O voto da cachorrada :: Por José Lima Santana
José Lima Santana*
José Lima Santana - Foto: Arquivo pessoal
Naquele ano, após cinco derrotas, Roberto de Quincas desistiu de concorrer à Prefeitura Municipal. Estava exausto. Mas, precisava arranjar um candidato de valimento, para derrotar Mundinho de Mariinha, genro de Chico Brito, que iria suceder a Zé Godoy, primo-irmão do todo-poderoso Rodolfo Carniça. Mundinho de Mariinha era afilhado de batismo do todo-poderoso. Candidato escolhido a dedo, para o velho Rodolfo continuar mandando na Prefeitura. A UDN sempre de cima.
Iam se aproximando os dias das convenções partidárias e Roberto de Quincas não tinha definido o candidato para apresentar ao Partido. Aliás, o Partido era ele, como, ademais, ocorria com todos os outros Partidos e em todos os lugares. Cada Partido, um líder; cada líder, um dono. Procura daqui e procura dali, eis que cinco nomes foram sugeridos pelos amigos mais chegados. Um, Fernandinho Jurema, dono da única farmácia da cidade O segundo, Aniceto Boca Preta, fazendeiro que, segundo o dito popular, amarrava um boi em cada touceira de capim sempre-verde. O terceiro, Bililiu de Maria de Terto, jovem apessoado, de família endinheirada, mas metido a gaiatices com mulheres casadas, ou seja, um candidato a ser fustigado. O quarto, Dominguinhos de Antônio Cascudo, um sargento reformado da Polícia Militar, que enriqueceu sabia Deus como, e era vereador há três mandatos. O quinto nome era do médico Américo Fagundes de Lira, recém-formado, de namoro com uma neta de Roberto de Quincas, igualmente médica, e que atuava, ao lado da namorada, na Casa de Parto Nossa Senhora das Candeias, ali mesmo em Campo Redondo.
Conversa vai, conversa vem, torna a ir e a voltar, eis que o médico foi escolhido como candidato a prefeito, tendo Aniceto Boca Preta como candidato a vice-prefeito, cabendo-lhe derramar a grana necessária para angariar votos, quanto preciso fosse. Nas hostes pessedistas, dava-se como certa a vitória do candidato de Roberto de Quincas. Alvoroço na banda dos udenistas. Acossado, Rodolfo Carniça prometia esmagar o “doutorzinho”. Ganharia mais uma contra a cambada de Roberto de Quincas. Nem que precisasse entornar o caldo. E entornar o caldo era o que ele sabia fazer muito bem.
A campanha política desenrolou-se com alargado acirramento. Os dois Partidos lançaram-se à cata ou à compra de votos, cada qual mais contundente. Houve atritos entre cabos eleitorais e eleitores. Gente besta a brigar por causa da política. A UDN governava o Estado e a Prefeitura. A Polícia prendia quem queria do lado oposicionista. O cabo do destacamento policial chegou a dar voz de prisão ao médico-candidato, na Casa de Parto, alegando omissão do mesmo em não internar a cadela Pituxa da rapariga do cabo, Marielze Tanajura, como se gente a quadrupede fosse, e tendo apresentado sangramento pós-parto, após dar cria a seis cãozinhos. Foi um bafafá da moléstia. Alterado, o cabo vociferou: “Cadela também é ser humano, seu doutô!”.
Nas ruas, a notícia correu e o povo não perdoou: “O cabo quer registrar a cachorra da rapariga como eleitora do lado de Rodolfo Carniça”. Foi quanto bastou. O PSD mudou o lema da campanha de “Tempo Novo em Campo Redondo” para “Só cachorro vota no candidato de Rodolfo Carniça”. Foi pau e casca. O médico ganhou de lavada: 2.319 votos contra 889. Nunca mais Rodolfo Carniça ganharia uma eleição. Até porque, alquebrado nos seus 86 anos, morreria dois anos depois.
*Padre (Paróquia Santa Dulce dos Pobres – Aruana - Aracaju), advogado, professor da UFS, membro da ASL, da ASLJ, da ASE, da ADL e do IHGSE.