Aracaju (SE), 17 de outubro de 2025
Pub.: 17 de outubro de 2025

Raparigas de presos :: Por José Lima Santana

José Lima Santana*

José Lima Santana - Foto: Arquivo Pessoal

A Rua do Berimbelo estava coalhada de gente. Gente desocupada, gente de passagem por ali, para alcançar a Praça do Comércio, antiga Praça do Quem Dera. Uns bisbilhotavam que a mulher de Quincas Berro Grosso seria presa por desacato à mulher do prefeito Tonho de Neneca. As duas não se davam bem, desde os tempos de mocinhas, quando uma tomou o namorado da outra, mas nenhuma delas casou com o tal namorado tomado. Quem desposou Abelardo Aparício foi Duquinha do finado Zé de Faustino da Vaca Serrada. 

O que se sabia, o que corria à boca solta na cidade inteira era que Maria das Dores, mulher de Quincas, andara soltando o malho em Maria Dulce, a primeira-dama. Resenhas, brigas de mulheres, no disse-me-disse. Altercações entre ambas em frente ao cartório de ‘seu’ Neném do Itapicuru. Coisa feia, para duas mulheres da sociedade de Várzea Grande, a última cidade emancipada no Estado, que, deveras, nunca deveria ter se apartado de Brejão dos Afonsos, tal era a sua pequenez, um arremedo de vila, que mais parecia com uma aldeia dos tempos do pratrasmente, das eras coloniais. 

Quem presenciou a lengalenga das duas senhoras, além do escrivão, dizia que a coisa iria feder a chifre queimado. Só não se sabia de quem era o chifre, pois na cidade muitos falavam das duas, de que ambas eram dadas a botar certos enfeites nos respectivos maridos. Há que se descontar o descontrole de muitas línguas, línguas ferinas a ferir a dignidade e a honra das pessoas. Esse tipo de gente não faltava ali ou alhures. 

Tornemos à Rua do Berimbelo. Ah, primeiro uma breve explicação, porque os leitores merecem estar bem informados! Por que Rua do Berimbelo? Em tempos não muito idos, ali mesmo, sim, ali, naquela rua tortuosa, que tinha uma saída para a lateral direita, dando para o Beco de Zozó, e outra para a lateral esquerda, dando para o Beco do Açude, era palco, ou melhor, era pista de corrida de cavalos, às terças-feiras à tarde. Uma festa! Certa feita, Badé, genro do finado Santo, em cuja casa (na deste) festejava-se São João com um arretado samba de roda, que ia de Santo Antônio, dia 13 de junho, a São Pedro, dia 29, apareceu com um cavalo negro, de boa raça, que atendia por Vingador.

O samba de roda na casa do finado Santo era uma festança. Festança, festança, festança. Fogueira ardendo durante dezessete dias, ininterruptamente. O povo quebrando no “Quebra-quebra gabiroba”, que na boca dos sambistas virava ‘gobiraba’. Não me perguntem porquê. 

Rua do Berimbelo. Vamos a ela. Berimbelo era o nome de um pangaré chocho, de Zé de Bertildes. Um zé ninguém, o cavalinho. Numa aposta, Zé de Bertildes pediu a Badé que lhe desse uma vantagem de dez varas, para o percurso de duzentos metros. O dono de Vingador riu à larga. Vantagem concedida. Montando Berimbelo, o próprio Zé de Bertildes, loroteiro que só ele. “Vou ganhar”! Dizia e repetia. Na montaria de Vingador, Badé colocou um sobrinho de sua mulher, Zé Hunaldo, criado pelos avós, diante da morte prematura da mãe. O sobrinho nunca tinha montado numa corrida. Era a sua estreia na pista tortuosa. 

Uma observação, que nem todos os leitores podem saber: numa daquelas corridas de rua, caso um dos cavalos se desviasse da pista improvisada, estava desclassificado. Por vezes, o montador não conseguia controlar as rédeas. Pois foi exatamente o que sucedeu naquela tarde. Vingador tomou o controle do seu tropel, desviando-se para o Beco do Açude. Aos gritos, Zé de Bertildes ultrapassou a marca da chegada, em frente à bodega de Cardosinho. “Venci, venci, venci”! E venceu mesmo. A partir dali a rua passou a chamar-se Rua do Berimbelo. Justíssima homenagem. 

Mas, onde ficou a rixa entre as duas senhoras? O povo continuava a especular em frente ao quartel da polícia. As duas prestaram queixas. Uma contra a outra, a outra contra uma. Bagaceira. O tenente Totonhão Argolo mandou os soldados arredarem da sala, ficando somente ele e as duas senhoras desafetas. 

“Rapariga de preso, hein? Isso lá são modos para uma senhora de bem? Hein, dona primeira-dama? E a senhora Dona Maria das Dores, respondendo na mesma moeda, hein? Então, são duas raparigas de presos, hein? Vontade que eu tenho é de dar duas dúzias de bolos de palmatória nas senhoras, para ver se aprendem um tiquinho de civilidade. Mas, hoje é aniversário do meu pequeno Albertinho. Tô de coração aliviado. Vão pra casa e tenham vergonha nessas caras lambuzadas de ruge”. 

E lá se foram as duas, cortando a Rua do Berimbelo, como duas raparigas de presos. Oh, miséria! 

*Padre (Paróquia Santa Dulce dos Pobres – Aruana - Aracaju), advogado, professor da UFS, membro da ASL, da ASLJ, da ASE, da ADL e do IHGSE.


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