As "repúblicas" da UFS :: Por José Lima Santana
José Lima Santana*
A Universidade Federal de Sergipe, naquilo que lhe competia e compete, ajudou a ajuda a moldar os espaços sociais, econômicos e políticos do nosso Estado, desde a sua fundação há 55 anos. O papel da UFS como instituição de ensino superior deveria ser cantado e decantado em prosa e verso, embora isso possa parecer “piegas”. Mas, não é não! Só quem passou pelas suas salas de aula, como eu passei, na graduação em Direito, entre 1977 e 1980, e no doutorado em Educação, entre 2018 e 2020, com defesa em fevereiro de 2021, sob a orientação de Josefa Eliana Souza, que escreveu a obra “História e Memória – Universidade Federal de Sergipe (1968-2012)”, publicada pela Editora UFS, em 2015, dando-nos um panorama do que foi, em grande parte a trajetória da única Universidade pública em terras sergipanas, sabe o valor da UFS, como promotora de políticas afirmativas.
Quero prender-me a um aspecto muito especial da UFS, que foi a existência das “repúblicas universitárias”, e, mais de perto, do tempo em que numa delas eu morei, durante os quatro anos da graduação. Quantos alunos da UFS, nos seus mais diversos cursos, nas décadas de 1970, 1980 e 1990 moraram nessas “repúblicas”? Nós que vínhamos do interior ou de outros Estados, sem condições de nos estabelecer em Aracaju, tínhamos a graça de morar numa casa alugada pela própria Universidade, que, além do aluguel, pagava o salário da empregada doméstica, o gás, a energia e a água. Aos estudantes cabia pagar a boia. Na minha “república”, que abrigava doze estudantes, a boia semanal custava, no primeiro ano letivo, 1977, Cr$ 100,00 (cem cruzeiros) por semana.
A estrutura administrativa de cada “república”, ao menos da minha e de outras que eu conheci, era a seguinte: um presidente, um secretário e um tesoureiro. A este cabia arrecadar o dinheiro de cada um para custear as despesas com a boia. Quantas vezes, quando a empregada atrasava um pouco, eu saía pela Rua de Maruim com destino à Faculdade de Direito, na Av. Ivo do Prado, onde, hoje, está o CULTART, comendo um pão com ovo! No segundo semestre do terceiro ano, nós mudamos para a Rua de Siriri, nas proximidades do quartel do Corpo de Bombeiros.
Naquela época, o governo federal, através de vários Bancos, facultava o empréstimo intitulado “crédito educativo”, que o estudante, somente com o comprovante de matrícula regular e documentação pessoal, contraía, para começar a pagar dois anos após a formatura. No início, o empréstimo era no valor de Cr$ 510,00 (quinhentos e dez cruzeiros). Com esse dinheiro, pagávamos a boia, que somava Cr$ 400,00 (quatrocentos cruzeiros) por mês, ou, raramente, Cr$ 500,00 (quinhentos cruzeiros), quando o mês tinha cinco sábados, o dia da feira semanal. Esta, aliás, na minha “república”, era feita, cada semana, segundo a escala elaborada pelo presidente, por uma dupla.
Dentre os meus colegas de “república”, posso citar Raimundo Silva, de Lagarto, pai do atual presidente da Câmara Municipal de Aracaju, Ricardo Vasconcelos, o professor de Física, Luciano Mendonça, da Serra do Machado, um dos fundadores do Colégio Ideal, Miguel, irmão do ex-vereador João Patola, de Itabaiana, Moreira, de Areia Branca, aposentado da Caixa Econômica Federal, João, de Itabaiana, aposentado do BANESE, Zezinho, santista, mas morador em Itabaiana, Toninho, de Ribeirópolis, Adenoaldo, professor aposentado da rede estadual, Nelson, de Estância, médico, que faleceu ainda muito novo, Jorge, um cearense, primo carnal do ator José Wilker, Valdir, de Propriá, advogado aposentado do BNB, e o décimo segundo, cujo nome falha-me a memória, até porque, já na Rua de Siriri, ele deixou a “república”, após morar pouco tempo conosco, e que fazia Medicina.
Como eu me tornei funcionário concursado do Tribunal de Contas, em 1977, fui eleito tesoureiro. Encargo danado, pois tinha que correr atrás, para arrecadar a grana da boia.
A assistente social da UFS era Antônia Edurvalina Nascimento, formada em 1957, na primeira turma da Faculdade de Serviço Social, e nós a chamávamos, carinhosamente, de “Mamãe Durvalina”. Como ela cuidava das “repúblicas”! Pena que ao falecer, segundo eu li, depois, em artigo publicado pelo médico e professor da UFS, Antônio Samarone, que também morou em “república”, ao enterro dela compareceram raríssimos estudantes dos que foram beneficiados pelo magistral programa da UFS, que era o das “repúblicas”. Na morte de Dona Edurvalina, eu estava viajando.
Muitos profissionais das mais diversas áreas moraram em “repúblicas” da UFS, homens e mulheres. Só para constar, o atual procurador de justiça, Paulo Lima de Santana, de Cedro de São João e o ex-senador Almeida Lima, nascido em Santa Rosa de Lima, mas criado em Dores, moraram na “república” da Praça Mons. Olímpio Campos, onde também moraram Roberto Lima, médico e ex-prefeito de Cedro, Aragão, médico do TCE, dentre outros. De vez em quando, eu filava a boia de lá, no almoço.
Quantos benefícios, ao longo dos anos, a UFS proporcionou a muitos estudantes oriundos de fora da capital! De longe, pois, vêm suas políticas afirmativas.
As "repúblicas" da UFS - Imagem: Reprodução
*Padre (Paróquia Santa Dulce dos Pobres – Aruana - Aracaju), advogado, professor da UFS, membro da ASL, da ASLJ, da ASE, da ADL e do IHGSE.