"O que nos falta é oportunidade": pessoas em situação de rua relatam desafios em reunião no MPT-SE
Cerca de 30 representantes da população de rua participaram de reunião pública na instituição
Dos 33 anos de vida, Márcio passou 25 deles vivendo nas ruas. Desde os oito anos de idade ele enfrenta os desafios e os riscos de não ter uma casa para morar. "Tudo que o morador de rua precisa é de uma moradia digna. Depois disso, vem um trabalho, uma família e uma vida digna. Ninguém dá oportunidade de trabalho para quem não tem onde tomar um banho", desabafou Márcio Augusto.
Ele foi uma das cerca de 30 pessoas que estiveram na sede do Ministério Público do Trabalho em Sergipe (MPT-SE), nesta terça-feira (29). Uma reunião pública foi realizada com a presença de diversas autoridades. A população mais vulnerável foi protagonista e pôde falar diretamente com os representantes de cada instituição, para apresentar suas principais necessidades.
Logo cedo, com o apoio da Pastoral do Povo da Rua, da Associação Bom Pastor e do Projeto Banho para Todos, as pessoas em situação de rua tiveram a chance de tomar banho e trocar de roupa. Edson dos Santos participou do encontro e disse que essa é uma das dificuldades diárias. "Eu tenho mais de vinte anos nas ruas e vejo as coisas piorarem a cada dia. Eu já passei mais de um mês com a mesma roupa no corpo, sem oportunidade de tomar um banho. Vocês não imaginam o que é passar suado e o povo se afastar, com nojo e medo. Quando você consegue uma roupa, uma mochila, não tem onde guardar e o povo leva", explicou.
O procurador-chefe do MPT-SE, Márcio Amazonas, abriu o evento e destacou a importância do encontro. "Os protagonistas do dia de hoje, aqui no MPT, são vocês. Com essa reunião, queremos promover uma escuta adequada e necessária para iniciar um movimento de capacitação e evitar que novas explorações sejam cometidas, além de, combater as que já existem", afirmou.
De acordo com o procurador do Trabalho e coordenador regional da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete), Adroaldo Bispo, o intuito do evento é identificar as reais necessidades das pessoas em situação de rua. "Gostaria de pedir, em nome do poder público, perdão pela nossa omissão. Nós temos sido cruéis com vocês. Em regra, nós fazemos de conta que não enxergamos. E quando enxergamos é para temer. Mas, hoje, a casa foi aberta para ouvir vocês. A partir de agora suas vozes não serão mais perdidas no ar", enfatizou o procurador.
Alisson Oliveira, coordenador estadual do Movimento Nacional de População de Rua em Sergipe, apresentou as fragilidades do Centro Especializado para Pessoas em Situação de Rua (Centro Pop). "Hoje, as pessoas chegam no Centro Pop e não acessam abrigo e acolhimento. A demanda não é suprida e o usuário sai sem o desejo de reclamar. Precisamos da efetivação de políticas públicas que já existem. Nossa prioridade como movimento é moradia, emprego, renda, educação e acesso ao território, a saída da rua", pontuou.
Simone, beneficiária do auxílio moradia, ressaltou a dificuldade para deixar completamente as ruas. "Eu recebo auxílio, mas continuo fazendo parte da população de rua. Um auxílio de R$ 600,00 não é suficiente para ter uma vida digna. A gente paga o aluguel e as contas, mas fica sem dinheiro para comer, então tem que continuar nas ruas pedindo. Somos tratados como lixo. O que nos falta é oportunidade", declarou.
O secretário de Estado do Trabalho, Emprego e Empreendedorismo, Jorge Teles, disse que a reunião foi uma oportunidade única de ouvir as demandas dessa população vulnerável. “Esse encontro é algo histórico. É uma oportunidade de revisitarmos a nossa obrigação, enquanto cidadãos e servidores públicos. Estamos aqui no papel de ouvintes, para atender vocês. Não é fácil mudar o que sempre foi dessa forma, mas temos aqui, acima de tudo, pessoas públicas e cidadãos que têm a sensibilidade de buscar essa solução”, disse o secretário.
O defensor público do Estado e diretor do Núcleo de Direitos Humanos, Sérgio Barreto Morais, falou sobre a necessidade de atuação conjunta das instituições. “Não há mais tempo a perder. A gente não sabe o que é passar fome, a gente não tem ideia do que é dormir na rua. Então, ouvindo vocês, precisamos ser pragmáticos e efetivos. O serviço público, que é feito para pessoas, indistintamente, tem que dar um passo a mais para servir a população em situação de rua. Vocês precisam ser prioridade”, ressaltou.
Também participaram do evento a Procuradora da República do Ministério Público Federal (MPF), Martha Figueiredo, a presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Sergipe (OAB-SE), Lilian Jorneline Ferreira, o procurador-Geral de Contas, Eduardo Rolemberg Côrtes, o promotor de Justiça Luiz Cláudio Almeida, representando o Ministério Público de Sergipe (MPSE), o tenente-coronel William Rocha, representante da Polícia Militar, a presidente do Instituto Social Ágatha, Talita Verônica, além de representantes da Secretaria de Estado da Saúde (SES), do Consultório na Rua, da Prefeitura de Aracaju, Abrigo Freitas Brandão, Associação Bom Pastor e Associação de Juristas Católicos da Arquidiocese de Aracaju (Ajucat).
Nesta quarta-feira (30), as reuniões públicas continuam no MPT-SE. Desta vez, serão ouvidos migrantes, de diferentes nacionalidades, que vivem em Sergipe.