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Aracaju (SE), 26 de dezembro de 2024
POR: José Lima Santana - jlsantana@bol.com.br
Fonte: José Lima Santana
Pub.: 22 de setembro de 2015

Fugindo com o namorado da irmã :: Por José Lima Santana

José Lima Santana(*)  jlsantana@bol.com.br

José Lima Santana - Foto: ClickSergipe

José Lima Santana - Foto: ClickSergipe

O peculiar cheiro de bananas no fogo rescendeu pela casa e chegou à calçada. Dona Maria José de “seu” Filó, de batismo Filomeno, e, de cartório, Filomeno Pereira Vasconcelos, estava fazendo um doce de bananas em rodelas. Ou de rodinhas. Uma gostosura. Umas quantas dúzias de bananas prata, doces que eram quase como torrões de açúcar mascavo, colhidas no quintal fértil, de areia preta, cheia de minhocas, boa demais para bananeiras. E as bananeiras de “seu” Filó eram bem tratadas. Daí a doçura das bananas. Família grande, doce em quantidade. Dona Maria José caprichava no doce. Aliás, em tudo que ela fazia na cozinha. Cortadas em rodelas da mesma espessura, as bananas maduras, mas não maduras demais, porque, se assim fosse, amoleceriam na fervura da calda, e isso não era bom, pois um doce de bananas que se prezava tinha que ser de rodinhas durinhas, mas não tanto, ou seja, não crespas, não soladas, como se fossem emborrachadas. Ah, como tinha gente que não sabia fazer um doce de bananas de rodinhas! Não sabia dar o ponto certo na calda. Não sabia a quantidade certa de açúcar a depender da quantidade de bananas. Nem a quantidade de água sabia. E aí, ficava colocando um pouco de água agora, um pouco depois. A calda perdia o ponto. Ficava um doce aguado. Com rodinhas amolecidas. Outras vezes, crespas. Um nojo! Não, o doce de dona Maria José não era desse tipo.
Quanto mais o doce fervia, mais o cheiro rescendia. As rodinhas de bananas ganhavam cor. Ficavam coradas. Avermelhadas, como se dizia, se bem que não eram vermelhas propriamente ditas. É claro que a cor dependia do ponto que a doceira quisesse dar: mais coradas ou menos coradas. A mulher de “seu” Filó gostava das rodinhas mais morenas, da calda grossa. Uma lasquinha de casca de canela, na fervura, e um punhado de cravo, na medida certa, ao final do cozimento, eram a tônica do gosto ainda melhor. “Seu” Filó gostava do doce de bananas de rodinhas com farinha de mandioca bem fininha. “Um pozinho de farinha”, como ele dizia. Depois de bater para o bucho o pires do doce, um caneco de água fria de moringa de barro. Moringa velha, que não tinha o ranço da argila. Moringa nova botava a água a perder.
Naquela tarde, na calçada da casa de Dona Maria José palestravam “seu” Filó e dois vizinhos: Zequinha do Bamburil, dono da padaria e de boa solta de gado mestiço, e “seu” Jonas, antigo carreiro, cujo carro de bois estava aposentado há uns dez anos. Não demorou muito e ao grupo de amigos juntou-se Marcolino de Dodô de João Canguinha. Barbeiro dos bons. E, mais ainda, sanfoneiro. Nisto, porém, não era lá grande coisa, não. Tocava, ou melhor, arranhava um velho fole pé de bode, ou seja, uma sanfona de oito baixos. Folezinho surrado da moléstia. Os quatro amigos estavam na maior prosa, falando de Deus e do mundo, quando o cheiro do doce de bananas cresceu, entrando pelos buracos das ventas dos que ali estavam. “Ê cheirinho bom, ‘seu’ Filó, esse cheiro do doce de dona Maria José. Se ela vendesse o doce, não ia faltar freguesia”, disse Marcolino. Ao que “seu” Filó respondeu: “Você não haveria de ser um bom freguês. Num gosta de gastar. Até parece que tem uma cobra coral no bolso”. Todos riram inclusive o próprio Marcolino. E era a mais pura verdade. Sujeito sovina estava ali.
A prosa dos amigos continuou e o cheiro do doce, quase no ponto, aumentou. Logo mais, o doce seria retirado do fogo e o cheiro se acomodaria. Restaria a gostosura para quem fosse comer. Aquela era uma tarde de sol brando, começo de primavera. As mangueiras e os cajueiros floresciam nos quintais, que eram uma beleza. Sinal de boa safra.
De repente, chegou esbaforido o filho mais novo de “seu” Filó e dona Maria José, Tutuca. Chegou sem fôlego. “O que foi, meu filho?”, gritou “seu” Filó. E o menino, que tinha doze anos: “Pai, Rosinha disse na escola que vai fugir com Roberto de ‘seu’ Zequinha”, respondeu, apontando para o dono da padaria. “Rosinha vai fugir com quem, Tutuca?”, indagou “seu” Filó. “Com Roberto, pai!”. Espanto geral. Então, Roberto de Zequinha do Bamburil não era namorado de Maria Cândida, outra filha de “seu” Filó? Tutuca, porém, confirmou. Rosinha disse à professora Lídia que iria fugir com o namorado da irmã. A professora Lídia respondeu: “Não faça isso, menina. Tenha juízo!”. E os dois, Rosinha e Roberto, ficaram sentados debaixo do pé tamarindo, no pátio da escola, com uns papeis nas mãos. A professora Lídia, caminhando para lá e para cá, balançando a cabeça, como se estivesse chorando. Tutuca e os colegas ouviram quando Rosinha disse: “Eu aceito fugir com você, agora mesmo”. Tutuca e os colegas saíram às pressas para dar o aviso. Ali estavam dois colegas como testemunhas.

