Uma semana, dois fatos :: Por José Lima Santana
José Lima Santana*
A semana que finda e que teve início no último domingo, dia 17, deixa-nos algumas reflexões. Neste artigo, cuidarei de falar sobre os dois fatos que mais me chamaram a atenção: o início da vacinação contra a Covid-19, no Brasil, e a posse de Joe Biden, como 46º presidente dos Estados Unidos da América.
É uma pena que haja um embate ridículo, de cunho absurdamente eleitoreiro, entre o presidente da República e o governador de São Paulo. Para nós, brasileiros em São Paulo ou em qualquer outro Estado-membro, o que importa é que a vacinação seja realizada até alcançar o percentual da população que possa consignar o que sanitariamente se denomina “imunização de rebanho”. As querelas politiqueiras abjetas entre o “senhor do Palácio do Planalto” e o “senhor do Palácio dos Bandeirantes” não dizem, ou não deveriam dizer respeito aos brasileiros que não se sentem confortados com tais brigas. Quero crer que isso toca à maioria da população brasileira, que tem a cabeça no lugar. Todo mundo pode ter as suas preferências político-eleitorais, mas a ninguém é dado o direito de destilar ódio, seja lá em qual lado possa estar.
Ora, a estratégia que se viu dos dois lados, ou seja, do “senhor do Planalto” e do “senhor dos Bandeirantes”, foi faturar de forma vergonhosa em cima do início da vacinação, cada um tentando jogar na lona o seu adversário. A quem interessa a proclamação de um ganhador, nessa luta insana? A quem interessa, por exemplo, um chamar o outro de “moleque”? Em tese, a quem interessa saber se o SUS pagou pelas vacinas saídas do Butantã? A quem interessa saber se o governo de São Paulo foi quem pagou? Em tese. De um ou de outro jeito, o dinheiro é público, dos brasileiros em geral ou apenas dos paulistas. Todavia, importa, sim, a verdade, quando refletimos que homens públicos precisam falar a verdade. O ministro da Saúde mentiu, ao dizer que o SUS pagou pelas vacinas vindas da China, que, antes, foram duramente criticadas pelo “senhor do Planalto” e seus defensores? Pouco se me dá. O foco não é esse.
Quando, no fim do ano, o “senhor dos Bandeirantes” anunciou que iria começar a vacinar no dia 25 de janeiro, disse que todo brasileiro que fosse a São Paulo seria vacinado. Um absurdo. Então, São Paulo se diferenciaria dos demais Estados, deixaria todos os outros para trás e, ainda, atrairia as pessoas que pudessem se deslocar ao mais rico Estado da Federação, em detrimento da maioria que não teria tal condição de deslocamento. Egoísmo. Exibicionismo político. Então, em meio ao sono e às trapalhadas, o Ministério da Saúde, sem outro recurso, e precisando fazer frente a São Paulo, deu para implementar a requisição administrativa das vacinas do Butantã (ou da China) e, assim, tentou salvar a “lavoura” do governo federal.
No meio de tudo que se refere às vacinas, loas à ANVISA, cuja diretoria, unanimemente, aprovou o uso emergencial das vacinas do Butantã e da FIOCRUZ, estas ainda por vir da Índia. E a Agência Nacional de Vigilância Sanitária contradisse o que vinha proclamando as autoridades federais, ao afirmar que não existe tratamento preventivo contra o novo corona-vírus. Mas, é possível que os negacionistas continuem a berrar que a cloroquina e outros remédios próprios para matar vermes são eficazes contra a pandemia. Tudo é possível. A esse propósito, o médico francês Didier Raoult, cuja defesa da hidroxicloroquina para tratar a Covid-19 o tornou mundialmente conhecido, voltou atrás no que antes tinha afirmado. Quem tem razão?
Que o governo federal possa assumir suas responsabilidades na condução efetiva e eficaz da política de saúde pública no país, lembrando que, por definição legal (Lei nº 8.080/1990), o Sistema Único de Saúde, instituído pela Constituição Federal, preconiza a gestão tripartite do SUS, isto é, a cargo das três esferas federativas, cada uma com as suas funções.
O Ministério da Saúde deve respostas ao povo. Deve desdobrar-se para que o povo brasileiro tenha as vacinas que precisa o mais breve possível. Para tanto, será preciso lutar contra o tempo perdido. Em junho do ano passado, o “senhor dos Bandeirantes” fechou contrato com o laboratório Sinovac, para a aquisição da vacina Coronavac, que até agora é a única vacina aplicada no país. Goste-se ou não, se não fosse essa ação do “senhor dos Bandeirantes”, ainda não teríamos dado início à tímida vacinação. O Ministério da Saúde vacilou. Negligenciou. Dormiu no ponto. Errou feio. Precisa recuperar o tempo perdido, repito. Ficou, na gestão do atual ministro, tentando defender a ideia do tratamento precoce, agora chamado de “atendimento precoce”, depois das pancadas recebidas. Urge envidar esforços e tomar medidas firmes para a imprescindível mudança de rumo, na aquisição das vacinas. É o que devemos esperar.
Por fim, destaco a posse do presidente Joe Biden, nos Estados Unidos. Isso interessa ao Brasil? Interessa ao mundo inteiro, sobretudo porque Biden põe fim, se é que se pode dizer assim, a um dos momentos mais drásticos da história do federalismo norte-americano, a era da “porra-louquice” de um supremacista egocêntrico chamado Donald Trump, que levou o país a uma nova guerra de secessão, embora sem o embate direto pelas armas entre o Norte e o Sul, como a verdadeira Guerra de Secessão, que se deu de 12 de abril de 1861 a 9 de maio de 1865, começando com a batalha de Bull Run, travada perto de Manassas, na Virgínia, e terminando após a batalha de Palmito Ranch, também conhecida como Palmito Hill, ocorrida em Cameron County, no Texas, quando a presidência dos EUA era ocupada por Abraham Lincoln e quando os escravos negros foram libertados, daí a deflagração da guerra.
Trump perdeu a reeleição. Temeroso de que isso pudesse acontecer, dadas algumas situações que o desacreditavam, como a inconsistência no combate à pandemia e as crises econômica e fiscal, ele antecipou uma frente de batalha contra supostas fraudes que jamais existiriam, como, deveras, comprovou-se, depois, não existiram. Foi uma jogada velhaca, bandoleira, mas que levou apoiadores do presidente a erguer essa falsa bandeira das fraudes, chegando ao absurdo de promoverem a invasão do Capitólio, duas semanas atrás, inclusive com a incitação do próprio Trump, situação vexatória jamais imaginada na terra do Tio Sam. Uma mancha negra na democracia que é considerada a maior do mundo. Sabe-se lá!
O discurso de Joe Biden pode ser resumido numa frase por ele cunhada: “A democracia prevaleceu”. Que prevaleça a democracia em todas as partes do mundo. Que caíam os muros das restantes ditaduras, explícitas, como a da China, dentre outras, ou “disfarçadas”, como a da Rússia e outras mais. E que a democracia, às vezes ameaçada por vozes soturnas de aves agourentas, como ocorre no Brasil, seja defendida por quem nela acredita e que por ela jamais deixará de lutar.
*Padre, advogado, professor da UFS, Membro da ASL, da ASLJ, da ASE, da ADL e do IHGSE