Quando a UFS tropeça no próprio salto :: Por Bia Muniz
Eu fui aluna da Universidade Federal de Sergipe. Peguei muito ônibus apertado para chegar ao campus, decorei o trajeto das Didáticas como quem conhece a palma da mão e dancei em mais festas universitárias do que ouso confessar. A UFS foi cenário de anos intensos, de descobertas, debates, cafés eternos no corredor e aquela mistura deliciosa de juventude com futuro pela frente. Talvez por isso, quando li sobre o tema da redação do Vestibular EAD 2025, eu tenha sentido um soco no estômago, não daqueles que a vida dá e a gente aguenta com um café, mas um direto de campeonato.
O assunto? Uma prova que associava, de forma direta e oficial, a eleição de Jair Bolsonaro ao crescimento do neonazismo no Brasil. Eu reli, pesquisei, fui atrás da fonte. Sabe quando você chega na festa animada, mas a música para e todo mundo te olha? Foi essa a sensação.
A universidade, diante da repercussão, cancelou a redação. Foi o mínimo. O mínimo. Porque não basta trocar o salto que quebrou, é preciso descobrir quem deixou o piso liso e não avisou. E aqui a crítica é clara: se a UFS diz que “não tem acesso prévio” às provas e que elas são elaboradas por contratados externos, então é urgente que apure quem são esses “profissionais” que acharam adequado transformar um exame seletivo em palanque ideológico.
Cancelar o tema é como varrer a poeira para debaixo do tapete do corredor das Didáticas. O aluno constrangido continua com a sensação de ter sido alvo. O vestibulando que não concorda com a narrativa política ainda vai lembrar da prova como o momento em que a universidade, que deveria ser espaço plural, serviu um prato pronto com tempero partidário.
E eu, que tanto defendi a UFS nas rodas de conversa por esse Brasil afora, não consigo aceitar o argumento do “foi sem querer”. A vida acadêmica me ensinou que todo texto passa por revisão e se esse passou, alguém carimbou. Portanto, mais do que cancelar, é preciso responsabilizar. Identificar, ouvir, apurar e punir. Porque sem consequência, o episódio vira precedente. E, convenhamos, universidade que forma líderes e pensadores não pode dar aula de omissão.
A UFS que eu conheci era feita de gente inquieta, que debatia até o amanhecer e que sabia que democracia se constrói com divergência, não com imposição. Se a instituição quiser manter essa memória viva, vai precisar provar que ainda tem coragem de subir no palco, olhar para a plateia e assumir: erramos, e aqui estão as medidas para não repetir o erro.
Senão, vai ficar parecendo aquele baile que termina antes da hora, não porque a festa acabou, mas porque o som foi desligado por falta de cuidado. E, francamente, a Federal de Sergipe merece mais do que um final assim.
*Bia Muniz é aposentada e articulista do Portal Fausto Leite