Quando soube do ocorrido, Maria Cândida, que estudava na sala, caiu em prantos. Maldisse o agora provável ex-namorado e a irmã. Que uma bruxa atravessasse no caminho deles. Que a irmã nunca tivesse filhos. Que o seu ventre secasse como um galho de árvore cortada. Que... Bem, foi um mundão de pragas. Mas ela se esqueceu de um detalhe, que adiante se dirá.

Ninguém mais deu conta do cheiro do doce de bananas de rodinhas, que estava na hora de sair do fogo. Alvoroço. Dona Maria José desamarrou o avental, mas não se esqueceu de tirar o caldeirão do fogão à lenha. Tentou acalentar a filha. Foi até a calçada. Não sabia o que dizer. Só repetia: “E agora, hein, Filomeno? E agora, hein, ‘seu’ Zequinha?”. Decerto, era uma perdição. Roberto namorava Maria Cândida há um ano e dez meses. Ela, com dezoito anos, e ele, com vinte. O rapaz era o braço direito nos negócios do pai: a padaria e a solta de gado. Ele próprio já tinha um pequeno pé de meia. O casal de namorados ainda estava no colégio, um pouco atrasados, estudando à noite. O enxoval da moça já estava sendo preparado, aos poucos. Todavia, quanto a Rosinha, ela não passava de uma menina de apenas quatorze anos. Estava terminando o ginásio. À tarde. Era adiantada. E fugir com o namorado da irmã sem quê nem pra quê? Era uma doidice. Bem, ninguém sabia o que dizer. Ninguém tinha o que dizer. Fazer o quê? Esperar por uma notícia mais segura? “Seu” Filó chamou Zequinha às falas. “Sabe, Zequinha, se for assim, a gente tem que se acertar. O que eu não aceito é uma filha desonrada”. O comerciante respondeu: “Vamos cuidar de tudo, Filó. Roberto não pode ter perdido o juízo”.  
Mal disse o que disse, Zequinha do Bamburil apontou para o começo da rua: “Olhe o meu carro ali!”. Com pouco, o Chevrolet parou. Desceram Roberto, Rosinha e a professora Lídia. Todos sorridentes. Tutuca e os colegas ouviram, sim, direitinho, a conversa entre os três, como fora relatado. Só que era o ensaio de uma peça teatral que a professora estava preparando com os alunos, para comemorar o aniversário do Colégio. Detalhe que Maria Cândida esqueceu. Ela não quis participar da peça e indicou a irmã.
A professora estava ali para pedir a dona Maria José que colaborasse com uns doces para a festa. Nada mais. Ora, todos comeram, então, do doce de bananas de rodinhas, ainda morno, que dona Maria José serviu com alegria. E Tutuca não merecia castigo. A peça foi um sucesso. O aniversário do colégio foi uma festança. Doces não faltaram.
Dois meses depois, Rosinha fugiu com Roberto. De verdade.

 

(*) Advogado, professor da UFS, membro da ASL e do IHGSE

Publicado no Jornal da Cidade, edição de 20 de setembro de 2015. Publicação neste site autorizada pelo autor.

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