Toinzin mão-de-figa :: Por José Lima Santana
José Lima Santana*
José Lima Santana - Foto: Arquivo pessoal
Naquela manhã, Toinzin de Chico Raposa deu de esbanjar dinheiro. Logo ele, o maior mão-de-figa que o Novo Mundo conheceu. Quiçá, o mundo inteiro. Em casa, na Rua do Capuco onde morava, na bodega de Sinhazinha de Américo Boca Torta, na Pracinha do Jacaré, onde tem um arremedo de barbearia, Toinzin é citado, recitado e trecitado como o sujeito que não abre a mão nem para dar adeus.
Alguém falou em sovina, falou em Toinzin. “Talí um sujeito que não come cocô porque fede”, proclamava João de Gerôncio, cunhado, casado com Maria Célia, irmã mais nova do mão-de-figa.
Aquela manhã seria única na vida de Toinzin, manhã de desperdício de dinheiro, de fazer um barrote desmedido. Barrote, no linguajar de Belo Monte, cidadezinha de nascença de Toinzin, não significa peça de madeira de seção reduzida, usada para fixar assoalhos, forros etc. Não! Barrote é corruptela do verbo abarrotar. Fazer barrote é, pois, gastar à vontade, fazer festa. Foi o que fez Toinzin naquela manhã.
O padre Fonsequinha, quarenta e cinco anos de peleja em prol do Evangelho de Jesus Cristo, andando em lombo de burro ou de cavalo pelas trilhas dos vinte e seis povoados do Município, para dizer missas aqui, ali e acolá, batizar os pagãos, crianças ou nem tanto, assistir casamentos, muito raros, levar a santa hóstia aos fiéis, confessar uns poucos, deu na telha de encomendar um sino novo para a igreja. Encomenda feita em Minas Gerais, uma finura em obra de arte e som. Desde que chegara à cidade, vindo de Brejo das Almas, há doze anos, o vigário intuiu que o sino existente, pequeno e de som mixuruca, precisava ser trocado. Mas, cadê o dinheiro para encomendar o sino novo, grande e digno do louvor a Deus?
Passada a festa de Nossa Senhora das Dores, padroeira da cidade, eis o padre batendo de porta em porta, a angariar o suficiente para pagar o sino já encomendado. Naquela manhã de outubro, o prelado tinha arrecadado oitenta por cento do valor do sino. Teria que fazer o pagamento no dia 30. Era uma terça-feira, dia 28. Faltavam dois dias para o vencimento. O povo estava escaldado com os gastos da festa da padroeira, no ano em que a Paróquia completara 200 anos. Foi uma festança. A casa paroquial viveu sete dias de furor, de entra e sai de padres e beatas, algumas vindas das redondezas, para pagar promessas ou apenas para viver dias de folia, na fé. Folia, na fé? Bem...
Abeirando-se da barbearia de Toinzin e sabendo que daquele mato nunca saía um coelho, nem um preá ao menos, o padre Fonsequinha, bochechas largas e avermelhadas, batina preta, impecável, benzeu-se e fez uma breve e contrita oração. “Bom dia, ‘seu’ Toinzin. Como vão as coisas? E Dona Margaridas de Joca Ferro Velho, sua distinta esposa, como tem passado? Ela melhorou da dor na perna?”.
O padre era jeitoso. E para dar uma “facada” em Toinzin, nem que fosse uma coisinha de raspão, tinha que ter tutano e palavreado. “Deus é grande”, como diz Julinha de Zé das Timbiras. Pois naquela manhã, só mesmo por milagre de Nosso Senhor Jesus Cristo, Toinzin abriu a burra. Perguntou ao padre quanto faltava para completar o dinheiro do sino. Com a resposta do sacerdote, o barbeiro abriu uma gaveta, mantida a chave, e entregou ao servo de Deus o que faltava para completar o pagamento do sino novo. Toinzin, diziam as línguas soltas, não abria a mão nem para a manicure. Abriu para o padre, pela primeira vez. “Sino bom é o da igreja do Amparo, ‘seu’ padre. Tomara que o nosso seja igual”. Sorriso aberto, o padre exclamou: “Será melhor, ‘seu’ Toinzin. Será muito melhor, eu garanto”. Aquela manhã terminaria com um baita aguaceiro. Na pancada do meio-dia, uma trovoada lavou a cidade.
*Padre (Paróquia Santa Dulce dos Pobres – Aruana - Aracaju), advogado, professor da UFS, membro da ASL, da ASLJ, da ASE, da ADL e do IHGSE.