O Sítio do meu pai :: Por José Lima Santana
José Lima Santana (Foto de arquivo: Click Sergipe)
Eu nasci na Praça João Ventura, atual 23 de Outubro, onde meus pais foram morar, em 1954, quando se casaram. Dali, a família se mudou para um sítio, na estrada do Gonçalão. Primeiro imóvel comprado por meu pai. Perto ficavam os sítios dos irmãos do meu pai, meus tios Carivaldo e José, que chamávamos Danda. Os três irmãos eram marchantes, assim como outros parentes, expoentes no fabrico da carne de sol, iguaria que apetece o gosto e o paladar dos dorenses. Muito perto, o barracão de João de Rita, pai do meu compadre Tonho da Copa, que comprava sebo de boi para derreter e fornecer a uma saboaria de Capela. Nossos vizinhos de frente eram Tonho Miúdo e Dona Júlia, que meu irmão chamava de vovô e vovó. Eu chamava Dona Júlia de Dudua. Vizinho do lado direito, o velho Sinhô, sozinho. No lado esquerdo ficava o pasto de Gaspar. Adiante, os sítios do meu tio-avô Vangelo e o de “seu” Nonô, da Igreja Batista. Descendo para o Gonçalão, as soltas de gado de “seu” Areto (Ariston Luiz dos Santos, pai do ex-prefeito Aldon da Festa do Boi) e do meu tio-avô Dadá (João Soares Santana). Descendo uma ladeira, ia-se dar no tanque e no açude da cidade. O primeiro, lugar dos homens e meninos tomarem banho e de lavar carros e cavalos. Banho com sabão de alcatrão. No segundo, as mulheres lavavam roupas, cada uma tendo a sua pedra de ensaboar, mas, também, lugar, depois do Trampolim, de lavar fatos de bois, a chamada “Fateira”.
Que tempo o da minha infância até os sete anos, naquele sítio, que não era somente um simples sítio! Ali, além da casa de morada, papai tinha o curral de abater gado e a salgadeira, anexa à casa. No curral, parentes e amigos abatiam os seus bois. Ninguém pagava nada pelo uso do curral. Tinha dias que o cheiro forte de sangue ressecado empesteava a casa, ao soprar do vento. Havia, porém, algo positivo: a doença que matava galinhas, e que se chamava murrinha, não chegava lá em casa. Morriam galinhas em toda a redondeza, mas não no sítio da gente. Diziam que era porque as nossas se alimentavam do sangue dos bois, derramado na matança. Vai-se saber! O certo é que a murrinha não encontrava guarida lá em casa. Sorte nossa. E, sobretudo, das galinhas.
Quando alguma vaca dava leite, era uma festa para os dois neguinhos, eu e meu irmão Neném, acompanhar papai ao ato da ordenha, que se dava debaixo de uma sucupira, no lado direito da casa. Vaca amarrada e apeada, tetas lavadas, o leite descia borbulhando na tigela grande de estanho, dali para o vaso. Ah, um copo de leite cru, morninho de dar gosto, ali mesmo!
Vivíamos, eu e meu irmão, soltos no sitio. Muitas vezes, nós o percorríamos em busca de ninhos cheios de ovos que as galinhas botavam pelos matos. Não raro, quando cobras ou saruês não devoravam os ovos, algumas galinhas apareciam com suas ninhadas, pois chocavam nos ninhos que nós não descobríamos. Fartura de ovos, que mamãe distribuía com a parentela.
Entre agosto e setembro, mamãe vendia gordos capões, frangos e um bacorinho, a fim de comprar os tecidos para as roupas das festas do fim do ano: festa da Padroeira, em setembro, Natal e Ano Novo. Roupas confeccionadas pelas costureiras dona Elvira e Sila de João Nogueira. Nunca se podia repetir uma roupa numa daquelas três festas. Embora a família fosse pobre, mamãe era zelosa. A roupa para a festa da Padroeira, ou seja, para a procissão, no domingo, era especial, geralmente um terninho de linho, calça curta, camisinha branca, tudo bem engomado, gravatinha borboleta, e lá íamos nós acompanhar a bela imagem de Nossa Senhora das Dores, percorrendo as principais ruas da cidade, com as beatas se esguelando no hino que Edilberto Andrade compôs.
*Padre, advogado, professor da UFS, Membro da ASL, da ASLJ, da ASE, da ADL e do IHGSE