O Eclipse :: Por José Lima Santana
José Lima Santana*
José Lima Santana - Foto: Arquivo pessoal
Apanhada no caminho da fonte, pote à cabeça, Dona Celinha de Juarez Perna Torta chorou como uma condenada à véspera do enforcamento. Na bodega de Cândido Saco Murcho, ele mal teve tempo de fechar a gaveta com as nicas e umas poucas notas sebentas, para esconder-se atrás da velha geladeira movida a bateria. Não tinha ninguém na venda.
A professora Maria da Glória, nos seus sessenta e poucos anos, que tinha acabado de fechar a porta, após a saída do último aluno, retardatário nas lições, deu um chilique e foi socorrida pela sobrinha, Lindô, com quem morava. Duas solteironas. A professora catou o terço de marfim, presente do padre Manoel Monte, e enfiou-se nas orações do Pai Nosso e da Ave-Maria.
Nas ruas da cidadezinha perdida nos confins do sertão já castigado pela seca em plena primavera, um bajo quente e um fedor de enxofre empestearam o ar. Foi o que diria, depois, Arlindo de Sá Rosa do finado Piteco dos Araçás. Mas, pelo que se poderia apurar, somente ele sentira tal bafo e tal fedor. Más línguas, que não faltavam em nenhum lugar, diriam que o fedor de enxofre era dele mesmo, de Arlindo de Sá Rosa, que não gostava de tomar banho. Ia-se saber!
Galos em cantoria não paravam de assustar ainda mais as pessoas. O mundo estava em desembesto. Na pracinha onde se situava a igreja e as casas dos mais aquinhoados, um redemoinho fez graça. Ou desgraça. Pedro de Belinha, apanhado no meio do rebuliço, gritou: “Valei-me, meu Jesus!”. Um cisco entrou em seu olho esquerdo e ardeu mais do que pimenta posta onde não se devia.
No céu, além de estrelas que pareciam cair, um pedaço de lua avermelhada assustou quem a pôde ver. Da janela da varanda, Zito de Maria de Julião benzeu-se três vezes e chamou por Nossa Senhora do Desterro, enquanto sua filha donzela e vitalina gemia na sala, pensando em morrer sem ter casado, sem que nenhum homem, mesmo um troncho, lhe tivesse feito proposta de casamento ou de amigação, lá que fosse.
Pai Jeremias Mutamba, conhecedor de coisas ocultas, mestre nos fazeres e desfazeres de casos amorosos e muito mais, encontrava-se na Gruta do Nêgo, cuidando dos seus encantados quando a escuridão cobriu o mundo. Escorou-se no seu ente afro e achou que o fim estava por acontecer. Era a falta de obrigações suas, do passado. Ali estava, pensou, a cobrança.
Na casa paroquial, há pouco erguida, com o sacrifício dos fiéis, o padre Aroldo Vinhas, ordenado não fazia muito, abriu a Bíblia no livro do Apocalipse e entregou-se às orações. Lembrou de sua falecida avó materna, índia de nascença, que falava de uma noite antecipada a varrer o mundo, quando menos o povo esperasse, por causa das maldades dos homens. O jovem padre teve uma visão: viu o dragão transmitindo seu poder à besta-fera, como no capítulo 13 da Revelação.
Zé Pequeno, que não passava de um metro e meio com rabo e tudo, e falto de juízo, saiu de casa, gritando pelas ruas que o Arcanjo Gabriel estava de espada à mão, para guerrear contra o inimigo de Deus. A peleja estava para começar. Se ele vencesse, o mundo estaria a salvo. Do contrário, ninguém, escaparia do juízo final.
Enfim, cada qual teve o seu pedaço de medo e de expectativa.
Não se passaram mais de quinze ou vinte minutos, e eis que a escuridão foi se dissipando. As estrelas acomodaram-se nos seus cantos celestes. A lua avermelhada banhou-se de prata e sumiu. O rei Sol retomou o seu império. E o mundo não se acabou.
*Padre (Paróquia Santa Dulce dos Pobres – Aruana - Aracaju), advogado, professor da UFS, membro da ASL, da ASLJ, da ASE, da ADL e do IHGSE.