Aracaju (SE), 22 de novembro de 2024
POR: José Lima Santana
Fonte: José Lima Santana
Em: 18/04/2024 às 11:25
Pub.: 18 de abril de 2024

Até quando a igreja vai sangrar? :: Por José Lima Santana

José Lima Santana*

José Lima Santana - Foto: Arquivo pessoal

José Lima Santana - Foto: Arquivo pessoal

Desde tempos distantes, a Igreja sangra por conta de maus prelados, padres e bispos, que a envergonham e, por conseguinte, envergonham a sociedade em geral, aqui ou alhures. Quantas têm sido as vítimas de abusos sexuais por parte de membros do Clero, em várias partes do mundo? Ora, há de dizer-se que abusos desse tipo ocorrem em todos os segmentos da sociedade, inclusive, e, talvez, principalmente, nas famílias. Verdade. Há, contudo, um senão: os varões ordenados fazem voto de castidade. E, assim, diferenciam-se de todos os outros. 

Quem tomou a decisão de pegar no arado, não olhar para trás e seguir Jesus Cristo (Lc 9,62) sabe o quanto deveriam pesar, como deveras pesam, os votos proferidos de castidade e obediência, mantendo-os com determinação. Ou vive-se para valer a vocação, ou esta acaba não passando de mera profissão. Há quem ainda acredita no chamado de Deus para o seu serviço, mas há também quem já está no faz de conta. 

A Igreja Católica em várias partes do mundo tem sido combatida por causa de alguns de seus membros terem descaradamente descumprido um desses votos citados, o da castidade. Quando eu ensinava no Seminário Maior da nossa Arquidiocese, disse, certa vez, respondendo à indagação de um seminarista, que, para ser padre, tomando por base o voto de castidade, seria necessário “segurar frente e verso”. Não há outro caminho. 

Os membros do Clero podem ter tendência desse ou daquele tipo, mas, ao fazer o voto de castidade assumem o dever e a coragem de exercê-lo com denodo, com firmeza, com determinação, mesmo que lhes pese o fardo do desejo, que é uma questão biológica. Todavia, se esse fardo for demasiadamente pesado, que se busque outro rumo. Não dá para viver na hipocrisia, desmoralizando-se e enlameando a Igreja. 

Tempo houve em que tudo era acobertado. Infelizmente. Quantas vítimas sofreram, e ainda sofrem, por conta dos abusos praticados, notadamente as vítimas vulneráveis, como os menores de idade? Eis aí uma ferida na qual muitos não querem pôr a mão. 
Porém, é uma ferida que não cicatriza, nem nas pessoas abusadas, nem no seio da Igreja. E na consciência dos abusadores, o que se passa? Nada? Por isso, tornam a fazer sangrar tanto as vítimas, quando a Igreja? Meu Deus! Nada se pode contraditar que essas pessoas, na Igreja ou em qualquer outro lugar, são doentias, são pervertidas, são, em suma, bandidos travestidos de clérigos ou de qualquer outra condição nas mais diversas atividades sociais. 

Quem entregou-se à missão de evangelizar, recebendo a unção quando de sua ordenação presbiteral, jamais deveria esquecer estas palavras do Divino Mestre: “Porque há eunucos que o são desde o ventre de suas mães, há eunucos tornados tais pelas mãos dos homens e há eunucos que a si mesmos se fizeram eunucos por amor do Reino dos Céus. Quem puder compreender, compreenda” (Mt 19,12).

Não dá mais para segurar a “onda”, para jogar para debaixo do tapete a sujeira dessas pessoas, como estamos vendo, a cada semana, por assim dizer, os casos pululando no Brasil. Ora, um bispo; ora, um padre; ora, um seminarista. E, claro, há casos ainda acobertados ou a serem denunciados. Ainda haveremos de ver coisas brabas, terríveis. É uma grande pena!

As vocações devem ser bem cuidadas, orientadas, acompanhadas, desde o nascedouro, vale dizer, desde o seu despertar no adolescente ou no jovem, para que não se perca lá adiante. Deve-se reformular a formação, a partir do Seminário Propedêutico (um ano), passando pelo Seminário Maior, na filosofia (três anos) e na teologia (quatro anos). Estender o cuidado, a orientação, a formação por toda a vida presbiteral e episcopal. 

A Igreja tem um cabedal incomensurável de contribuição para o aprimoramento da sociedade, além do aspecto espiritual, na edificação de escolas, hospitais, asilos, orfanatos etc., ao longo dos séculos. Situações admiráveis foram criadas e sustentadas pela Igreja, apesar de algumas deficiências de sua parte humana. Contudo, houve e há deformações. Estas devem ser banidas. Quanto deve ter sofrido o Papa Bento XVI, ao defrontar-se com situações gravíssimas, advindas de um relatório tremendo, que lhe chegou às mãos. Como deve sofrer o Papa Francisco com a Igreja que continua sangrando diante dos abusos de uma minoria, a enxovalhar a maioria dos clérigos que dão suas vidas para o anúncio da Palavra, para a edificação do Reino, para o alcance da amizade social. 

Em abril de 2019, o Papa emérito Bento XVI, falecido em 2022, publicou o artigo “A Igreja e os abusos sexuais”, no qual ofereceu suas reflexões sobre a situação eclesial naquele momento e apresentou suas propostas para enfrentar essa grave crise. No início do artigo, ele disse: “De 21 a 24 de fevereiro, a convite do Papa Francisco, os presidentes das conferências episcopais do mundo reuniram-se no Vaticano para discutir a crise de fé e da Igreja, uma crise palpável em todo o mundo depois das estarrecedoras revelações de abusos clericais perpetrados contra menores. A extensão e a gravidade dos incidentes relatados afligiram sacerdotes e leigos e fizeram com que muitos questionassem a própria fé da Igreja. Foi necessário enviar uma mensagem forte e buscar um novo começo para tornar a Igreja novamente credível como luz entre os povos e como uma força ativa contra os poderes da destruição”.

Os poderes da destruição, como afirmou Bento XVI, continuam a agir. Por fim, há de se perguntar mesmo: até quando? Até quando? 

*Padre (Paróquia Santa Dulce dos Pobres – Aruana - Aracaju), advogado, professor da UFS, membro da ASL, da ASLJ, da ASE, da ADL e do IHGSE.

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