mas explicitada de uma ou de outra forma. Até em supostas brincadeiras. Brincadeirinhas levianas, torpes, ridículas, que machucam terrivelmente. Só sabe quem sofre com esse mal. Dizem alguns, como inconcebível justificativa, que as brincadeiras envolvendo os pretos têm um cunho cultural. Eu diria, bestial. Às vezes, porém, há aproveitadores que tentam se servir de situações discriminatórias ou até as inventam. Já vi isso também, infelizmente. Ninguém deve se aproveitar dessas situações. 

Pobres jovens, mal começando suas vidas no futebol, afirmando-se, desde cedo, na seleção inglesa, lugar para poucos, como em qualquer outro selecionado nacional. Pobres meninos, que viram suas falhas, comuns a tantos outros cobradores de pênaltis, eriçando os pelos animalescos de “respeitáveis” ingleses brancos. Estúpidos. Porém, a estupidez mostra a cara a toda hora e em todo lugar. No futebol, isso tem sido recorrente. Na Europa, então...! Europa branca, civilizada, que, a bem dizer, escravizou, dizimou, desestabilizou povos, saqueou etc., em todos os demais continentes. Europa branca, civilizada, rica, que, não podemos omitir, nos legou situações grandiosas, na cultura, mas que não servem para acobertar seus inúmeros crimes ao longo da História. A supremacia da “raça branca” ainda é cantada em prosa e verso por muitos. Até por pessoas ditas insignes que convivem conosco, no dia a dia. Às vezes, um olhar enviesado, uma observação “inocente” (que de inocente não tem nada), uma graça sem graça e assim por diante, lá está a tese da supremacia em exposição. O racismo é uma fera que tem a porta da jaula sempre aberta. 

Eu creio que os três jovens ingleses negros sabiam, assim que perderam os penais, quanto haveriam de sofrer. Aproveito para pensar se a minha avó materna, de família branca, o pai dela fora “senhor de escravos”, sofreu quando, trinta e sete anos depois da abolição da escravatura, casou com um negro, neto de escravos. A filha de Joaquim Leite Silva casada com um negro? Deve ter causado um rebuliço danado em Dores. Mas, graças a Deus, foram muito, muito felizes, em quase setenta anos de vida em comum, deixando descendentes loiros, sararás, morenos e negros. 

Bem. Autoridades inglesas combateram as ações discriminatórias, dentre elas o primeiro-ministro Boris Johnson, embora com certa relutância inicial. Este, pressionado por conta da grande repercussão e críticas sobre a postura do governo em relação a manifestações de cunho nacionalista nas partidas da Eurocopa, assim como a falta de apoio ao ato dos jogadores de se ajoelharem em protesto contra o racismo no início dos jogos, encontrou-se, na terça-feira, 13, com executivos do Twitter e do Facebook. O objetivo foi cobrar mais ação das plataformas diante dos pesados ataques racistas dirigidos aos três jogadores negros: Marcus Rashford, Jadon Sancho e Buyako Sako.

Um porta-voz anunciou que Johnson pontuou para as empresas de mídia social que precisavam fazer “tudo o que pudessem” para identificar os responsáveis pelo abuso racista aos jogadores de futebol da Inglaterra, e que usou a reunião “há muito planejada” para reiterar a necessidade urgente de ação para lidar com discursos de ódio em suas plataformas antes da entrada em vigor da Lei de Danos Online, em tramitação no Parlamento daquele país.

O primeiro-ministro foi uma das autoridades que tuitou contra os abusos e racismo na manhã seguinte à final, que decepcionou os ingleses. Entretanto, sua manifestação acabou se voltando contra ele e contra Priti Patel, Secretária do Home Office, ministério que cuida de justiça e segurança pública. Sendo assim, a reunião da terça-feira foi uma tentativa de reverter uma onda negativa que se agiganta a cada dia. Na quinta-feira, 15, pelo menos cinco pessoas tinham sido presas. Oxalá, outros discriminadores também o tenham sido ou sejam. E que os três jovens negros continuem suas vidas futebolísticas em paz.

*Padre, advogado, professor da UFS, Membro da ASL, da ASLJ, da ASE, da ADL e do IHGSE


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