Instituições públicas e privadas se atentam às vagas afirmativas para pessoas negras
Segundo estudo do IBGE, menos de 30% dos cargos gerenciais de empresas e instituições são ocupados por pessoas negras; decreto recente do governo federal estabelece um percentual mínimo, enquanto empresas abrem programas próprios.
A adoção de cotas e a criação de programas de formação e qualificação são medidas cada vez mais adotadas por empresas e instituições públicas e privadas, que buscam ampliar e fortalecer a progressão de carreira e a ocupação de cargos de gerência e liderança por profissionais negros. Grandes corporações já se destacam com a promoção de programas próprios de treinamento e qualificação, nos quais eles procuram trabalhar a progressão de carreira de profissionais negros e negras.
O mesmo passo vem sendo dado no serviço público federal. Em agosto do ano passado, a Escola Nacional de Administração Pública (Enap) abriu uma edição extraordinária do LideraGOV, um programa de formação de lideranças, voltado exclusivamente para servidores negros e negras, em colaboração com os ministérios da Gestão e Inovação (MGI) e da Igualdade Racial (MIR). Isso se soma à edição do Decreto 11.443/2023, que estabelece um percentual mínimo de ocupação de cargos em comissão e funções de confiança por pessoas pretas ou pardas.
O objetivo destas medidas é preencher uma lacuna quantificada por estudos como o "Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil”, realizado em 2021 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com este estudo, 53,8% dos trabalhadores no Brasil são negros, mas eles estão em apenas 29,5% dos cargos gerenciais. De acordo com o estudo, a origem desta desigualdade ainda existente nas empresas e instituições vem de um problema estrutural: a falta de equidade de condições entre a maioria dos estudantes negros e brancos.
Janaína Machado Tavares, gerente do Unit Carreiras - Foto: Asscom Unit
Para ela, uma das saídas está justamente na definição de cotas, como já acontece no recente decreto do governo federal, e que segue a mesma lógica da Lei Federal 12.990/2014, a qual reserva vagas para negros nos concursos públicos da União. “No início, a gente precisava das cotas para minimizar essa diferença que hoje é muito desigual. É muito importante que o negro ocupe todos os ambientes, para que ele traga representatividade, para que ele traga diversidade, e diminua essa desigualdade. E não aquela questão de ‘Ah, não estou preparado..’, ‘Eu estou preparado sim. Me faltava a oportunidade, mas eu sou tão bom quanto’, e isso é importante”, afirma Janaína.
ESG e compliance
No mundo corporativo das empresas privadas, a adoção de cotas para preenchimento de cargos de liderança por negros, mulheres, indígenas e pessoas LGBTQIA+ também vem sendo mais considerada. Trata-se de uma das medidas previstas pela cultura ESG (governança ambiental, social e corporativa), nas quais as empresas se engajam em práticas e políticas que priorizem a equidade, a diversidade e a sustentabilidade.
Além disso, órgãos judiciais, como o Ministério Público do Trabalho (MPT), ou mesmo grandes instituições financeiras, incluem o cumprimento de cotas raciais e de gênero entre os requisitos de compliance (conformidade com as leis e regras éticas vigentes) inclusive na concessão de empréstimos ou permissão para firmar contratos.
“Principalmente para empresas multinacionais, o Banco Mundial exige o quantitativo de mulheres, de pessoas binárias de gênero e também de pessoas pretas. Isso é muito importante, porque para uma empresa estar de acordo com o compliance, para conseguir um empréstimo mundial, ela tem que ter negros na gerência, tem que ter pessoas trans com representatividade dentro da empresa. E por isso vem surgindo os departamentos de diversidade, que são extremamente importantes para primeiro sensibilizar e atuar dentro das instituições e quebrar uma cultura de tantos séculos passados”, ressalta a gerente.
Janaína acrescenta que a ESG e as regras de compliance, pede não apenas o atendimento das questões de diversidade, mas também as de sustentabilidade. “Eu acredito numa mudança de cultura das empresas, sim, mas não porque querem, e sim porque estão, de certa forma, forçadas a mudar. Isso abre a oportunidade de incluir os excluídos, tornar os colaboradores muito mais diversos. Isso tem um ganho muito grande, até porque, se as pessoas que consomem aquele produto são diversas, e eu quero produzir de uma maneira mais plena, que atenda públicos diferentes, eu preciso fazer com que os meus colaboradores sejam diferentes e pensem diferente, porque são eles que vão fazer com que aquele produto seja inovador e atenda o maior público possível”, conclui a especialista.