Pedrinho Bunda de Fora :: Por José Lima Santana
José Lima Santana(*) jlsantana@bol.com.br
Tourada - Foto: Marvel/Divulgação
Nossa Senhora das Dores é terra de pecuária. Depois do ciclo do algodão, que o município produziu muito e de boa qualidade, o gado bovino de corte voltou a imperar. Cidade apropriada, pois, para a realização dos espetáculos de touradas, que alguns abominam. Nos meus tempos de menino, destacava-se o toureiro Geraldo Sem Medo, que, andava e girava, acabava aportando em Dores para uma temporada de algumas semanas. Outro toureiro de quem eu lembro o nome era Didi Power, baixinho e destemido, tal e qual Geraldo, que era alto e magro. Geraldo, todavia, era o rei das touradas e acabaria com um olho perfurado por uma pontada certeira. Os espetáculos geralmente ocorriam dos sábados às segundas-feiras. Em cada noitada, um fazendeiro cedia o gado. Alguns resistiam em ceder, pois, como diziam, e nisso tinham razão, o espetáculo machucava os bovinos. O fazendeiro que mais cedia bois para os espetáculos era o saudoso Juca Barreto, que, a bem dizer, era um sujeito de mão cheia. Cordato, risonho, amigueiro, diferia muito da maioria dos seus pares. Pena que morreu tão cedo! De ataque cardíaco.
Eu também me lembro de algumas poucas touradas, antes, na Praça da Bandeira, hoje Praça Joel Nascimento, mas que o povo só chama Praça do Jacaré, porque, quando o prefeito Juquinha a urbanizou, entre 1969 e 1970, ali foi construída uma fonte ornamental e nela foi colocado um filhote de jacaré que acabaria sumindo. Uns dizem que o bicho foi surrupiado e passado à panela por um grupo de cachaceiros. Outros dizem que, numa noite de forte trovoada, a fonte transbordou e o jacaré ganhou o mundo. A verdade? Vai-se saber. Entretanto, a Praça da Bandeira, também chamada, outrora, Praça Mauricéa, era mais reservada aos espetáculos circenses. Ainda falarei sobre os circos.
Uma vez, e pelo que eu me recordo, somente uma vez, um toureiro foi morto. Pontada fatal. Boi azucrinado. Noite terrível. Espetáculo suspenso. Caixão roxo de João de Pucina devidamente providenciado. Mundo perigoso aquele das touradas. E perverso para os bois. Aliás, como esquecer, neste momento, “Sangue e Areia”, filme americano, lançado mundialmente em 22 de maio de 1941, do gênero drama, com duração de 125 minutos, dirigido por Rouben Mamoulian e com roteiro baseado na obra homônima de Vicente Blasco Ibáñez? No elenco, dentre outros, Tyrone Power, Rita Hayworth, Linda Darnell, Anthony Quinn e Alla Nazimova. Do ator Tyrone Power, talvez, foi tirada a alcunha de Didi, o toureiro que toureou por estas bandas. Bem lembrando, está em Aracaju, armado na vizinhança de um shopping, e após percorrer várias cidades do interior, inclusive Dores, o Circo Irmãos Power. Com eles, o patriarca Didi. Aquele mesmo dos meus tempos de menino.
As touradas daquele tempo eram pobres em acomodações para os espectadores. Às vezes, as próprias cercas que separavam a arena improvisada do público eram frágeis. Teve ocasiões em que um ou outro boi conseguiu abrir uma brecha na cerca e invadir o local do público. Um Deus nos acuda! Tudo, porém, acabava em farra. Era uma gritaria danada. Enfim, o boi era controlado. Quando eu ia às touradas, por recomendação de papai, ficava no mais alto do “poleiro”, como eram chamadas as arquibancadas de touradas e circos, e que na boca do povo soava “puleiro”. Precaução para o caso de algum boi desejar cortejar o público.
Em alguns espetáculos, notadamente às segundas-feiras, noites de casa cheia, alguns espectadores eram convidados para adentrar na arena. Não faltavam alguns corajosos. E, dentre estes, alguns tungados. Ou seja, truviluscos, meio-lá, meio-cá, queimados, quase chapados. Eram momentos de assanhamentos do público. E de temeridade para os convidados dos toureiros. Estes, porém, procuravam dar àqueles a devida cobertura.
Numa noite de segunda-feira, a lua minguante minguando cada vez mais, parecendo uma tripa prateada manchando o céu, o parco serviço de som do espetáculo, uma boquinha de alto-falante engasguenta, convidou dois destemidos dorenses a adentrarem na arena, mostrando, assim, que “nesta cidade tem homens de coragem”. O primeiro a subir na cerca foi Pedrinho de “seu” Alonso da Cobra D’Água. Aliás, o povoado Cobra D’Água, desde 1920, por Lei estadual (a mesma Lei que elevou Dores à categoria de cidade, em 23 de outubro daquele ano), passou a chamar-se Floresta, mas há quem ainda pronuncie o antigo nome, como eu. Pedrinho estava sóbrio, até porque, ao que me constava, ele não bebia. Era um cabra novo, se muito com vinte anos de idade, magrinho de dar dó, presepeiro, de bem com a vida, vaqueiro de “seu” Aristóteles, na Caiçara, de onde meu avô materno carreava lenha no carro de bois, tendo Zé Luiz, meu primo, vulgo Sebinho, como chamador dos bois. Para quem não sabe e não é da roça, chamador de bois era o sujeito que ia à frente dos animais portando uma pequena vara. Na mesa do carro, como era nominado o lugar onde ficava o carreiro, este impelia os bois, cutucando-os com uma vara longa de ponta de ferro, o ferrão. Um suplício para os bois.
E foi assim que o populacho dorense passou a apelidar o pobre rapaz de Pedrinho Bunda de Fora. Que coisa, hein?
(*) Advogado, professor da UFS, membro da ASL e do IHGSE
Publicado no Jornal da Cidade, edição de 19 e 20 de abril de 2015. Publicação neste site autorizada pelo autor.
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