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Aracaju (SE), 10 de janeiro de 2025
POR: José Lima Santana
Fonte: José Lima Santana
Em: 10/01/2025 às 16:19
Pub.: 10 de janeiro de 2025

O segredo de Lucinha :: Por José Lima Santana

José Lima Santana*
José Lima Santana (Foto: Arquivo Pessoal/José Lima Santana)
Lucinha de Badajó do finado João de Lira morreu solteirona, segundo consideravam os familiares e conhecidos, deixando fabuloso cabedal em dinheiro e terras. Morreu, ao que parecia, de manhãzinha. Ou, por outra, como diria Zefa Fofoquinha, “acordou morta”, a cabeça pendida para um lado da cama, em direção ao chão. Uma baba fina escorria do canto da boca. A roupa de dormir estava sem maiores amassados. O baby-doll azul turquesa mal cobria os mondongos dos joelhos. Era uma mulher que ainda teria boa serventia como esposa, não tendo chegado aos cinquenta anos. Longe disso. E detivera, na vida recém-apagada, boa figura. Mulher de bons modos e de boas feições. Dir-se-ia, uma dama.
 
Era a sétima filha do finado Rodrigo Freire Badajó de Lira e de Dona Setembrina, ele descendente do maior plantador de algodão do agreste do Cata Quatro, enquanto ela vinha da família dos Ouriços, gente das terras aguadas do Mato Grosso, por ali arranchada quando um Ouriço, de nome Domingos da Guia, coronel de patente comprada, descobriu um veio de prata, nas encostas da Serra da Barriga D’Água. Famílias ricas dos dois lados. 
 
A fortuna de Rodrigo e de sua esposa, dividida entre os sete filhos, gerou outras muitas riquezas. Entre homens e mulheres, seis tomaram-se em casamento, mas Lucinha, dizem, desgostosa porque o pai não lhe permitiu namorar com um pé rapado, colega de escola, um filho de Jardelino, oficial de justiça, que, na época, ganhava uma miséria, preferiu a donzelice. Coitada, uma pena! Teria dado uma beleza de esposa e mãe.
 
As más línguas, jamais faltantes em todos os lugares, comentavam que Lucinha padecia de terríveis ardores noturnos. De onde saiu a conversa? Da boca de Totoinha, empregada doméstica. Esta não guardava certos segredos da patroa, que, a despeito da língua de trapo que possuía, tinha-lhe grande apreço.
 
Quem primeiro foi avisada da morte da irmã foi Anália, a irmã mais velha. Dela, em corrente, os demais irmãos foram avisados. Com exceção de Romualdo, os demais moravam em Água Santa. A notícia, claro, causou choque e rebuliço na família. 
“Tem certeza?”, indagou um. “Não é possível!”, exclamou outro. Agonia e choro. Houve quem entrasse em descompassados batimentos cardíacos. 
 
Lucinha tinha apartamento na capital, onde passava um fim de semana a cada mês. Passou a dois fins de semana, depois três, depois todos os fins de semana, há uns dois anos mais ou menos. Discreta, era pouco vista em shoppings, restaurantes ou outros lugares públicos. Era uma quarentona muito recatada. 
 
Não fazia muito tempo, Lucinha tinha ido ao Dr. Bento Reis, cardiologista, para o check-up anual, que ela não deixava de fazer. Tudo tinha saído nos conformes, todos os exames. Todos. Na família, ninguém tinha morrido de ataque cardíaco. Era o primeiro caso, pelo que se sabia. 
 
A cidade entrou em alvoroço com a notícia da morte tão ligeira de Lucinha. Uma ricaça que não tinha chega-pra-lá com ninguém. Era dada com todo mundo, diferente dos irmãos e irmãs, que pareciam ter reis e rainhas nas barrigas, que os vermes da terra haveriam de comer. 
O velório de Lucinha foi concorridíssimo, como era de se esperar. Até o deputado Melo de Alencar, votado pela família dos Ouriços compareceu com a esposa, na impossibilidade de acompanhar o féretro, por compromissos inadiáveis, no fim da tarde.
 
À missa de corpo presente compareceram, além do cônego João de Deus, pároco local, os padres de quatro cidades circunvizinhas. Uma multidão acompanhou o cortejo, ao som de músicas fúnebres, tocadas pela Lyra Carlos Peixoto, sob a batuta do mestre Tonho Buraquinho, festejado e arrojado. 
 
Corpo sepultado, providências para dar entrada no inventário, dias depois. Uma fortuna a ser dividida entre os seis irmãos. Um sobrinho de Lucinha, Dr. Felício, seria encarregado das providências forenses. 
 
Antes de dar entrada no processo judicial referente ao inventário, um moço apessoado procurou o Dr. Felício em seu escritório, na capital. Surpresa de todas as surpresas. Lucinha tinha, em segredo, contraído casamento civil, dois anos antes, sob o regime de comunhão universal de bens. Nascida na capital e ali registrada, no cartório do registro civil de “seu” Neném, em Água Santa, não poderia ter a averbação do casamento realizado na capital. Portanto, ninguém da família sabia daquele enlace matrimonial. 
 
O moco apessoado era o filho de Jardelino, o oficial de justiça, que não pôde namorar com Lucinha, na juventude. Indo para o sul do país, jamais se casou. Retornou ao estado após passar em concurso público para professor da Universidade Federal, há três anos. 
 
*Padre (Paróquia Santa Dulce dos Pobres – Aruana - Aracaju), advogado, professor da UFS, membro da ASL, da ASLJ, da ASE, da ADL e do IHGSE.


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