Aracaju (SE), 15 de junho de 2025
POR: Gazeta do Povo
Fonte: Gazeta do Povo
Em: 12/06/2025 às 18:00
Pub.: 14 de junho de 2025

Quais os possíveis desfechos após a fase de interrogatórios do chamado "núcleo 1"?

Jair Bolsonaro - Foto: Ton Molina/STF

Os depoimentos e os dilemas da acusação contra Bolsonaro

Foi concluída, na última terça-feira, a fase de interrogatórios do chamado “núcleo 1” ou “núcleo crucial” de réus que respondem, no Supremo Tribunal Federal, por uma suposta tentativa de golpe de Estado após a vitória de Lula no pleito presidencial de 2022. O ministro do STF Alexandre de Moraes ouviu o ex-presidente Jair Bolsonaro; os ex-ministros Walter Braga Netto, Anderson Torres, Augusto Heleno (o único que não respondeu às perguntas de Moraes) e Paulo Sérgio Nogueira; o deputado federal e ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem; o ex-comandante da Marinha Almir Garnier; e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Se as defesas não pedirem diligências adicionais, a fase de instrução estará encerrada e as partes deverão fazer suas alegações finais antes que Moraes elabore seu voto e a Primeira Turma do STF marque o julgamento.

A não ser que estejamos diante de uma versão bananeira dos show trials soviéticos, em que os réus já estavam condenados por antecipação e todo o rito jurídico não passava de encenação para simular um julgamento justo, os ministros estarão diante de uma série de dilemas jurídicos que envolvem desde o chamado iter criminis até questões levantadas pela formulação dos crimes contra o Estado Democrático de Direito – Bolsonaro e os demais réus do “núcleo 1” respondem por tentativa de golpe de Estado (artigo 359-M do Código Penal), abolição violenta do Estado Democrático de Direito (artigo 359-L), organização criminosa armada (artigo 288), dano qualificado (artigo 163) e deterioração de patrimônio (artigo 62 da Lei de Crimes Ambientais) – estas duas últimas acusações estão ligadas aos atos de 8 de janeiro de 2023.

A julgar pelos depoimentos dos réus – incluindo o de Mauro Cid, cuja delação premiada, obtida em condições bastante questionáveis (ainda que ele tenha dito o contrário em seu interrogatório), é a base para toda a acusação –, o máximo que se pode concluir é que, após a vitória de Lula, havia de fato indignação na cúpula do governo e das Forças Armadas. O tenente-coronel relatou pressões por algum tipo de “virada de mesa” que permitisse a manutenção de Bolsonaro no poder, ou a anulação das eleições e realização de um novo pleito. Mas o próprio Cid também afirmou que, embora instigado por militares, Bolsonaro não assinou decreto algum, ainda que supostamente tenha chegado a ler e a sugerir mudanças no documento.

Este é o fato inegável, que mesmo os adversários mais viscerais de Bolsonaro precisam reconhecer: não houve nenhum papel assinado e, apesar de todas as supostas pressões, a transição de poder ocorreu de forma pacífica. Ninguém impediu Lula de subir a rampa do Planalto em 1.º de janeiro de 2023, e isso nos leva ao primeiro dilema. Ainda que militares, civis e o próprio Bolsonaro possam ter, em algum momento, desejado uma ruptura, e até mesmo planejado algo neste sentido, nada foi colocado em prática. O iter criminis (“caminho do crime”) tem quatro estágios: cogitação, preparação, execução e consumação. Como não houve a tentativa concreta de golpe, na pior das hipóteses chegou-se apenas à fase de preparação, e isso não é suficiente para a condenação. Doutrina e jurisprudência exigem ao menos a tentativa para a responsabilização penal, e a tentativa é definida no artigo 14, II, do Código Penal: ela acontece quando, “iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente”.

Para entendermos por que não se pode considerar que houve tentativa, sugerimos um exemplo recente de um país vizinho. Em dezembro de 2022, o então presidente peruano, Pedro Castillo, prestes a sofrer um impeachment, assinou a dissolução do Congresso, a convocação de novas eleições parlamentares e um toque de recolher – em outras palavras, um autogolpe de Estado que foi, de fato, tentado, já que as ordens foram todas devidamente assinadas. Castillo só não foi bem-sucedido porque o Legislativo e as forças de segurança não lhe deram seu apoio, e o presidente acabou preso. Aqui é evidente que houve tentativa, mas no caso brasileiro nem isso chegou a ocorrer. Por esse ponto de vista, não haveria elementos para condenar Bolsonaro e os réus do “núcleo 1” por golpe ou abolição do Estado de Direito.

Ocorre que a lei dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, em seus artigos 359-L e 359-M, define os crimes com o verbo “tentar”: respectivamente, “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito” e “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. É uma formulação diferente da de outros crimes, como o homicídio (“matar alguém”) ou a corrupção (“solicitar ou receber (...) vantagem indevida” e “oferecer ou prometer vantagem indevida”). Isso força uma segunda discussão, e a redundância, aqui, é necessária: os réus “tentaram tentar” um golpe? Os supostos atos preparatórios, as reuniões, a redação de minutas e a busca por apoio a uma ruptura já poderiam constituir uma “tentativa de tentativa”? Não existe resposta pronta para essa questão, que haverá de consumir muito tempo da acusação e dos ministros se eles tiverem a honestidade intelectual necessária para enfrentar esse problema.

Por fim, e ainda que se conclua que houve uma “tentativa de tentativa de golpe”, outro aspecto da redação dos mesmos artigos 359-L e 359-M terá de ser analisado, pois ambos afirmam que o golpe ou a abolição do Estado de Direito precisam ter sido tentados “por meio de violência ou grave ameaça”. E, também a julgar pelos depoimentos do réu delator e dos réus delatados, não houve nem uma nem outra. A única maneira de associar os réus a qualquer tipo de violência seria forçar uma ligação entre a eventual trama do fim de 2022 com os acontecimentos de 8 de janeiro – e, aqui, usamos o verbo “forçar” intencionalmente, porque também esse elo é tremendamente frágil.

Se tudo o que a PGR tem para acusar o “núcleo 1” é a delação de Mauro Cid (com todas as suas incoerências, mudanças de versão e circunstâncias obscuras), as tais minutas e o que foi colhido nos depoimentos, inclusive dos réus, a conclusão é a de que não há base para condenações na letra fria do Código Penal: seja porque não se chegou à fase de tentativa real de golpe de Estado ou de abolição do Estado de Direito, seja porque mesmo uma eventual “tentativa de tentativa” não se deu com o uso da violência, que a lei considera necessária para configurar o crime. No entanto, bem sabemos que o STF tem deixado de lado o princípio pelo qual a lei penal tem de ser interpretada da maneira mais restritiva possível; a corte, por exemplo, já alargou o conceito de “violência” e tem usado a ideia de “crime multitudinário” como muleta para condenar os réus do 8 de janeiro. Um novo “teste de estresse” para a frágil democracia brasileira está a caminho.

Por Gazeta do Povo 12/06/2025 18:00

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